Entrevista Enéas Pestana

Leia em 5min 30s

Pequenas redes preocupam mais que gigantes do varejo

Presidente do pão de açúcar quer dar mais poder aos gerentes dos supermercados

É com os pequenos, e não com os rivais Carrefour e Walmart, que está preocupado o maior grupo de supermercados da América Latina.

"Competir com uma grande cadeia, que enfrenta as mesmas dificuldades, a gente sabe. A questão é: como se faz para competir com o pequeno? Em que o dono conhece o cliente pelo nome?", questiona Enéas Pestana, presidente do Pão de Açúcar.

A saída encontrada é dar autonomia aos gerentes locais e regionais que cuidam dos 1.902 pontos de venda do grupo espalhados por 19 Estados e Distrito Federal.

Em meio à disputa entre os sócios do grupo -o francês Casino, controlador da companhia, e o empresário brasileiro Abilio Diniz, segundo maior acionista e presidente vitalício do conselho-, Enéas diz que o importante é manter o foco nos negócios. "Quem me remunera é o Grupo Pão de Açúcar."

Nem a disputa dos sócios nem a inflação têm afetado a varejista, que, no primeiro trimestre, viu seu lucro subir quase 70% e alcançar R$ 275 milhões. A seguir, trechos da entrevista concedida à Folha.

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Folha - A inflação tem impacto para os negócios da rede?

Enéas Pestana - A pressão inflacionária foi mais [concentrada] na linha branca, no começo do ano, e na parte dos alimentos. Mas nosso papel é não aceitar o repasse que, muitas vezes, a indústria ou o produtor querem fazer. Na linha branca, teve um pequeno ajuste e acabou. Nos alimentos, [foi] por falta de produto, problemas climáticos e sazonalidade.

Essa pressão afeta a forma de comprar do consumidor? Ele voltou a fazer compra do mês?

Não existe mais esse consumidor que estoca. Não sentimos que ele está assustado com inflação e estocando.

Quem comprava no Assaí [atacarejo, mistura de atacado e varejo, do grupo] vai continuar comprando por causa de promoções e preço.

Esse formato atinge o pequeno comerciante, o empreendedor, o vendedor de hot dog, o revendedor que tem uma pequena mercearia, além do cliente final que faz a compra do mês de material de limpeza e de alguns outros produtos.

O atacado ganha espaço porque é muito aguerrido em preço, mas não oferece serviço algum, nem tem sacolinha. Mas aceitamos cartão, e o concorrente não.

Dos R$ 2 bilhões de investimento previstos, o atacarejo é uma das prioridades?

Cerca de 70% são para novas lojas (todas as bandeiras), com foco no Nordeste, no Centro-Oeste e no Sudeste. São dois os formatos em que estamos investindo mais: o Assaí e o Minimercado Extra. Não porque a gente acredita mais [neles], mas por ser o momento. Compramos o Assaí em outubro de 2007, quando ele faturava R$ 1,2 bilhão. Neste ano, deve passar de R$ 5 bilhões. O Assaí vai dobrar a presença neste ano, de 7 para 14 Estados.

Também há oportunidades de expansão no interior de São Paulo, na Baixada Santista. No Rio, há espaço para o Pão de Açúcar em áreas mais nobres.

No Norte, vamos mais devagar, queremos acompanhar melhor o crescimento. E, no Sul, não devemos ampliar, é um mercado mais difícil, onde os supermercados regionais têm mais força.

Essa é a maior concorrência?

As grandes redes -Walmart e Carrefour- têm os mesmos problemas que a gente. Mas, nas microrregiões, o "player" local dá um trabalho danado. São os maiores concorrentes. Em Natal, há o Nordestão, com oito lojas. A loja copia tudo o que o grande faz e pode até dar uma melhorada.

Mas eles não têm o poder de fogo das grandes redes...

Mas têm para tomar dinheiro para fazer uma nova loja. A maior vantagem é que o dono está lá, no chão de loja, operando, decidindo. Conhece o cliente pelo nome, o gerente. Se quebrar uma lâmpada, manda trocar e resolve tudo na hora. Ele está lá.

Como concorrer com eles?

É dando autonomia para o gerente e para as pessoas que estão na ponta, lidando com os clientes. Se a pessoa que estiver lá tiver de me telefonar, passar por todo um processo de aprovação, toda vez que tiver de trocar uma lâmpada, isso vai afetar o cliente. Um dos maiores desafios é ter essa agilidade dos pequenos.

O caminho é descentralizar?

Descentralização com responsabilidade, limites e controle. É assim que tem de ser.

Como conduzir uma rede com 151 mil funcionários e quase 2.000 pontos de venda?

Parece simples: você vai lá, compra a mercadoria, vende, arrecada um dinheirinho, paga o fornecedor e pronto.

O varejo é loja a loja. Quando se discute resultado, cada microrregião tem um concorrente, hábitos de consumo e especificidades diferentes.

E não precisa nem comparar São Paulo com Natal. A loja da praça Panamericana e a da zona leste são totalmente diferentes, desde a exposição de um produto até o layout.

A companhia passou por reestruturações. Foi preciso dar um recado de que os negócios estavam indo bem?

As reorganizações são necessárias por diferentes motivos. No caso da Via Varejo (Casas Bahia, Ponto Frio e vendas on-line), o foco foi aumentar a lucratividade, reduzir as despesas operacionais.

Não dá para esperar cair a lucratividade para reduzir despesa. A cada dois ou três anos faço questão de rever modelos, estruturas, para garantir agilidade. Uma companhia grande tende a ficar lenta. De tempos em tempos tem de voltar para o básico, não dá para inventar moda.

Como é comandar uma companhia em meio a uma disputa acirrada entre os sócios?

Quem me remunera é o grupo Pão de Açúcar, não sou remunerado pelos acionistas. Nem por um lado nem pelo outro. Trabalho focado nos interesses dessa companhia, e a minha orientação para o time, quase uma exigência, é: foco no negócio.

Não afeta os negócios?

[A disputa] Ela existe. A gente lê nos jornais. As pessoas sabem, mas minha recomendação é: vamos focar no trabalho. A gente tem seguido assim e tem funcionado. Fazemos reuniões semanais de resultados, negócio a negócio. Verificamos como as lojas estão em cada região. Nem que a pessoa quisesse se distrair com outra coisa iria conseguir porque não dá tempo. Varejo é acordar cedinho e trabalhar como um louco para conseguir dar conta. Não tem complexidade, não é a Nasa, nem o Vale do Silício. É fazer o arroz com feijão, todo dia, o básico, com vontade de servir. Isso é o varejo.

E o clima da cozinha?

Não. Se você está focado no seu trabalho, na sua responsabilidade, certamente fará um excelente jantar.



Veículo: Folha de S.Paulo


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