O consumidor Wanderson da Silva escolheu uma embalagem de iogurte "pague 5 e leve 6" na prateleira do supermercado por R$ 9,90. Ao chegar em casa, conferiu a nota e percebeu que havia pago R$ 12,95. Ligou reclamando e teve de voltar para buscar a diferença. Dias depois, aconteceu de novo.
Com a dentista Karin Fernandes foi diferente. Logo no caixa, percebeu que estava pagando mais do que prometia o desconto da barra de cereal. Reclamou com a atendente e teve a explicação: essa promoção não abrange todos os sabores.Ainda na prateleira, o motoboy Airton Andrade notou que, se considerasse o valor unitário da fralda apontado na promoção, pagaria menos do que o preço total que seria cobrado pelo pacote. Chamou o gerente, mas se queixa de ter sido maltratado.
O volume de reclamações semelhantes, de consumidores aborrecidos com problemas ligados às promoções nos supermercados, chegou a 8.550 casos no país no primeiro semestre, segundo levantamento do site de defesa do consumidor Reclame Aqui feito a pedido da Folha.
A elevação de 34% ante igual período de 2014 pode ser atribuída a um perfil mais atento do brasileiro com suas contas desde que a inflação alta veio corroer a renda."Esse problema é antigo, mas pode ser que agora o consumidor esteja mais questionador. Na crise, as pessoas ficam com comportamento diferente diante de situações que antes eram consideradas naturais", diz Diego Campo, diretor do Reclame Aqui.
Mas também é fato que a alta nas queixas ocorre em um momento de intensificação do uso de promoções por parte do varejo para estimular o consumo desaquecido.
A estratégia de "promocionar", segundo estudos do instituto Nielsen, ganhou força em meados de 2014. Considerando todas as marcas que registravam crescimento nas vendas no varejo ante o ano anterior, mais de 70% passaram a impulsionar seus resultados com ações de redução de preços.
Não é propriamente a demanda que está estimulando os gastos, e sim a reação dos varejistas, com a realização de promoções.Procurados, os supermercados afirmam que estão aprimorando o controle para reduzir as ocorrências.
Andrea Arantes, assessora-executiva do Procon São Paulo, afirma que os mais comuns são os casos de "leve 3 e pague 2" com valores enganosos ou anúncios de desconto em produtos cujos estoques são insuficientes."Às vezes, elevam o preço por período curto para depois anunciar que estão dando desconto, como na Black Friday [promoção que virou tradição em novembro]. É o famoso 'metade do dobro'. Isso tudo pode ser denunciado."
A dica, conta a consumidora Alessandra Napp, que também já foi enganada, é deixar os itens promocionais para serem contabilizados juntos no caixa. "Isso facilita as contas. É melhor ficar atento e reclamar na hora. Se deixar para voltar no dia seguinte, é mais burocracia para ter o dinheiro de volta." (Joana Cunha)
Desconto furado também aborrece britânicos
A preocupação de não cair em promoções furadas no supermercado não é privilégio do consumidor brasileiro.
No Reino Unido, o órgão regulador da concorrência está em pé de guerra com as redes de supermercados líderes para combater "práticas inadequadas que podem confundir ou enganar os consumidores".Após três meses de investigação, a entidade anunciou no mês passado uma série de recomendações para dar mais transparência às promoções no varejo.
Entre as medidas está a eliminação das táticas que criam uma falsa ilusão de economia para o consumidor, como as promoções "de/por" em que um produto é vendido com desconto por muito mais tempo do que o período do preço cheio, sendo esse superior ao que de fato vale o item, numa versão britânica do "metade do dobro".
No Brasil, quando os clientes reclamam de terem escolhido um item em promoção da prateleira e pago mais por ele no caixa, os varejistas costumam atribuir a ocorrência a uma falha pontual.
De acordo com o Procon-SP, é difícil explicar com exatidão qual motivo tem levado ao aumento das queixas neste ano: se é a maior conscientização dos consumidores com suas finanças diante da crise ou se a frequência das promoções furadas cresceu.
DESAFIOS DE EXECUÇÃO
Para a especialista em consumo Fatima Merlin, sócia da Connect Shopper, ainda existem "desafios de execução" que acabam provocando gargalos nas grandes ações promocionais."Quando o varejo desenha a campanha de promoção, existe um processo muito complexo para garantir que o preço anunciado seja praticado. Não é fácil operacionalizar. Precisa engajar bem os funcionários, os sistemas e as diferentes áreas da empresa", afirma.
Procurada, a Abras respondeu que as estratégias promocionais são de responsabilidade de cada supermercado.
O Grupo Pão de Açúcar, que reúne bandeiras como Pão de Açúcar e Extra, afirma que "vem intensificando suas práticas de controle e, entre as medidas adotadas, vale ressaltar as auditorias diárias com a conferência dos preços, o aprimoramento dos sistemas de tecnologia e o treinamento dos funcionários".
Já o Walmart afirmou que "não adota a prática de promoção" porque, segundo a empresa, tem preços competitivos todos os dias.
O Carrefour diz que suas ações são planejadas antecipadamente em parceria com fornecedores e, "para atender eventuais demandas, disponibiliza canais de relacionamento e equipes treinadas a fim de garantir a satisfação dos clientes". (Joana Cunha)
Veículo: Jornal Folha de S.Paulo