Está por escrito, para não restar dúvida. O Casino não aceitará passivamente que Abilio Diniz, presidente do conselho de administração do Grupo Pão de Açúcar (GPA), assuma uma posição no conselho da companhia de alimentos BRF.
"Voto para requerer que o Sr. Abilio Diniz, caso venha a ser apontado para o conselho de administração da BRF ou venha a manter interesse ou posição de influência relevante naquela companhia, renuncie imediatamente ao cargo" em GPA. Esse foi o voto de Arnaud Strasser, membro do Casino na Wilkes Participações, holding controladora da varejista onde estão apenas Casino e Abilio, em reunião da holding realizada ontem à tarde.
Casino quer que Abilio adote uma posição clara antes mesmo de sua indicação oficial na BRF. Abilio disse que não havia nada relevante a ser informado ontem. Observou que a BRF não é concorrente, mas fornecedora, e uma eventual indicação sua não teria impacto no GPA. Abilio tem dito aos mais próximos que não vai cair no "jogo de pressão" dos franceses. Para tornar evidente isso, em sua manifestação de voto ontem, ele disse que gostaria de deixar claro que o Casino estava "gerando fatos" na mídia para causar tumulto.
Conforme o Valor apurou, o empresário tem aplicado perto de R$ 1 bilhão em ações da empresa e deve ser indicado à presidência do conselho da empresa de alimentos, com apoio da gestora de recursos Tarpon e da fundação Previ, dos funcionários do Banco do Brasil.
O Casino espera conseguir que Abilio ou se afaste do conselho de administração de GPA ou se sinta pressionado a retomar as negociações para antecipar sua saída da varejista com a venda de suas ações ordinárias. Ele tem cerca de 19 milhões de ações votantes, ou 20% dessa espécie, que a preços de mercado valem pouco mais de R$ 1,7 bilhão - considerando a cotação das preferenciais, as únicas com liquidez na bolsa.
O sócio francês tem 80% do poder de voto em GPA. Em tese, teria condições de destituir Abilio. Ocorre que o acordo de acionistas de 2006 determina que o empresário fica na presidência do conselho enquanto tiver saúde para tanto e a varejista apresentar resultados positivos. Tirar Abilio do conselho, portanto, seria romper o acordo, que só tem restrições explícitas para atuação em concorrentes de GPA. Os sócios teriam de partir, portanto, para um novo patamar de briga, pela via judicial, com uso de liminares.
Na visão do Casino, conforme íntegra do voto antecipada ontem no Valor PRO, serviço de notícias em tempo real do Valor, a participação de Abilio na BRF colocaria GPA "em situação desconfortável no seu mercado de atuação, criando problemas de interlocução com demais fornecedores relevantes dos produtos também fornecidos por BRF". Para Abilio, isso não existe. Pelas contas de pessoas próximas a ele, a BRF responde por menos de 10% da receita do GPA.
"Eu não vou negar a possibilidade de ir para a BRF. Mas vou me limitar ao que existe hoje", disse Abilio, após cerca de 40 minutos de reunião e diversas perguntas a esse respeito feitas por Strasser. Abilio manteve-se controlado quando questionado sobre seus planos na BRF. Ressaltou que não deve explicações sobre sua vida privada e que continuará defendendo os interesses do GPA.
Em seu voto, o empresário ressalta que "nada de relevante há a ser discutido quando se tem verdadeiramente em conta o interesse de Wilkes e de CBD. A BRF não é concorrente, mas uma das fornecedores", disse. "Assim, minha eventual indicação e eleição para o compor o conselho de administração certamente não terá nenhuma capacidade de causar impacto no exercício das atividades" de GPA.
Abilio indicou Claudio Galeazzi e Luiz Fernando Figueiredo para duas posições que tem no conselho de GPA, atualmente ocupadas por seu filho Pedro Paulo Diniz e sua mulher, Geyze Diniz. Os nomes foram aprovados, mas o Casino observou, em seu voto, que o preocupava o fato de Galeazzi ter exercido papel de liderança "na oferta hostil realizada em agressão à CBD", numa referência à tentativa frustrada, de Abilio, de comprar o Carrefour.
Ao final da reunião, Arnaud passou a questionar Abilio sobre outro tema: a hipótese do sócio brasileiro indicar executivos da Via Varejo, empresa do GPA, para a BRF. O tema não estava na pauta. O sócio brasileiro disse que não faria comentários a respeito. Arnaud voltou a questioná-lo por considerar que isso iria contra a ideia de defender os direitos de GPA. Abilio disse que "não entraria nessa discussão" e encaminhou o encerramento da reunião. O Valor apurou que, até o momento, as conversas sobre a BRF entre Tarpon, Previ e Abilio seguem normalmente.
Veículo: Valor Econômico