Armadilhas resistem nas ofertas de produtos e serviços vantajosos só na aparência, que são empurrados na hora de o cliente fechar o negócio. Consumidor deve ficar atento
Nem tudo é o que parece, muito menos no mundo do consumo. A oferta de um produto aparentemente vantajoso, ou de outro que promete proteger o cliente de furtos e roubos pode na verdade ser uma pegadinha. Nas lojas, nos bancos, supermercados ou restaurantes, o consumidor deve estar pronto para driblar as armadilhas do consumo, apontadas pelos especialistas como produtos e serviços que, de fato, não oferecem qualquer benefício para o usuário. São as velhas práticas abusivas que resistem ao tempo.
Para alertar sobre essas estratégias que ainda pegam o brasileiro desprevenido, a Proteste – Associação de Consumidores publicou uma espécie de cartilha com orientações simples. Entre os segmentos listados estão as grandes redes de varejo, instituições bancárias, bares, restaurantes, lanchonetes, supermercados e até o segmento de empresas especializadas em consertos. As pegadinhas estão em toda parte.
Entre os produtos classificados como vantajosos, mas que podem frustar a expectativa do consumidor, estão os títulos de capitalização. A rigor, a modalidade é oferecida como negócio de interesse para o cliente, mas é mais vantajoso para quem vende o título. Da mesma forma, os cartões que oferecem proteção contra furto ou roubo comercializam um serviço que já é um direito do cliente, independentemente de ele ter ou não contratado um seguro dessa natureza.
No embalo das ofertas, quem nunca levou no cesto de compras um produto ou serviço que não precisava? A autônoma Ângela Lopes, que atua no segmento de transporte escolar, conta que para ter acesso mais rápido a um serviço bancário, acabou agregando à sua conta um título de capitalização. “Não fiquei nada satisfeita. Se tivesse guardado o dinheiro, ou colocado na poupança ele teria rendido bem mais. Na verdade, senti que emprestei dinheiro para o banco por 36 meses”, reclama.
Segundo a Proteste, o título não é uma modalidade de investimento porque a remuneração prefixada geralmente não cobre a inflação do período do contrato e as chances de premiação por sorteio são pequenas. Outro ponto importante, destacado pela coordenadora institucional entidade, Maria Inês Dolci, é que qualquer produto ou serviço pode ser oferecido, mas não pode ser imposto ao consumidor.
Ângela Lopes diz que o usuário de serviços financeiros se sente forçado a adquirir produtos que não são de seu interesse. “Percebo que quando compramos um produto, o atendimento se torna melhor”, critica. Ela se recorda de que quando contratou crédito pessoal acabou também levando um seguro dirigido a mulheres, que não desejava, no valor de R$ 12. “Não tenho interesse no seguro e hoje ele já custa R$ 32 por mês”, reclamou.
Para evitar descontrole no orçamento ou aquela compra que não faz sentido, o consumidor deve evitar hábitos como ter muitos cartões de crédito, e se programar até mesmo para ir ao supermercado. Algumas dicas são observar a data de validade de produtos que estão na promoção, não comprar por impulso e não se sentir constrangido a levar produtos como patês, sucos e congelados, oferecidos gratuitamente em degustações, depois de experimentá-los.
“O ideal é que o consumidor faça uma lista antes de ir ao supermercado”, ensina Maria Inês Prazeres, educadora financeira e consultora em previdência privada. “Ele deve ficar atento às promoções, observando não só a data de validade, mas a sua necessidade. Levar três e pagar dois pode não ser um bom negócio. E se a necessidade for para apenas um produto?”, indaga.
Obrigação ou opção?
Do supermercado para o restaurante, casas de shows e lanchonetes, a cobrança de 10% como gratificação para o garçom é legal? Não. A prática é vedada pelo Código de Defesa do Consumidor e deve ser caracterizada como doação. Caso o consumidor desaprove o serviço prestado, ele não é obrigado a contribuir.
A aposentada Regina Alves e a filha, a psicóloga Clarisse Alves, contam que sempre contribuem com a taxa de 10% sobre o valor da conta para o garçom. “Muitas vezes o serviço não é muito bom, mas o profissional não é o único responsável, existem outros fatores envolvidos”, diz Clarisse. Elas dizem que evitam estabelecimentos que cobram de seus clientes a consumação mínima e que conhecem os direitos do consumidor de arcar com custos como o da comanda individual.
“Sempre que vou a um restaurante, cuido bem da minha comanda, mas não me preocupo além disso, porque sei que a cobrança de taxas pela perda e roubo é abusiva”, afirma Clarisse. A consumidora tem razão. Conforme o Código de Defesa do Consumidor, essa responsabilidade não pode ser transferida para o usuário. O estabelecimento deve cuidar para que os produtos oferecidos fiquem registrados.
O próprio consumidor pode se prender em armadilhas quando se sente constrangido a dizer não para uma oferta. “É melhor dizer não para um serviço do qual ele não precisa do que dizer não para seu orçamento. As pequenas economias fazem diferença. Basta medi-las, não no período de uma semana, mas de um ano”, alerta Prazeres.
Desinformação abre caminho para abuso
“Pequenas lesões, grandes negócios.” A comparação feita pelo presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), Marcelo Barbosa, ilustra bem o ciclo das práticas abusivas no Brasil. Apesar de o Código de Defesa do Consumidor (CDC) estar em vigor há mais de 20 anos um conjunto de fatores leva à persistência dessas ações. Seja na loja que não concede desconto para o pagamento à vista e empurra a garantia estendida, seja na cobrança por ponto adicional pela TV por assinatura, práticas que deveriam estar banidas ainda se repetem.
Um conjunto de ações se juntam e têm no final um resultado explosivo e desfavorável para o país. Na ponta da cadeia está a desinformação do usuário, que se torna uma espécie de oportunidade para o fornecedor. “Se o consumidor reclamar de uma prática abusiva, o fornecedor muitas vezes volta atrás; se não, ele segue em frente”, aponta Barbosa. Há muitas razões para a continuidade das práticas lesivas ao consumidor. Para começar, a fiscalização ainda é deficiente. “No país não há estrutura para fiscalizações preventivas e educativas”, diz Barbosa.
As punições ocorrem quando há denúncia e, mesmo assim, as empresas podem recorrer à Justiça, que não dá soluções rápidas aos casos, observa Barabosa. Por fim, segundo ele, as práticas abusivas são vistas ainda como lesivas só ao cidadão e não ao país. “Existe um desânimo também por parte do consumidor em denunciar.”
O administrador João Luiz Prates não aceita levar para casa gato por lebre e procura se informar sobre produtos e serviços. Ele diz que já comprou um título de capitalização, mas de forma consciente. “Sabia que não era um bom negócio, mas quis ajudar o gerente do banco”, explicou. Prates diz que negocia com a instituição financeira a isenção de tarifas, e só leva um segundo produto se ele for interessante, nunca se for empurrado.
A chave para mudanças nas relações de consumo pode estar na informação. “Essas práticas (abusivas) continuam a ocorrer porque ainda há espaço. Elas encontram nichos para prosperar. Quando o consumidor passar a avaliar propostas que parecem vantajosas, mas que de fato não são, o mercado será modificado”, aposta Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Proteste – Associação de Consumidores.
Veículo: Estado de Minas