O executivo Michael Duke, CEO mundial do Walmart, fez uma visita ao Brasil no começo de maio. Ele veio conhecer pessoalmente a operação brasileira do Walmart.com, a divisão de comércio eletrônico da companhia. A visita do comandante da maior rede varejista do mundo, cujo faturamento global em 2012 foi de US$ 469,2 bilhões, já provocaria por si só uma grande agitação entre os funcionários. A expectativa era ainda maior porque Duke visitaria, pela primeira vez, o espaço projetado para sediar na América Latina o departamento digital da empresa, setor que passa há alguns meses por uma profunda reformulação em suas estratégias comerciais, tecnológicas, de distribuição e logística e tem recebido investimentos vultosos por parte da matriz.
Inaugurado em janeiro, o espaço ocupa uma área total de cinco mil metros quadrados, espalhados por cinco andares de um edifício comercial em Alphaville, no município de Barueri, na região metropolitana de São Paulo. Quem teve a missão de recepcionar Duke foi o executivo gaúcho Fernando Madeira, ex-diretor-geral do Terra, recrutado em setembro de 2012 para ser ser o presidente da operação latino-americana do Walmart.com. Sua contratação foi justamente para liderar o processo de reestruturação dessa divisão, que tem na entrega da nova sede sua face mais visível até o momento. Enquanto caminhava com Duke pelas dependências – multicoloridas e informais –, Madeira explicava ao chefe que a intenção da decoração era propiciar uma atmosfera jovem e descontraída.
Em outras palavras, um lugar com cara de internet. A inspiração veio de empresas digitais do Vale do Silício, como Google e Facebook, que apostam num ambiente leve e divertido para estimular a criatividade e a cooperação. Por sua experiência no Terra, do qual é dos fundadores, Madeira está acostumado ao estilo despojado do mundo digital. Tinha dúvidas, no entanto, da impressão de Duke, um executivo veterano de 64 anos, com vasta experiência no setor de varejo e um dos mais convencionais e conservadores do mercado, sobre aquilo tudo. Por isso Madeira começou por explicar que, para aliviar o estresse dos funcionários, a sede possui salas de videogame, mesa de sinuca, pingue-pongue ou até mesmo para um breve descanso durante o expediente.
“Como pode ver, aqui temos um espaço bem aconchegante, que chamamos de sala de descompressão”, dizia Madeira a Duke enquanto apontava para uma salinha escura e recheada de almofadas. O que ele não esperava era que, ao abrir a porta, houvesse justamente naquele momento um funcionário dormindo no chão. “É que, como o pessoal aqui trabalha muito, às vezes eles tiram um cochilinho para recuperar as energias”, disse Madeira, apreensivo com a possível reação do chefe. “Ótimo!”, afirmou Duke. “É desse clima descontraído da internet que precisamos.” Esse episódio ilustra bem o atual momento vivido pelo Walmart.com no Brasil e nos demais países da América Latina.
O ponto de partida da reestruturação comandada por Madeira foi a tentativa de desenvolver uma cultura digital no Walmart.com. “Estamos num momento de profunda transformação”, diz Madeira à Dinheiro. “E esse processo passa por criar uma cara de empresa digital em todos os aspectos.” A construção da nova sede é o ponto mais palpável da estratégia em andamento, mas as ações executadas por Madeira envolvem diversas áreas e uma série de novos projetos, como reforço de equipe, investimento em novos centros de distribuição e início da comercialização de produtos de marca própria e itens importados no site. O plano privilegia, ainda, o uso intensivo de novas tecnologias, como o Big Data, para entender melhor os desejos do consumidor e, assim, ampliar a visitação ao site e as vendas.
E os resultados no Brasil já começam a aparecer. Em setembro de 2012, o site do Walmart.com era o oitavo endereço de comércio eletrônico mais acessado do País. Em fevereiro, alcançou o primeiro lugar, com uma audiência ligeiramente superior à da então líder Americanas.com: foram 10,7 milhões de visitantes únicos no período, acima dos 10,3 milhões do principal concorrente, segundo dados da consultoria comScore obtidos com diferentes fontes do comércio eletrônico. De lá para cá, o Walmart.com estaria alternando a condição de líder com a Americanas.com. O aumento da audiência se converteu em retorno financeiro. Embora a empresa não revele esse tipo de informação, fontes do setor afirmam que o faturamento do Walmart.com em 2012 ultrapassou R$ 1 bilhão no Brasil, uma cifra acima da média de muitos dos principais concorrentes diretos.
Para apoiar a expansão, o Walmart.com decidiu resenhar sua estrutura de logística e distribuição. A divisão digital contará até o final do ano com mais um centro de distribuição. Localizado em Cajamar, na região metropolitana de São Paulo, será a quarta unidade de armazenamento do Walmart.com no Brasil – há um em Minas Gerais e outros dois em São Paulo. Até o final do primeiro semestre de 2014, outros dois entrarão em funcionamento. Os locais desses novos polos ainda não foram divulgados. “Nossa malha de distribuição atual abastece todo o Brasil, mas está baseada na região Sudeste”, afirma Flavio Dias, vice-presidente do Walmart.com no Brasil.
“Mas nessa nova fase da empresa, criaremos uma rede logística descentralizada e mais robusta.” A construção dos novos centros contará com a participação de engenheiros do Walmart.com dos EUA, cuja sede fica no Vale do Silício. “Os novos centros de distribuição não estão sendo construídos apenas para ampliar a capacidade de armazenamento”, afirma Madeira. “Eles serão fundamentais também para que coloquemos em prática, num futuro próximo, uma nova forma de pensar a estratégia de logística.” O executivo refere-se, por exemplo, à tentativa de descobrir maneiras mais eficientes para entregar os pedidos, encurtando o tempo de deslocamento ou até alterando o endereço de entrega rapidamente, caso o cliente peça.
Para entender do que se trata, pense numa compra feita pela internet. Hoje, o sistema funciona da seguinte forma: o usuário indica o local onde deseja receber a mercadoria; depois de concluída a transação, mudar o lugar de recebimento pode resultar em confusões no processo ou atrasos. O formato estudado pelo Walmart.com busca preparar o sistema de logística para permitir essa alteração de rota em questão de poucas horas. Como exemplo, imagine um cliente que solicitou o recebimento do produto em casa, no bairro paulistano de Perdizes. Pouco tempo depois, no entanto, ele muda de ideia e pretende recebê-lo num determinado restaurante da avenida Paulista, pois estará lá no momento em que a entrega deveria ser efetuada.
A intenção de Madeira é atender à vontade desse consumidor. “O que interessa é o produto chegar às mãos do cliente, não ao endereço”, afirma. A grande questão é que fazer isso não é nada fácil. Trata-se de uma mudança radical na estrutura de logística. Será que isso é possível? “Quem sabe? O Big Data vai nos responder”, diz Madeira. Ele se refere a uma nova modalidade de tecnologia, que analisa e extrai inteligência de uma grande massa de dados. Além do uso da tecnologia, um sistema como esse exigiria a criação de microcentros de distribuição espalhados pela cidade. “Com vários postos avançados, é possível contornar os problemas de mobilidade urbana.” A inspiração para esse modelo vem do Walmart.com da China.
Equipes de tecnologia da empresa lançaram um projeto-piloto no ano passado, na cidade de Shangai, que funciona exatamente dessa forma. “Ainda não sabemos bem como colocar esse projeto em prática aqui, mas temos de alcançar esse objetivo.” O reforço nas estratégias de logística certamente é fundamental para uma operação de comércio eletrônico alçar voos mais altos. Mas, como observa Madeira, esse plano é executado paralelamente a uma política agressiva de contratação de pessoal. No final do ano passado, três meses após a chegada do executivo à empresa, a operação brasileira do Walmart.com possuía 386 funcionários. Hoje são 625. O plano é alcançar 700 até o final do ano e dois mil até dezembro de 2014.
Mais que ampliar o quadro de funcionários, a intenção é atrair talentos com sólida formação acadêmica e profissional e experiência em empresas de internet e consumo. “O investimento em inovação é realizado juntamente com o reforço de equipe”, afirma Madeira. Entre os funcionários contratados nos últimos meses há muitos brasileiros – e também estrangeiros – que trabalharam no Exterior, em empresas como Apple, Philips, L’Oréal e Unilever. Do time de diretores e vice-presidentes, 53% possuem MBA, 40% cursaram pós-graduação ou especialização e 7% têm mestrado.
Um desses executivos é o brasileiro Marcelo Marer, vice-presidente de experiência com o usuário do Walmart.com na América Latina. Na empresa há pouco mais de um mês, ele foi repatriado depois de 25 anos de trabalho nos EUA, onde passou por companhias como BBC e a agência digital Razorfish, além da Intel, seu emprego anterior. Sua ida para o mercado americano se deu graças a uma bolsa para cursar mestrado em filosofia para crianças na universidade Montclair, em Nova Jersey. Depois, Marer estudou linguística, filosofia e história da arte na Columbia University e na City University of New York.
“Uma de minhas missões aqui é entender melhor o que o consumidor deseja e melhorar o relacionamento da empresa com ele”, afirma. A bagagem de profissionais como Marer, que já passaram por companhias de tecnologia, é uma das armas do Walmart.com para se aproveitar da familiaridade do usuário com a web. “Os brasileiros são amantes da tecnologia e têm uma média de uso da internet superior à mundial”, afirmou à Dinheiro Neil Ashe, presidente e CEO de comércio eletrônico global do Walmart. Para ele, a operação brasileira dá a oportunidade de estar perto de novas tendências de consumo. “Isso nos ajudará a impulsionar a inovação em nível global”, diz.
Veículo: Istoé Dinheiro