A relação dos supermercados com seus fornecedores vem evoluindo muito, mas existem muitas oportunidades de evolução
Por Renato Müller
Um dos assuntos mais espinhosos na história do varejo é o relacionamento com a indústria. Nem sempre harmonioso, às vezes difícil, mas sempre necessário para que o consumidor final seja bem atendido. Afinal, sem produtos não há varejo – e sem varejo o produto não chega ao cliente.
Um painel no segundo dia da ABRAS’23, que acontece nesta semana em Campinas (SP), abordou as mudanças nas relações dos supermercados com a indústria e a formação de ecossistemas de negócios. Uma transformação que é temperada com um ingrediente importante: a complexidade do mercado brasileiro. “O consumidor brasileiro quer ESG, bem-estar e saúde, ao mesmo tempo em que busca preço baixo e quer ser atendido em diversos canais. É desafiador, tanto pelos custos quanto pela complexidade para fazer acontecer”, analisa Rodrigo Cambiaghi, sócio-diretor de consultoria da EY para a América Latina.
Mas esse é um desafio que precisa ser encarado. “Temas como saúde e sustentabilidade se tornaram inegociáveis, e varejo e indústria precisam trabalhar para trazer esses elementos para os produtos, a um custo acessível”, afirma Fernando Rosa, presidente da Kraft Heinz no Brasil. “Como indústria, nosso papel é puxar essa agenda, fazer esses investimentos e levar ao consumidor o que ele espera. Para fazer isso sem repassar para o preço, temos que ser mais eficientes e buscar a colaboração do varejo”, acrescenta.
A colaboração varejo / indústria para reduzir custos e ganhar eficiência passa, necessariamente, pelo melhor uso dos dados dos negócios. “Compartilhar dados é essencial. A indústria não consegue melhorar a oferta, ter melhores produtos, se o varejista não abrir seus dados e mostrar o que está sendo demandado pelo cliente”, afirma José Koch, presidente do Grupo Koch. “Essa é uma mudança de cultura e de posicionamento que precisa ser acelerada”, reforça.
Para Koch, a mudança de cultura vem a reboque de uma ampliação importante do relacionamento com os fornecedores. “Tradicionalmente essa relação era focada no comercial, mas hoje precisa ser muito mais ampla, envolvendo logística, marketing, visual merchandising, planejamento e gestão. O varejo precisa capacitar seus times para poder conversar com a indústria em pé de igualdade”, diz o supermercadista.
Tecnologia e muito mais
Para Wlamir dos Anjos, Vice-Presidente Comercial e Logística do Assaí, a transformação da relação entre varejo e indústria envolve tecnologia, mas vai muito além. “Tecnologia, sozinha, não resolve. O Brasil não é para amadores: só quem tem um conhecimento muito grande das características locais dos clientes consegue ter sucesso por aqui. Por isso a parceria do varejo com os fornecedores é essencial”, explica.
O executivo conta que, na última década, o relacionamento da indústria com o atacarejo evoluiu muito. “Sempre ficávamos para trás na conversa com a indústria, mas hoje é diferente, pois está claro que o consumidor consome em múltiplos canais e os fornecedores precisam desenvolver políticas específicas para cada formato de varejo. Se não fizerem isso, vão perder competitividade e ficar para trás”, acredita. Ao mesmo tempo, a indústria tem uma grande capilaridade e, com frequência, entende muito bem os desafios da regionalização. Com isso, consegue ajudar o varejo em sua expansão e na definição do mix ideal em cada ponto de venda. “Quando colaboramos, temos melhores resultados”, diz Anjos.
Para Fernando Rosa, da Kraft Heinz, hoje varejo e indústria entendem muito melhor o valor da informação e, assim, têm deixado para trás os tempos de uma relação conflituosa. “Tanto o varejo quanto a indústria saem ganhando quando têm dados em tempo real e conseguem reagir rapidamente ao que acontece no PDV”, afirma. A empresa tem trabalhado em diversas plataformas para utilizar melhor os dados e aumentar sua eficiência operacional (e, em consequência, a eficiência dos parceiros varejistas). “Em um app para nossa área comercial, estamos desenvolvendo um sistema que prevê a ruptura com base nas informações de venda. O sistema orienta nosso time de campo, com detalhamento por loja e sugestão de sortimento ideal por PDV”, exemplifica.
Assim, a empresa vai além do Gerenciamento por Categorias praticado no passado, que não funciona em um país com a complexidade do Brasil. “Precisamos ser muito mais granulares, atendendo cada loja de forma específica. É um passo muito importante, que também contribui para a evolução do varejo”, diz Rosa.
Ter a tecnologia é ótimo, mas insuficiente. “Comprar o software é o mais fácil: a grande dificuldade é ter a equipe para implementar e, principalmente, utilizar bem a tecnologia”, comenta João Koch. Para o executivo, o grande desafio é fazer com que vendas e inovação caminhem juntos. “A tecnologia nos dá uma resposta mais rápida para tudo o que estamos fazendo. Mas o futuro do varejo não está na compra, e sim no custo operacional: o diferencial está em ter a estrutura mais eficiente possível para obter vantagem competitiva”, avalia.
Além disso, é preciso tomar cuidado com a qualidade dos dados que são coletados. O custo de sistemas e hardware é cada vez menor, o que facilita a coleta e análise de informações – mas informação demais pode se transformar em ruído. “Do mesmo jeito como água demais mata a planta, quem tem muitos dados mas não sabe usar acaba se perdendo. E para saber usar é preciso preparar a cultura do negócio e as pessoas, o que leva tempo. Por isso, esse é um processo, uma evolução, que precisa ter em mente o consumidor e o que é importante para ele”, finaliza Wlamir dos Anjos, do Assaí.