A demanda de empresas interessadas em utilizar uma brecha jurídica para reduzir os valores pagos em programas de parcelamento de dívidas tributárias ao qual aderiram - e que até o início da crise financeira era considerada restrita por tributaristas - aumenta nos escritórios de advocacia. As bancas vêm recebendo uma grande quantidade de consultas de companhias interessadas em diminuir as parcelas de dívidas previdenciárias pagas mensalmente ou até em reaver, por meio de créditos, valores já recolhidos em parcelamentos fiscais no passado.
A brecha encontrada por tributaristas decorre de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que em junho do ano passado decidiu que o prazo para a cobrança de débitos de contribuições previdenciárias é de cinco anos - e não de dez, como vinha sendo praticado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A decisão se tornou a Súmula Vinculante nº 8 do Supremo, o que significa que deve ser seguida por todo o Judiciário e pelo poder público. Ainda que o Supremo tenha modulado os efeitos da decisão - ou seja, definido que os cinco anos passam a valer a partir da data do julgamento, em 11 de junho de 2008, e sejam aplicados apenas para os débitos que já estavam em discussão na Justiça ou na via administrativa -, advogados acreditam que, nos casos de parcelamentos, os valores que extrapolam esses cinco anos não poderiam ser recebidos pelo fisco.
Ainda que a tese seja nova, as primeiras decisões de mérito favoráveis aos contribuintes começam a aparecer na Justiça, algumas já proferidas por tribunais regionais federais (TRFs), além de várias liminares que suspendem o pagamento das parcelas. A rapidez decorre do fato de que muitas empresas já estavam com ações na Justiça questionando sua exclusão de parcelamentos. E essas decisões têm servido de precedente para os demais casos, segundo a advogada Valdirene Lopes Franhani, do escritório Braga & Marafon. Para ela, a Justiça deve excluir todo o valor prescrito - ou seja, que supere os cinco anos - do total do parcelamento em curso, já que esse pagamento está em aberto. "Não há como saber que parcela equivaleria a que parte da dívida, e por isso, como a empresa ainda está pagando, o total que decaiu deve ser descontado", afirma.
Em uma sentença da 1ª Vara Federal de Santo André, na região metropolitana de São Paulo, publicada no início deste mês, foi justamente esse o entendimento que predominou: de que todo o valor em decadência deveria ser excluído do parcelamento. Com a decisão, a empresa pode eliminar cerca de 80% do valor total do seu parcelamento, segundo o advogado que a assessora, Vanderlei Menezes, do escritório Pires Martins e Lago Advogados. No caso da empresa, o INSS cobrou em 2006 dívidas previdenciárias contraídas de 1998 a 2003. No mesmo ano a companhia entrou no Paex para parcelar o valor devido. Com o novo prazo de cobrança definido pelo Supremo, o juiz entendeu que os valores anteriores a 2001 decaíram, concedendo um prazo de 30 dias para que a Fazenda exclua do total do parcelamento o valor em decadência. Até que sejam feitos novos cálculos, o juiz manteve uma liminar que suspendia a cobrança das parcelas. "Tivemos que ir à Justiça, já que o contribuinte teria seu pedido de revisão dos valores negado pelo fisco", afirma o advogado. Ainda cabe recurso da decisão.
Até que haja uma decisão definitiva sobre a disputa, o embate entre o fisco e os contribuintes no Judiciário não deverá ser fácil. O procurador-adjunto Fabrício da Soller, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), afirma que o órgão deve recorrer das decisões que determinarem a exclusão de todo o valor prescrito dos parcelamentos, mesmo se essas parcelas já tiverem sido pagas. "Essas decisões estão em desacordo com a decisão do Supremo, que estabeleceu que os recolhimentos feitos antes da data do julgamento não precisam ser devolvidos", afirma. A procuradoria se baseia no artigo 163 do Código Tributário Nacional (CTN), que entende que as parcelas são pagas na ordem crescente dos prazos de prescrição. Já com relação a empresas que ainda pagam parcelas de dívidas já prescritas, Da Soller afirma que os valores cobrados desde a data do julgamento serão devolvidos por meio de créditos ou os contribuintes serão restituídos. Porém, admite que, apesar de a Receita Federal do Brasil e a PGFN estarem trabalhando nesse sentido, ainda não há uma uniformização de como esse procedimento funcionará na prática. Nesses casos, mesmo havendo uma confissão de dívida obrigatória do contribuinte para participar de programas de parcelamento de dívidas, isso não deverá ser um empecilho para que as empresas recebam os créditos das parcelas pagas após o julgamento. Isso porque, segundo o parecer da PGFN sobre o assunto, a procuradoria admite que a súmula do Supremo seria superior a essa confissão.
Esse também tem sido o posicionamento predominante na Justiça. Em uma decisão do TRF da 5ª Região, publicada no fim do ano passado, o desembargador Frederico Azevedo entendeu que, com a súmula vinculante do Supremo que declarou inconstitucional os artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212, de 1991, que estabeleciam o prazo de dez anos, fica valendo a prescrição prevista no artigo 174 do CTN, de cinco anos - mesmo com a confissão da dívida pelo devedor, que deveria suspender o prazo, mas que perdeu o efeito com a súmula. O caso envolve uma importadora que entrou no Paes em setembro de 2004 para parcelar uma dívida de 1996 - e portanto acima do prazo de cinco anos. O desembargador extinguiu a dívida, mesmo com relação às parcelas pagas. Ainda cabe recurso da decisão.
Veículo: Valor Econômico