A vida pode começar aos 76

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Entrevista com Abílio Diniz

Recém-saído do Pão de Açúcar depois de mais de uma década de briga com o sócio, o empresário estreia em novo ramo e, com um filho de 3 anos, se diz renascido.

Dos seus 76 anos de vida, Abilio Diniz passou 64 no Grupo Pão de Açúcar. Permaneceu lá desde a fundação do negócio por seu pai, em 1948 até o ano passado, quando entregou o comando acionário da maior rede varejista brasileira ao grupo francês Casino. Jean-Charles Naouri seu controlador, é seu arqui-inimigo há treze anos. Abilio porém, não quer mais saber de briga. Quer paz para se dedicar à família (com a atual mulher 35 anos mais nova tem dois filhos pequenos), ao esporte e à BRF a maior produtora de carne processada do Brasil, cujo conselho de administração ele preside desde março. Apesar da promessa de trégua, Naouri ainda não é uma página virada em sua vida. Nas mais de duas horas de entrevista, citou 22 vezes o rival, sempre pelo nome completo.

O senhor passou quase sessenta anos no comando do Pão de Açúcar. Foi difícil sair depois de tanto tempo?

Passei mesmo uma vida inteira lá dentro, mas quando eu encerro uma coisa, encerro de vez. Joguei futebol por trinta anos, era goleiro. No dia em que eu senti que estava tendo dificuldades, que não tinha o mesmo reflexo, nunca mais coloquei uma luva. Fui campeão brasileiro de polo a cavalo por nove anos. Uma vez em que joguei mal desci do cavalo arremessei os tacos e falei: "Nunca mais subo em um cavalo”. Eu tenho fazenda, meus filhos estão aprendendo a montar, mas nunca mais cavalguei. No Pão de Açúcar ainda não encerrei minha passagem, continuo lá dentro, no conselho de administração. Mas encerrei a fase na qual eu e o Pão de Açúcar nos confundíamos. Não vou ficar com processos nostálgicos.

O Casino afirma que o fato de o senhor ser presidente dos conselhos de administração do Pão de Açúcar e da BRF configura conflito de interesses. O senhor pretende abrir mão de algum desses cargos?

Não há conflito de interesses nenhum. Antes de dizer “sim" à BRF estudei muito e consultei gente que entende do assunto. Se tivesse algum conflito, ninguém precisaria me dizer, eu mesmo me recusaria a assumir. Mas o Jean-Charles Naouri (controlador do Casino) não tem pudor de mentir. Quando vi quem ele realmente era ficou claro que não podia mais continuar como sócio.

Por quê?

Porque somos pessoas completamente diferentes. Da mesma forma que água não se mistura com azeite, não me misturo com o Jean-Charles Naouri. Como não conseguia trabalhar com ele, pedi para sair. E aí nós negociamos por um ano até eu chegar à conclusão de que a negociação não era séria. Segui o contrato e passei o controle para o Casino, apesar de ele dizer que eu não queria passar. Dali em diante, meus direitos foram desrespeitados. Então, em dezembro do ano passado, abri um processo de arbitragem contra o Jean-Charles Naouri e disse: “Nesta encarnação eu não negocio mais com o senhor Naouri”. Ganhei um dinheiro danado para o grupo do senhor Jean-Charles Naouri — veja como o Pão de Açúcar tem crescido desde 1999. Mas fui negligente e até ingênuo por ter acreditado nele e não ter feito um contrato muito mais duro. Mas não vou processar o Jean-Charles Naouri, não quero mais conflito, só quero ter o direito de trabalhar. Vou continuar no grupo como presidente vitalício do conselho de administração e fazer o melhor pela companhia. Eu amo o Pão de Açúcar. Tenho lá dentro boa parte do meu patrimônio.

No Pão de Açúcar, o senhor sempre foi um empresário agressivo. Adquiriu concorrentes, como o Sé e o Sendas, e ampliou o ramo de atuação, comprando Ponto Frio e Casas Bahia. Agora, na BRF, pretende manter essa característica?

Pelo menos é essa a expectativa que os acionistas têm de mim. Não vou mudar meu estilo.

Quais as metas que o senhor pretende atingir na empresa?

Quando me veio essa ideia de ir para a BRF, pensei: estou do outro lado do balcão, sou reconhecidamente uma das pessoas que mais entendem de distribuição no mundo. Como é que eu vou agora para o lado da indústria? Antes de decidir, estudei profundamente a empresa e fiquei encantado com a complexidade de abater 7 milhões de frangos por dia, exportar para 130 países, ter 65% do mercado interno. A meta agora é aumentar a internacionalização e consolidar a liderança no Brasil. Eu ensino aos meus alunos que, no fundo, as empresas são todas iguais: gente e processo, processo e gente. Podem mudar o produto e a forma de atuar, mas o principal não muda. Por isso eu sei que não vou sentir tantas dificuldades na BRF.

O senhor é bilionário, bem-sucedido, tem filhos novos e uma mulher 35 anos mais jovem. Na sua situação, a maioria dos empresários está aposentada, mas o senhor continua na ativa. O que o move?

Estou com 76 anos e vivo a melhor fase da minha vida. Tenho toda essa experiência e um corpo e uma cabeça de 40 anos. O que me empolga é poder passar para as pessoas que se elas se cuidarem minimamente, terão chance de viver muito mais e com uma qualidade de vida muito maior. Não precisa fazer treinamento de atleta, como sempre fiz. Mas mexer o corpo, prestar atenção na alimentação. Não é necessário ser atleta para enfrentar desafios, basta se mexer um pouco para viver melhor. Também não me aposento porque tenho sede de aprender. Aprendo trabalhando com gente mais nova na BRF, dando aula na Fundação Getulio Vargas, com minha mulher e com meus filhos pequenos de 3 e 6 anos. Existe uma frase que vivo repetindo e que muita gente pensa que é marketing, mas eu a sigo de verdade: "Quero ser hoje melhor do que fui ontem e amanhã vou querer ser melhor do que sou hoje”.

Quantas horas por dia o senhor passa na academia?

Pelo menos duas horas. Não tenho corrido muito nem participado mais de maratonas, mas não passo um dia longe da academia. Não consigo.

Do que o senhor mais sente falta no Pão de Açúcar?

Ultimamente, passei a estudar o capitalismo consciente, que visa a algo além do lucro. Primeiro tem de ter lucro, porque, se não tiver, não tem empresa, não tem salário, não tem acionista, não tem presidente, não tem nada. As empresas que seguem essa linha buscam a felicidade, buscam despertar o orgulho de todos os que estão envolvidos nela — funcionários e clientes. Percebi que o Pão de Açúcar sempre foi um exemplo de capitalismo consciente. O slogan deixa isso claro: "Pão de Açúcar, lugar de gente feliz". É dessa alegria que eu sinto falta.

O senhor faz parte da Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade do governo federal, órgão comandado por seu amigo Jorge Gerdau. Ele já disse que considera “uma burrice” o governo ter 39 ministérios. O senhor concorda com essa avaliação?

Eu não só concordo como no começo do governo tive uma conversa com a presidente Dilma Rousseff e falei que 37 ministérios era uma loucura absoluta. E depois disso ela ainda criou mais dois. Eu sou gestor e não tenho capacidade de comandar 37 pessoas diretamente, não há nem mesa para tanta gente sentar. Um dos problemas mais sérios do Brasil é o sistema político. É preciso reestudar o financiamento de campanha para reduzir a corrupção. Sempre defendi as reformas tributária e fiscal mas hoje acho que é mais importante a reforma política.

Quantos ministérios seriam suficientes?

Um gestor não tem capacidade de comandar mais de doze pessoas. Há ministro que despacha com a presidente a cada três meses. Isso não é bom todo mundo precisa ter chefe e dar satisfação a ele. No governo, isso é impossível. O ideal seria que a presidente não tivesse mais de doze ministros. É lógico que a pesca é um tema importante, mas não precisa ser um ministério, poderia estar subordinada à agricultura. E como esse há dezenas de exemplos.

A incapacidade de execução do governo não assusta alguém que veio do varejo, que exige decisões com celeridade?

Claro que fico impressionado. Já tive essa impressão nos dez anos que passei em Brasília, na década de 80, no Conselho Monetário Nacional. Foi a minha década perdida. Trabalhei muito, mas não consegui obter nenhum resultado.

Por que o corte dos impostos da cesta básica promovido pelo governo não chegou aos consumidores?

Chegou, claro. Pode não parecer, mas chegou. Para os supermercados, por exemplo, a desoneração permitiu baixar o preço da carne. Os supermercados tinham dificuldade de competir com os açougues, que pagam impostos pelo Simples. Agora, a competição é mais igual, o que beneficia o consumidor. Mas, se o governo tira um imposto e os preços sobem por questões sazonais, não se nota a diferença, no entanto ela está lá e é muito importante. Sem essa medida a inflação teria sido muito maior. Outra coisa que também é positiva é a desoneração da folha de pagamento das empresas, o que produz um benefício social maravilhoso. Se você tem 100 ou 200 funcionários, paga o mesmo imposto. Isso é um estímulo para contratar. E o que este país mais precisa é criar empregos.

As vendas dos supermercados registraram um crescimento mais lento no último ano. Esse modelo econômico baseado principalmente no consumo ainda é sustentável?

Esse modelo que pôs 20 milhões de pessoas no mundo do consumo está com os dias contados. Não tem outra camada de 20 milhões de brasileiros para incluir. Esse modelo foi a locomotiva do governo Lula, foi muito importante para o país continuar a crescer depois da crise de 2008, mas não tem mais como sustentar a economia assim no governo Dilma. O país precisa de investimentos. O governo sabe disso, tem tomado medidas mas o resultado não vem no ritmo esperado. Houve problemas de marco regulatório dificuldades para dar um retorno adequado aos investidores. Sem retorno o empresário não entra, não vai fazer caridade.

A inflação ameaça os ganhos que o Brasil teve nas duas últimas décadas?

Não estou preocupado com a inflação. O governo tem mecanismos eficientes para controlá-la e ainda nem começou a utilizá-los. Estou preocupado é com o pessimismo das pessoas. Acho que o governo está cometendo um erro enorme de comunicação. Ele se comunica bem com as classes baixas. Os programas sociais fazem com que os mais pobres melhorem de vida. As pessoas têm emprego e o salário está aumentando. Da classe média para baixo, o governo se comunica bem. E para cima? E para os empresários? Uma série de coisas boas está sendo feita — a desoneração, a política de juros — e não se dá o devido valor a elas.

O senhor, que já foi vítima de seqüestro, defende a redução da maioridade penal? O que é preciso fazer para conter a criminalidade nas grandes cidades?

Deveria haver um estatuto para jovens de até 16 anos outro para os que têm de 16 a 18 e outro para aqueles de 18 a 21 anos. Eles estabeleceriam tratamento e punições diferentes — sendo que dos mais velhos, seria exigido mais responsabilidade. A violência é epidêmica, mas dá para enfrentá-la. Veja o exemplo do Rio de Janeiro. Eu tenho segurança desde que fui seqüestrado em 1989. Antes, eu achava que ninguém iria se meter comigo, mas os guerrilheiros (os sequestradores do empresário diziam agir em nome do MIR, grupo armado chileno dissolvido nos anos 90) se meteram e me levaram. Alguns anos atrás, meus seguranças morriam de medo de ir ao Rio. Isso mudou, o Rio está mais calmo do que São Paulo. Porque aqui não se faz o que tem de ser feito contra os criminosos. Faltam determinação e firmeza aqui da parte do governo.

O senhor é apontado como candidato a suceder Juvenal Juvêncio como presidente do São Paulo. Pretende disputar esse cargo?

Nem a pau, Juvenal. Se eu fosse entrar nesse ramo seria como diretor de futebol, para cuidar do time e não como presidente, que tem de cuidar de toda a parte social.



Veículo: Revista Veja


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