Quem analisa os resultados da Via Varejo nos últimos anos não se surpreende com o arrependimento da família Klein e o desejo de rever as condições da associação realizada com o Grupo Pão de Açúcar em meados de 2010. Conforme noticiado pelo Valor ontem, os antigos controladores da Casas Bahia têm interesse em voltar ao controle do negócio, ou desfazer-se de sua participação na companhia.
Os resultados da Via Varejo, que reúne as operações de Casas Bahia, Ponto Frio, Extra Eletro e metade da Nova Pontocom, até que vêm melhorando trimestre a trimestre, com vendas em alta e margens maiores. Mas o desempenho acumulado nos últimos anos está longe de ser atraente.
Não é o caso de apontar um sócio como culpado, já que a gestão é compartilhada. Mas se a companhia estivesse estourando de ganhar dinheiro, provavelmente os dois lados estariam satisfeitos.
Retorno sobre patrimônio líquido médio ficou em 3,4% em 2011 e atingiu 5,8% em 12 meses até junho
Depois do prejuízo de R$ 63 milhões em 2010, a Via Varejo (antiga Globex) voltou ao azul em 2011 e se manteve lucrativa no primeiro semestre deste ano. A margem líquida, porém, ficou abaixo de 0,5% nesses dois períodos.
Em números, a empresa tem receita anual acima de R$ 20 bilhões. Mas registra lucro inferior a R$ 100 milhões. A família Klein tem direito a pouco menos da metade desse lucro, já que possui 47% do capital (sem liquidez), além de aluguéis de lojas mantidas à época da fusão.
O segmento de varejo costuma apresentar margens reduzidas, mas quando se observa o retorno sobre patrimônio líquido médio, ele ficou em 3,4% em 2011 e atingiu 5,8% em 12 meses até junho. Essa rentabilidade pode ser comparada a uma taxa anualizada de 10,8% do CDI no mesmo período ou aos 7,25% ao ano da Selic atual.
Mesmo com a melhora recente na rentabilidade, isso significa dizer que os Klein teriam ganhado mais dinheiro se tivessem simplesmente vendido a Casas Bahia em 2010 e investido os recursos no mercado financeiro, ou até mesmo na caderneta de poupança.
Em termos de geração de caixa, os números tampouco são favoráveis até agora. Embora a Via Varejo tenha acumulado Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) de R$ 1,5 bilhão do início de 2011 a junho deste ano, o fluxo de caixa operacional foi negativo em R$ 774 no mesmo período, tendo como base as demonstrações financeiras. A diferença se explica especialmente pelo investimento em capital de giro.
Por ora, a perda de caixa tem sido coberta por aumento do endividamento. Em termos absolutos, e considerando o critério da empresa, que exclui um fundo de recebíveis de seu endividamento, a Via Varejo saiu de uma situação em que a posição de caixa superava os compromissos financeiros em R$ 306 milhões no fim de 2010 para uma dívida líquida de R$ 2,4 bilhões em junho.
Quando a dívida é comparada ao Ebitda de cerca de R$ 1,2 bilhão em 12 meses, a relação fica próxima de 2 vezes, nível considerado baixo. Mas como ressaltado acima, esse Ebitda não tem se convertido em geração de caixa efetiva.
Não bastasse os resultados operacionais ainda não satisfatórios, a Via Varejo também sofre com a ameaça de contingências ocultas que crescem a cada divulgação trimestral. Não é possível saber, entretanto, se os passivos potenciais que aparecem, na maior parte ainda não reconhecidos como provisão no balanço, vêm da própria Casas Bahia ou das operações contribuídas pelo GPA.
O Valor notou um crescimento expressivo e contínuo do total de contingências fiscais, cíveis e trabalhistas classificadas como de perda possível. A empresa não precisa constituir provisão para essas disputas, sendo necessário apenas a divulgação dos valores envolvidos, quando é possível estimá-los.
Ao fim de junho deste ano, essas causas somavam R$ 835 milhões, contra menos de R$ 300 milhões ao fim de 2010.
Não é possível precisar a cifra em disputa em dezembro de 2010 porque a Via Varejo tem corrigido dados do passado quando apresenta novos balanços.
Quando divulgou o balanço de 2010, a empresa disse que os processos de perda possível somavam R$ 264 milhões. Ao divulgar os resultados do ano seguinte, informou que as contingências ao fim de 2011 somavam R$ 493 milhões e que, em dezembro do ano anterior, eram de R$ 293 milhões (acima, portanto, dos R$ 264 milhões divulgados um ano antes).
Agora em junho, ao relevar que as contingências de perda possível alcançaram a cifra de R$ 835 milhões, a empresa diz que, em dezembro de 2011, esses processos somavam R$ 750 milhões - valor bem superior aos R$ 493 milhões divulgados na versão anterior.
O Valor também identificou que, quando apresentou seu balanço de 2011, a Via Varejo corrigiu o demonstrativo referente ao ano anterior e aumentou a provisão para perdas com contingências judiciais em R$ 44 milhões.
Na primeira versão do balanço, apresentada no início de 2011, essa conta do passivo somava R$ 109 milhões ao fim de dezembro de 2010. Um ano depois, o saldo do ano anterior divulgado para comparação subiu para R$ 153 milhões. Como contrapartida, foi elevada a conta de depósitos judiciais, no ativo, no mesmo montante de R$ 44 milhões. Nada transitou pelo resultado.
Nas notas explicativas do balanço de 2011, a Via Varejo disse, genericamente, que tinha feito reclassificações no balanço de 2010. Mas não detalhou quais eram, nem os motivos.
A diferença de R$ 44 milhões pode não ser significativa quando se olha o tamanho do ativo da empresa ao fim de 2010, que somava R$ 9,8 bilhões.
Mas é representativa tendo em conta o resultado líquido apurado no exercício de 2010, que foi negativo em R$ 65 milhões.
Procurada, a empresa não esclareceu o motivo da correção na conta de provisões, nem explicou o aumento nas contingências de perda possível, que quase triplicaram em um ano e meio. A companhia apenas enviou nota dizendo que "tem suas demonstrações financeiras preparadas de acordo com as regras e normas contábeis, sendo essas demonstrações auditadas pela Ernst & Young Terco".
Veículo: Valor Econômico