O perfil do consumo de alimentos no Brasil está mudando. Pesquisa da Nielsen confirma que os hipermercados, com sua grande variedade de produtos, estão perdendo espaço no País. No entanto, ao contrário do que ocorre em outros mercados na América Latina, o fator preço ainda tem um peso importante nas escolhas do brasileiro.
No México, a maior influência na decisão de compra está na conveniência - 72% dos ouvidos pela Nielsen no País disseram que este é o principal fator na relação de consumo. O item também lidera no Brasil, mas com proporção bem menor, de 50%. E o fator preço aparece bem próximo, em segundo lugar, citado por 45% dos entrevistados.
Segundo o presidente da Nielsen Brasil, Eduardo Ragasol, essa realidade brasileira, comparada à mexicana, tem duas explicações: a primeira é relativamente baixa concentração do varejo local. As dez maiores redes somam 64% das vendas totais do varejo de alimentos no País, segundo a Associação Brasileira de Supermercados (Abras). No exterior, a relação chega a 80%.
"Essa característica faz com que o consumidor encontre diferenças de preço relevantes. O brasileiro sabe que ainda vale a pena pesquisar", explica o executivo. Como no México o mercado é bem mais concentrado, essa preocupação com a comparação acaba se diluindo. As variações tendem a ser pequenas - por isso, o consumidor prefere mais economizar o próprio tempo.
Ragasol lembra também que o México conseguiu domar a inflação antes do Brasil, que vive um cenário mais estável desde a introdução do Plano Real. Para ele, o domínio do hipermercado no País, que só agora começa a dar sinais de cansaço, é herança dos tempos de preços descontrolados. "O consumidor procurava a solução de suas necessidades no dia do pagamento. E tinha de encontrar tudo num lugar só."
Com a economia mais estável, o cliente reduziu a periodicidade das compras de alimentos. Mas o presidente da Nielsen Brasil destaca que essa mudança ainda está em curso: embora 50% dos brasileiros tenham o costume de ir ao supermercado mais de uma vez por semana, 30% ainda vão às compras só uma vez por mês.
A emergência de novos formatos de varejo, diz Ragasol, reflete necessidades distintas de compras: a de abastecimento e a de reposição. A primeira, que presume volumes maiores, tem o "atacarejo" (lojas como Assai e Atacadão) como principal vetor; a segunda é realizada nos supermercados de menor porte, que ganham a preferência pela proximidade.
Agora, o cliente pensa no tempo
Fatores como o aumento do trânsito nas grandes cidades e a diminuição do tamanho das famílias favoreceram as lojas de menor porte
A animadora cultural Flávia Bolaffi, de 43 anos, casada e com dois filhos, trocou as cansativas idas ao hipermercado pela comodidade de comprar no supermercado perto de casa. "No hipermercado eu me cansava demais e gastava demais também", disse ela, fazendo menção à oferta de outros itens, como brinquedos e roupas, que acabava comprando sem ter necessidade.
Também o representante comercial Douglas Salzman, de 36 anos e judeu ortodoxo, procura fazer compras com foco certo. Na sexta-feira passada, ele foi a um supermercado em busca de um produto específico: bebida de soja kosher. "Vim a este supermercado porque já morei aqui perto e sabia que esta loja vende produtos kosher", disse.
Já o bancário aposentado João Batista Fortuna, de 63 anos, mantém um comportamento típico de períodos de hiperinflação. Três vezes por semana percorre vários supermercados em busca de preço baixo. E diz que há muita diferença de preço de um mesmo produto entre as lojas. "Gasto R$ 1 mil por mês no supermercado, se não pesquisasse, desembolsaria R$ 1,3 mil."
A perda de importância dos hipermercados no varejo reflete as mudanças sociais que ocorreram no País nos últimos anos. "A cesta básica já não é mais o padrão de consumo", diz o presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), Sussumu Honda.
Com o aumento da renda, ele observa que as compras do dia a dia vão além do arroz e feijão e incluem produtos diferenciados, oferecidos por lojas menores de supermercados. Honda acrescenta que houve outras transformações: o tamanho das famílias diminuiu e o trânsito aumentou. "Antes, as lojas tinham um raio de ação de 10 km, hoje é de 1,5 km."
Essas mudanças têm reflexos diretos nos hábitos de compras que favorecem as lojas de supermercados em detrimento das de hipermercados. Hugues Godfroy, diretor comercial da Sara Lee Cafés, diz que 45% dos brasileiros hoje fazem compras de supermercado a pé ou de ônibus, o que torna mais viável ir a lojas menores.
Criado na França pelo Carrefour em 1963, o modelo de hipermercado já perdeu fatias de mercado em outras partes do mundo, afetado pela internet e pelas lojas de vizinhança, especialmente na Europa. "Não dá para dizer que o hipermercado vai acabar", diz Godfroy. Mas ele ressalta que a tendência é de que ocorram mudanças nesse formato de loja.
Honda, da Abras, observa que essa mudanças já vêm acontecendo, como a redução do tamanho das lojas e do números de caixas aberto ao público. Além disso, grandes redes, como Walmart e Extra, começam a aproveitar áreas antes destinadas a estacionamento para implantar lojas de atacarejo, misto de atacado com varejo, como Maxxi e Assaí, respectivamente.
Veículo: O Estado de S.Paulo