A tarde de 23 de dezembro do ano passado - último dia de trabalho antes do Natal - foi um momento atípico na rotina dos 280 operários da Recrusul. Naquele dia, os funcionários da empresa, localizada em Sapucaia do Sul, no Rio Grande do Sul, largaram a produção de câmaras frias - freezers industriais - e por mais de duas horas acompanharam, dentro da própria fábrica, a audiência de término da recuperação judicial da empresa, iniciado em janeiro de 2006. O juiz Fábio Vieira Herdt, que conduziu a recuperação, oficiais de Justiça e um escrivão deslocaram todo o aparato judicial para o local e lá encerraram oficialmente o processo da Recrusul, em uma cerimônia marcada por discursos e agradecimentos. A indústria de refrigeração industrial, que ao longo de 2005 manteve as portas fechadas, ainda que oficialmente estivesse ativa, é uma das primeiras que se tem notícia no país a sair de um processo de recuperação judicial. Isso significa que o plano da empresa continuará a ser executado, porém, fora dos cuidados do Poder Judiciário.
Assim como a Recrusul, várias empresas que, no início da vigência da nova Lei de Falências, em junho de 2005, tiveram planos aprovados devem começar a pedir o fim de suas recuperações. Isso pode ocorrer em razão do que prevê a própria legislação. Pelas regras da Lei nº 11.101, se a empresa, após a aprovação do plano, se mantiver em dia com suas obrigações, ao longo de dois anos tem o direito de requerer o encerramento do processo de recuperação. "É o cumprimento do próprio processo", afirma o advogado Gilberto Deon Correa Júnior, sócio do escritório Veirano Advogados. Segundo o advogado, finalizado o processo, o plano passa a funcionar como qualquer contrato - e, portanto, sujeito a todos os seus riscos, e do qual saem de cena o juiz e e o administrador judicial. Sendo assim, se o contrato deixa de ser cumprido, a companhia estará sujeita a uma execução judicial ou a uma ação de falência. Na recuperação judicial, o não-cumprimento do plano pode representar a decretação automática da falência da empresa.
O advogado da Recrusul no processo de recuperação judicial, Dárcio Vieira Marques, afirma não ser fácil para uma empresa sair de um processo desse tipo, ainda que esteja em dia com suas obrigações e com os dois anos completos. No caso da Recrusul, por exemplo, havia uma série de impugnações de credores relativas a processos já julgados na Justiça do trabalho em favor de trabalhadores. "Eram várias penhoras on-line da contas da empresa", diz. O que resolveu a questão foi um pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que determinou que esses créditos deveriam entrar na recuperação. Livre dessas impugnações, a companhia pôde pedir o encerramento do processo. A empresa - que no plano de recuperação judicial teve seu controle vendido e sofreu um aumento de capital - tem uma dívida original de R$ 40 milhões, da qual 20% já foi paga em virtude da aplicação do plano, que estipula um prazo de nove anos para a quitação dos débitos.
A Parmalat Alimentos, uma das primeiras empresas, juntamente com a Varig, a entrar com um pedido de recuperação judicial no país, em tese já poderia pedir o encerramento de seu processo, pois o cumprimento do plano está em dia e mais de 50% do passivo da empresa já foi quitado. No entanto, segundo seu advogado, Júlio Mandel, ainda há algumas poucas impugnações pendentes de credores que discutem os valores a serem recebidos da empresa. Enquanto existirem esses recursos pendentes, não há como encerrar o processo. "Casos grandes são difíceis de serem encerrados em apenas dois anos", afirma Mandel. Já a Varig, segundo o advogado da empresa, José Alexandre Corrêa Meyer, do escritório Motta Fernandes Rocha Advogados, está em fase final de ter condições de pedir o encerramento da recuperação judicial da companhia. De acordo com Meyer, ainda é necessário realizar uma assembléia-geral entre os credores para discutir a possibilidade de uma emissão de debêntures da empresa lastreadas em créditos de ICMS que a empresa teria a receber e de uma indenização que a empresa poderá ganhar da União - que aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) - por conta de defasagem tarifária. A assembléia que discutirá o assunto está marcada para o dia 29 de janeiro. Meyer também afirma que ainda aguarda-se o fechamento do quadro geral de credores da empresa, o que deve ser feito amanhã.
Na avaliação de advogados, sair de um processo de recuperação judicial significa, para as empresas, economia de custos e menos burocracia. "É um procedimento que tem um custo alto", afirma o advogado da Recrusul, Dárcio Vieira Marques. Ele exemplifica com os gastos existentes no processo com custas e emolumentos judiciais, com o administrador judicial - que pode receber até 5% do passivo da empresa - e possíveis gastos com leilões de ativos e ainda com publicações de editais. Além disso, Marques afirma que o procedimento deixa de ser engessado - ou seja, passa a não mais ser necessário ouvir o Ministério Público em todos os passos do processo, assim como o administrador judicial, e não há mais a necessidade da aprovação de todos os atos da empresa pelo juiz da recuperação.
Mas se por um lado a saída da recuperação sinaliza que a empresa está indo bem, fora da recuperação os credores têm um menor poder de fiscalização. Segundo o advogado Luiz Fernando Valente de Paiva, do escritório Pinheiro Neto Advogados, dentro da recuperação, se há o descumprimento do plano, pode-se pedir a imediata falência da empresa, possibilidade que deixa de existir com o encerramento do processo. "Mas para a empresa, sem dúvida é interessante sair da recuperação judicial", afirma.
Veículo: Valor Econômico