Ampliação do regime de substitução tributária provocou uma onda de ações de empresas na Justiça
A ampliação do regime de substituição tributária no Estado de São Paulo colocou empresários e entidades de classe em pé de guerra com o Governo Serra. Desde o ano passado, 23 novos setores foram incorporados ao sistema, que já cobrava ICMS na origem da produção de outros segmentos, como bebidas, cigarros, combustíveis e veículos. O objetivo é evitar a sonegação fiscal e a concorrência desleal, ao mesmo tempo que dá mais eficiência à arrecadação.
Por outro lado, a sistemática tem revelado alguns efeitos colaterais negativos para a atividade econômica, que resultou numa onda de ações judiciais e transferência de negócios para outros Estados. O secretário da Fazenda de São Paulo, Mauro Ricardo, atribui o movimento a sonegadores. "De fato, quem sonega está muito chateado com esse regime. Esses podem ir embora de São Paulo mesmo", dispara ele, destacando que a arrecadação cresceu R$ 3 bilhões em 2008 por causa do regime.
MUDANÇA
A substituição tributária consiste em deslocar para um único contribuinte (em geral a indústria) a responsabilidade de recolher o ICMS de toda a cadeia de comercialização, desde a saída do produto da fábrica até o consumidor final. Para isso, o imposto é calculado em cima de uma base presumida de preço final, e de quanto cada empresa na cadeia de produção teria adicionado ao valor da mercadoria. Esses números são projetados pelo fisco a partir de pesquisas de mercado.
Eis aí a primeira grande crítica das empresas: em muitos casos, os números dos valores adicionados projetados pelo fisco são incompatíveis com a realidade, diz a advogada da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomércio), Sarina Sasaki Manata. Há situações em que o valor projetado representa o dobro do praticado.
Além disso, a diferença de preço entre os produtos que entraram no sistema de cálculo da Receita estadual é grande.
No setor de cosméticos, por exemplo, um batom pode custar R$ 10 ou R$ 300. O imposto será calculado sobre uma média ponderada. Na prática, quem vende o produto abaixo dessa média, acaba pagando mais imposto.
Segundo um renomado tributarista, que prefere não se identificar, numa margem de 40% sobre um produto de R$ 100, o ICMS será de R$ 25.
"Vendendo a R$ 140, a alíquota continua em 18%. Se vender por R$ 110, a alíquota sobe para 22,9%, e por R$ 160, cai para 15,75%. Isso inibe as promoções e liquidações."
PESQUISAS
Mauro Ricardo diz que as pesquisas são feitas pelas próprias associações. "Se quiserem fazer o levantamento todo mês e nos enviar, elas podem." Tributaristas avaliam que não é tão simples. As pesquisas de preços têm de ser feitas em instituições definidas pelo governo e pode levar até 20 meses.
"A situação provocou a migração de uma série de distribuidores e atacadistas para outros Estados onde as alíquotas são menores e não há substituição tributária", afirma o advogado da Lacerda & Lacerda Advogados, Nelson Lacerda. Ele diz que nos últimos meses sua empresa auxiliou clientes na abertura de 15 filiais fora de São Paulo. "Eles não fecharam as operações aqui, mas transferiram parte dos negócios.
Virou uma guerra fiscal", avalia.
O presidente do Sindicato de Distribuidores e Atacadistas de Produtos Industrializados do Estado de São Paulo (Adasp), Sandoval Araújo, confirma que o sistema tributário tornava mais competitiva a empresa que estava fora daqui. A reportagem do Estado procurou alguns grupos, mas eles evitaram comentar o assunto por medo de represálias.
Essa estratégia começou a ser minada com acordos que o governo paulista tem feito com outros Estados. "Até agora já temos dez protocolos com Estados que vão promover a substituição tributária", destaca Mauro Ricardo. De toda forma, o fluxo de mercadorias destinado a outros Estados continuará sendo feito a partir das unidades instaladas fora de São Paulo.
Outra reclamação entre os empresários é o fato de o governo ter revogado uma lei que permitia, até dezembro de 2008, restituir o imposto cobrado a mais pelo fisco. As empresas dizem que muitas vezes praticam preços menores do que os arbitrados na cobrança antecipada do imposto e, por isso, teriam direito a ressarcimento.
Redes de supermercados como Wal-Mart e Pão de Açúcar, e montadoras questionam na Justiça o fim da restituição desse imposto pago a mais.
"As empresas não são contra a substituição tributária. O que elas não querem é não ter direito ao ressarcimento", diz o advogado da Leite, Martinho Advogados, Leandro Martinho Leite.
Ele destaca outro problema: o acúmulo de crédito de ICMS por contribuintes paulistas que fazem operações interestaduais. "Na prática, como o procedimento para restituição é muito lento e burocrático, as empresas têm acumulado créditos, que chegam a R$ 10 milhões, o que afeta de forma expressiva o caixa das companhias nesse momento de crise."
Elétricas contestam decisão
O próximo setor a entrar no regime de substituição tributária é o mercado livre de energia elétrica, no qual os consumidores compram eletricidade diretamente dos geradores por meio de um comercializador.
A partir de agosto, o ICMS cobrado nessa transação passará a ser recolhido pelas distribuidoras, junto com a tarifa de uso do fio. Para isso, os comercializadores terão de informar aos distribuidores quantidades e valores das transações considerados estratégicos, diz o diretor executivo da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), Lúcio Reis.
A decisão do governo paulista já despertou a atenção inclusive da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que recomendou à Advocacia Geral da União e à Presidência da República, que entrem com ação na Justiça para derrubar a medida. Na avaliação do órgão regulador, as distribuidoras não integram a cadeia econômica de circulação de energia em relação às contratações feitas no mercado livre.
O secretário da Fazenda de São Paulo, Mauro Ricardo, diz que a agência deveria se preocupar mais com o consumidor e "não se intrometer nesse assunto". Ele afirma que as comercializadoras sonegam cerca de R$ 200 milhões por ano aos cofres do Estado. "Por isso, resolvemos que o ICMS dessas transações será recolhido pelas distribuidoras."
No setor elétrico, nem comercializadores nem distribuidores estão contentes com a medida. Os distribuidores acham que não é atribuição deles fazer esse recolhimento já que não participam da operação. Além disso, acreditam que terão aumento de custos. O assunto está em análise no Supremos Tribunal Federal (STF) e deverá ser julgado após o recesso do Judiciário.
Guerra fiscal acelera fuga de indústrias do Estado
O Estado mais industrializado do Brasil, São Paulo perde espaço no Produto Interno Bruto (PIB) industrial. Benefícios fiscais oferecidos por outros Estados provocaram uma fuga de empresas de São Paulo, que passou a concentrar fábricas mais atrasadas tecnologicamente, onde incidem os maiores custos de produção. Em apenas uma década, a participação da indústria paulista no valor de transformação industrial caiu 8 pontos porcentuais: de 49%, em 1988, para 41%, no ano passado.
As informações são de levantamento feito por José Ricardo Roriz Coelho, diretor do Departamento de Competitividade e Tecnologia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
"Os produtos de maior valor agregado, que antigamente eram feitos aqui, agora migram para Estados que oferecem vantagens fiscais", diz Roriz Coelho. "São Paulo fica com a sede de empresas e áreas de marketing e design, entre outras, além de fábricas antigas, com tecnologia defasada".
Para o economista Júlio Sérgio Gomes de Almeida, consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), houve uma desconcentração industrial, que só não foi totalmente "salutar" porque os motivos que o desencadearam não são tão "nobres".
"Não sou contra incentivo fiscal para desconcentrar a indústrias, mas sob o guarda-chuva de uma guerra fiscal eu acho que é um jogo em que os Estados perdem arrecadação desnecessariamente."
Outro motivo que fez São Paulo perder participação na indústria brasileira foi o baixo crescimento econômico ocorrido entre 1998 e 2006, "Isso levou as empresas a uma busca de maior produtividade, mas pelo caminho não tão bom da guerra fiscal", diz Almeida.
Embora abrigue as principais universidades e centros de tecnologia do País, São Paulo também perde a corrida por maior produtividade.
Segundo a Fiesp, no espaço de dez anos, a produtividade paulista caiu 24%, bem mais que a dos demais Estados (-7%), o que fez a diferença que havia entre ambos, de 41%, cair para apenas 14% em 2008."O pessoal ocupado nas nossas fábricas aumentou 33%, enquanto o valor de transformação industrial cresceu só 1,1%, o que significa perda de produtividade", explica Roriz Coelho. "Nos demais Estados, o número de trabalhadores cresceu 56,3%, porém com aumento de 45,6% no valor agregado ao produto."
Além disso, o custo da mão de obra em São Paulo é 53% maior que nos demais Estados. Contudo, essa diferença já foi maior, de 67%, em 1998.
O fato é que, entre 1998 e 2007, o Estado de São Paulo perdeu 2.238 indústrias, que fecharam as portas ou se transferiram para outros Estados. Em compensação, foram abertas 14.585 indústrias no mesmo período. Ou seja, para cada fechamento ocorrem sete aberturas de empresas do setor industrial em São Paulo. No conjunto dos demais Estados, no entanto, a relação é de 417 aberturas para cada fechamento de indústria.
"Temos um pessoal mais caro e, mesmo assim, agregamos menos valor ao produto que os outros Estados. Isso é tecnologia, ou seja, eles trabalham com máquinas e equipamentos melhores que os nossos, e que, de certa forma, são financiados por incentivos fiscais", afirma Roriz Coelho.
Para ele, um exemplo claro disso é o da General Motors (GM), que foi para o Rio Grande do Sul e vai investir R$ 2 bilhões na ampliação da fábrica em Gravataí. "É a melhor fábrica deles hoje, a mais produtiva, a que tem o pessoal melhor qualificado, enquanto São Paulo fica com a fábrica antiga."A montadora negociou incentivos fiscais com o governo gaúcho.
Veículo: O Estado de S.Paulo