Grandes negócios desafiam o Cade

Leia em 9min

Da importação de brinquedos à produção de aços, da venda de camisinhas às aquisições de frigoríficos, do comércio de cigarros à compra de hospitais, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) começa o ano com uma extensa pauta de grandes negócios para julgar e definiu quais são as prioridades.

A "lista amarela" de julgamentos que o órgão antitruste terá que dedicar maior atenção tem como destaque a união entre Pão de Açúcar, Casas Bahia e Ponto Frio e a criação da Globex. Segundo o relator do processo, conselheiro Marcos Paulo Veríssimo, o caso será decidido em março. Após o julgamento da Globex, o órgão antitruste espera concluir a compra da Bertin pela JBS.

As decisões vão começar a ser tomadas hoje, na primeira sessão do ano, quando o Cade deve assinar um acordo com a Philip Morris pelo qual a empresa vai se abster de fazer contratos de exclusividade com os pontos de venda para a propaganda de cigarros. O termo que será firmado entre o órgão antitruste e a empresa vai encerrar uma disputa de 15 anos. Em 1998, a Philip Morris recorreu ao Cade contra a Souza Cruz, alegando que a rival tinha contratos com os pontos de venda para que apenas os seus produtos fossem comercializados. Primeiro, o órgão proibiu os contratos para a venda exclusiva. Depois, vetou a exclusividade na propaganda. Em julho de 2012, a Souza Cruz assinou um acordo com o Cade para cumprir a decisão e pagou R$ 2,9 milhões. Hoje, será a vez da Philip Morris.

Na sessão do dia 30 o conselho vai julgar o segundo grande caso do ano. O órgão antitruste vai decidir se as empresas podem fixar preços para quem revende os seus produtos. Essa decisão será tomada num processo envolvendo a SKF, empresa de rolamentos que faz desde produtos hidráulicos até materiais para a indústria automotiva.

Nos Estados Unidos, a primeira decisão sobre preços de revenda ocorreu em 1911. No Brasil, o Cade tratou do assunto apenas nos anos 90, num caso envolvendo a tabela de sorvetes da Kibon. Naquele processo, a Kibon não foi punida, pois o órgão considerou que a tabela era apenas uma sugestão de preços, e não uma imposição. No caso da SKF, há dois votos pela absolvição e três pela condenação da empresa. No dia 30, Veríssimo e o conselheiro Eduardo Pontual vão proferir os dois votos que faltam no processo.

A compra da Ola pela Hypermarcas deve ser decidida entre fevereiro e abril. O caso é considerado como um dos mais importantes do ano, pois representou a fusão da Ola com a Jontex. O relator do processo, conselheiro Alessandro Octaviani, esteve pessoalmente na fábrica de preservativos, em São Roque (SP) para tirar dúvidas sobre o mercado. Um dos dilemas é verificar se há competição entre os diferentes tipos de camisinhas, como, por exemplo, o segmento premium e o de sabores de frutas. Essas análises vão ser apresentadas pelo relator que, em seguida, vai recomendar aos conselheiros se a operação deve ser aprovada com restrições ou não.

As várias aquisições da Anhanguera no setor de educação e da Qualicorp no segmento de benefícios de saúde são casos tão complexos que a estratégia do órgão antitruste será a de julgá-las em dois grandes conjuntos. Com isso, o Cade espera ter um retrato mais claro da concentração das duas empresas em seus respectivos setores para, depois, avaliar a necessidade de impor condições aos negócios.

Maior grupo privado de educação superior da América Latina, a Anhanguera adquiriu diversas faculdades nos últimos anos. A compra da Uniban, um negócio fechado por R$ 510 milhões, em setembro de 2011, é o grande desafio do Cade no setor. Os conselheiros terão que verificar quais são as faculdades que concorrem com aquelas adquiridas pela empresa. A competição no mercado pode ser vista pelos tipos de cursos oferecidos, pelos municípios ou pelos Estados em que as empresas atuam. Se os conselheiros verificarem, por exemplo, a situação por Estado, a Anhanguera pode ter mais facilidade para obter a aprovação em locais onde têm poucos institutos educacionais, como a Bahia. Já em regiões em que houve um número mais elevado de aquisições, como o Sul e Sudeste, a análise do Cade deve ser mais minuciosa. Mesmo nesses locais, os conselheiros podem fazer uma diferenciação entre as faculdades mais caras e as populares para considerar que uma não compete com a outra.

A Qualicorp adquiriu empresas importantes de benefícios e planos de saúde, nos últimos anos, como o grupo Aliança, comprado por R$ 100 milhões, em maio de 2012, e o Cade pretende obter um cenário mais amplo, verificando o impacto do conjunto dos negócios sobre o setor antes de decidir. Ainda no setor de saúde, a aquisição da Amil pela Dasa também será julgada com rigor. O mesmo vale para a aquisição de cinco hospitais de Brasília pela Rede D'Or. Nesse caso, o órgão antitruste vai analisar se houve concentração excessiva no mercado local e qual será o impacto sobre os usuários.

A saída da Portugal Telecom da Vivo e a posterior entrada da Telefônica é considerado como um dos casos mais difíceis que vão ser julgados pelo Cade ao longo deste ano. O processo entrou na "lista amarela" de casos que merecem atenção não apenas porque a decisão terá impacto direto nos consumidores, mas por causa de uma determinação recente do próprio Cade. Em abril de 2010, o órgão aprovou a união entre a Telefônica e a TIM, apostando no poder da Portugal Telecom na Vivo. Na ocasião, o conselho entendeu que a participação dos portugueses evitaria o controle isolado da Vivo pelos espanhóis. Agora, o risco que está sendo avaliado internamente pelo Cade é o de a saída da Portugal Telecom deixar margem para eventual coordenação de práticas no mercado, por meio da Telefônica que passou a ter participações em duas empresas que devem competir: a TIM e a Vivo.

Na caso da compra de participações da Usiminas pela CSN, a avaliação interna do órgão antitruste é a de que a análise deve ser rigorosa, já que as empresas competem em vários setores e detêm 79% do mercado de aços planos. A CSN chegou a adquirir 20,14% das ações preferenciais e 11,66% das ações ordinárias da siderúrgica mineira até que, em abril do ano passado, o Cade proibiu-a de fazer novas aquisições e fixou multa de R$ 10 milhões, caso a CSN descumprisse essa determinação.

O Cade espera ainda que a CSN vá comprar a CSA, gerando ainda mais concentração no setor. Caso o negócio da CSA seja confirmado, a CSN só vai poder entrar na empresa após a autorização prévia do órgão antitruste.

O grande caso do ano será a criação da Globex. Fechado em dezembro de 2009, o negócio é considerado bastante difícil pelos conselheiros. Diferentemente de outros casos em que eles estudam a venda de fábricas, marcas e produtos para equilibrar a concorrência, essas empresas detêm lojas e bandeiras.

A venda de lojas é complexa de ser imposta, pois exige um amplo estudo dos pontos de venda que as empresas têm em todo o país. Caberá ao Cade definir a zona de influência de cada uma das centenas de lojas da Globex para verificar onde há concorrência efetiva com outras bandeiras e onde não existe competição.

No julgamento, os conselheiros terão de dizer de que maneira as grandes redes de supermercados, como o Carrefour e o Walmart, competem com a Globex e poderiam evitar eventuais aumentos de preços.

O fato de as empresas da Globex usarem a internet para vendas ao consumidor favoreceria a aprovação, pois indica que a competição não se dá apenas pelas lojas. Mas, no caso da Globex, boa parte dos produtos é da linha branca de eletrodomésticos, em que o consumidor costuma ir à loja antes de comprar.

Certamente, o caso vai ter restrições, já que os conselheiros sabem que, se houver aprovação geral do negócio, e houver problemas para o consumidor é o Cade que será julgado negativamente pelo público.


Para órgão, criação da BRF não gerou monopólio na indústria de alimentos

   
Um ano e meio depois da aprovação da compra da Sadia pela Perdigão, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) avalia que a indústria de alimentos, em especial a de frangos e carnes, não se configurou como monopólio sob o domínio da BRF. Ao contrário, o órgão antitruste verificou que, hoje, há três grandes players disputando o setor de alimentos: a Marfrig, a JBS e a própria BRF.

Desde que a compra da Sadia pela Perdigão foi aprovada pelo Cade, em meados de 2011, os movimentos da BRF passaram a ser vigiados pelo Cade. Ainda naquele ano, o órgão antitruste disse à companhia que não aceitaria a aquisição da Doux. A partir daquele episódio, a análise que o Cade fez é a de que a BRF abandonou as pretensões de novas aquisições no setor.

Já a Marfrig adquiriu os ativos que o Cade mandou a BRF vender, como fábricas, abatedouros e granjas. Nesse movimento, a JBS passou, então, a ocupar o espaço de fazer novas aquisições no setor. A empresa comprou a Doux e outras companhias de frangos do Paraná e de Santa Catarina.

"A indústria não está se configurando como monopolista", constatou o conselheiro Ricardo Ruiz. "Pelo contrário, o mercado está se reconfigurando e estamos vendo três 'players' (competidores) fortes no país", completou.

Outro caso que o Cade acompanha com atenção, e que vai ter impactos sobre outras operações no setor de aviação, é a aquisição da Webjet pela Gol. No fim do ano passado, pesou negativamente para o órgão antitruste o fato de a Gol ter fechado a Webjet logo após obter a aprovação para o negócio. Por isso, o Cade vai exigir que a Gol cumpra à risca a condição imposta: o uso de pelo menos 85% dos "slots" - faixas de pousos e decolagens - que a companhia detém no aeroporto Santos Dumont, no Rio, até abril.

Baseado naquela decisão, o órgão antitruste deve aplicar esse critério de eficiência no uso dos "slots" em outros julgamentos. E na lista de casos que o Cade terá de prestar maior atenção, neste ano, está a compra da Trip pela Azul. A tendência inicial é a de o Cade julgar a compra da Trip observando se a Azul usa os seus "slots" em níveis eficientes - de 80% para cima.

O órgão espera ainda novas aquisições no setor de aviação, como a compra da TAP que, em dezembro, quase se confirmou após a Avianca tentar a aquisição e ouvir um "não" como resposta.


Veículo: Valor Econômico


Veja também

São Paulo ensaia antecipação de queda da alíquota de ICMS

No final do ano passado, o governo do Estado de São Paulo publicou portaria (CAT 174, de 2012) que sinaliza, segu...

Veja mais
Minas tenta barrar perda de ICMS

Decreto modifica regulamento para evitar declarações indevidas nas saídas internas de mercadorias.O...

Veja mais
Sancionada lei que obriga comércio a publicar marca dos produtos em anúncios

Comerciantes do Estado do Rio têm 90 dias para se adaptar. Depois disso, descumprimento será penalizado com...

Veja mais
Cesta básica de alimentos poderá ser isenta de impostos

Tramita na Câmara a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/12, do deputado Antonio Carlo...

Veja mais
Proibição de aromatizantes em cigarros

A polêmica proibição à fabricação e à venda de cigarros com aromas e sab...

Veja mais
Embalagem com advertência sobre perigos do sal

Projeto do deputado Jorginho Mello (PSDB-SC) obriga os fabricantes de alimentos a inserir na embalagem informaç&a...

Veja mais
Procon fiscaliza e autua supermercados em Porto Alegre

Um estabelecimento apresentava diferença de preços, outro, 1,3 mil unidade de produtos alimentícios...

Veja mais
Medidas provisórias trazem insegurança

Não é só a questão da distribuição dos royalties do petróleo e as conce...

Veja mais
Anvisa suspende venda de 15 produtos irregulares

Produtos cosméticos estão entre os principais vetados pela agênciaA Agência Nacional de Vigil&...

Veja mais