Sozinhos, franceses do Casino terão de conquistar confiança dos empresários, dos acionistas e de autoridades
"Um transatlântico que navega por águas tranquilas." Foi assim que o empresário Abilio Diniz descreveu o Pão de Açúcar, empresa criada por seu pai há 65 anos, que começa hoje uma fase sem sua sombra e credibilidade.
Na verdade, a maior varejista brasileira enfrentará águas bem turbulentas: a concorrência com as pequenas redes (o maior desafio, segundo o presidente, Enéas Pestana); a negociação com fornecedores tão poderosos quanto a BRF (dona das marcas Sadia e Perdigão, que terá Abilio no leme); a inflação, que dificulta o repasse aos preços; além das mudanças nos hábitos, que pedem praticidade e fim do desperdício.
Com trânsito no governo (tanto petista como tucano) e com respeito do mercado financeiro, Abilio foi a cara e a principal antena da varejista a esses e a outros desafios.
Atleta, empreendedor, religioso (é devoto de Santa Rita), Abilio sofreu --foi sequestrado em 1989-- e comemorou vitórias em público.
O estilo do empresário é o oposto do dos franceses do Casino, que são discretos e quase invisíveis. São poucos os relatos sobre a vida de Jean-Charles Naouri, presidente da companhia, e de Arnaud Strasser, principal homem do grupo no país.
Atento a isso, o Casino jamais desprezou a força da equipe do empresário. Nos demais países em que atua, é praxe do grupo operar segundo a bandeira e os costumes locais. Na América Latina, está no Uruguai, na Argentina e na Colômbia --países que, junto do Brasil, poderão formar uma subsidiária latino-americana nos moldes da Latam --união de LAN e TAM.
Há dúvidas sobre a nova composição do conselho de administração, que fora montado como campo de batalha dos dois grupos. Sem a disputa, os nomes serão outros para definir as estratégias.
Surpreendentemente, a empresa conseguiu se manter à parte da disputa societária. Executivos relatam que, apesar das diferenças, na hora de fazer negócio tanto Abilio quanto os franceses tinham como denominador comum maximizar os lucros.
ALIANÇAS
Abilio formou um império afastando primeiro os irmãos, depois fechando alianças estratégicas (como a com o Casino) e, finalmente, comprando redes rivais.
Em 2005, quando vendeu o controle do Pão de Açúcar, a varejista e o Brasil eram outros. À época, o negócio foi considerado bom para o empresário, que recebera US$ 881 milhões prometendo passar o comando aos franceses no então distante 2012.
Sete anos depois, cumpriu o contrato, mas entregou uma empresa quatro vezes maior, incluindo Ponto Frio e Casas Bahia. As vendas, que somavam R$ 13,4 bilhões em 2005, saltaram para R$ 50 bilhões em 2012. O valor de mercado passou de R$ 8,7 bilhões para R$ 23,8 bilhões e as ações preferenciais, de R$ 35,90 para R$ 98,62.
Um ano antes de passar o bastão, o empresário provocou a ira dos franceses ao propor a fusão no Brasil com o arquirrival Carrefour, com o apoio do BNDES, num desenho em que os franceses ficariam em papel secundário. "Não me arrependo de nada do que fiz. Só do que não fiz", disse Abilio, 76, ao anunciar na sexta que deixaria o conselho da empresa.
veículo: Folha de S. Paulo