O pacificador de empresas: William Ury sela acordo de paz entre Abilio Diniz e Jean-Charles Naouri

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Quem é e o que pensa o professor de Harvard e antropólogo americano William Ury, que selou em apenas quatro dias a paz entre Abilio Diniz e Jean-Charles Naouri, no Pão de Açúcar

Era um típico clima de fim de verão em Paris no dia 2 de setembro, com tempo nublado e temperatura amena, com máxima de 24 graus centígrados. Naquela tarde, reuniram-se em um restaurante em Paris o professor de Harvard e antropólogo americano William Ury e o banqueiro francês David de Rothschild, amigo e mentor de Jean-Charles Naouri, CEO do grupo Casino, que controla o Pão de Açúcar no Brasil. “Por que você me procurou?”, perguntou Rothschild a Ury. A resposta que ouviu foi desconcertante. “Porque a vida é muito curta”, disse Ury. E prosseguiu. “A vida é curta em razão desses conflitos destrutivos que afetam a todos, incluindo familiares e empregados.”
 
Quebrado o gelo, Ury, que era enviado do empresário Abilio Diniz, sugeriu que negociassem um acordo baseado nos princípios da liberdade e da dignidade. Rothschild concordou que era a hora de botar fim àquela briga societária, que já durava dois anos e meio, desde que Diniz tentou a frustrada fusão do Pão de Açúcar com o Carrefour, arquirrival do Casino, em 2011. A manobra fora considerada uma traição por Naouri. Quatro dias depois dessa conversa, Ury fez jus à sua fama de pacificador de empresas. Como mostra a foto ao lado, Diniz e Naouri estão sentados em uma sala no escritório Catelan Rodrigues Sociedade de Advogados, em São Paulo, assinando o acordo que dá fim a uma parceria que começou em 1999.
 
Os termos são de uma simplicidade espantosa: apenas sete itens descritos em duas páginas. De forma geral, Diniz troca suas ações ordinárias por preferenciais, sem direito a voto, e renuncia à presidência do conselho de admi­nis­tração do Pão de Açúcar. Naouri, por sua vez, abriu mão da cláusula de não competição de parte de Diniz. Os dois encerraram também os procedimentos arbitrais em curso. “Foi uma surpresa para muitos, mas ambos ficaram felizes com o resultado que levou ao fim da parceria com elegância”, disse Ury, com exclusividade à DINHEIRO (leia a entrevista ao final da reportagem). Por trás desse acordo está o gênio de Ury, considerado um dos mais talentosos negociadores de sua geração.
 
Com 60 anos, comemorados na quinta-feira 12, no Brasil, quando entrou em férias com sua mulher brasileira, ele é o diretor e cofundador do consagrado curso Global Negociation Project, da Universidade Harvard. Nos últimos 35 anos, Ury esteve envolvido nas mais difíceis negociações ao redor do mundo. Pense em algum conflito global nas últimas três décadas. É muito provável que Ury tenha sido convocado por um dos lados como mediador para apaziguar os ânimos e chegar a um acordo. Ele estava presente em negociações como a do conflito Rússia e Chechênia. Esteve envolvido ainda nas negociações de paz entre o Exército Revolucionário Irlandês (IRA) e a Inglaterra.
 
Atuou também na crise entre o presidente venezuelano Hugo Chávez e a oposição que queria apeá-lo do poder. Atualmente, negocia um acordo de paz entre o grupo guerrilheiro Farc e o governo colombiano. No âmbito empresarial, é também figura atuante para resolver conflitos de negócios, embora seja discreto ao falar desses assuntos que envolvem empresas. Por esses motivos, Ury não só é requisitado como mediador como também é um palestrante bem-sucedido. Suas apresentações chegam a custar até US$ 100 mil. O livro Como chegar ao sim, escrito por Ury em conjunto com Roger Fisher e Bruce Patton, já vendeu 8,5 milhões de cópias, foi traduzido em mais de 30 línguas e é vendido em mais 140 países desde que foi lançado, em 1981.
 
Em um café da manhã no qual apresentava um projeto, Ury presenteou o megainvestidor Warren Buffett com o seu livro. O mago de Omaha pegou o exemplar, leu o título e retrucou: “Não entendo seu livro Como chegar ao sim”. “Meu trabalho é justamente o contrário. Olho centenas de empresas e projetos e digo não, não, não, não, não, até encontrar exatamente o que quero.” E concluiu. “Só aí, finalmente, digo sim.” O que o livro ensina é uma técnica de negociação extremamente simples. Primeiro, Ury separa as pessoas do problema. Ele também foca as conversas em interesses, em vez de posições. O objetivo é construir um consenso em que todos ganham. Por fim, sempre usa critérios objetivos.

 
No caso da negociação entre Diniz e Naouri, o ponto central era a liberdade. Ambos queriam ser livres para tocar seus projetos sem precisar prestar contas um para o outro. Nascido em Chicago, mas criado em São Francisco, na Califórnia, Ury estudou na Suíça durante sua adolescência. É formado em antropologia pela Universidade de Yale e pós-graduado em Harvard. Atualmente, mora em uma casa em meio às montanhas de Boulder, no Colorado. Mas passa mais tempo viajando do que em sua terra natal, com seus três filhos. Visita com frequência o Oriente Médio, não por acaso um dos lugares com mais conflitos no mundo – muitos deles considerados insolúveis. Não para Ury.
 
Para ele, a solução para acabar com as brigas milenares nessa região passa pelo turismo. Em 2004, ele criou o Caminho de Abraão, uma rota cultural através da região inspirada no Caminho de Santiago de Com­postela, na Espanha. Até agora, os parceiros do projeto já abriram 400 quilômetros de caminho na Turquia, na Jordânia, em Israel e na Palestina. “A questão talvez não seja se é preciso ter paz para se ter turismo”, diz Ury. “Mas se é preciso ter turismo para ajudar a promover a paz.” Grandes nomes de negócios apoiam essa empreitada de Ury.
 
São empresários do calibre de John Whitehead, ex-chairman do Goldman Sachs, e David Rockefeller Jr., da quarta geração da lendária família americana. No Brasil, o Caminho de Abraão reúne empresários como David Feffer, dono da Suzano, Salim Schahin, do grupo Schahin, e Alexandre Chade, do grupo Dotz. Curiosamente, foi essa iniciativa que aproximou Diniz de Ury. Sua filha, Ana Maria, faz parte do projeto e apresentou o pacificador ao pai em um jantar em maio deste ano. Logo depois ele foi contratado. Desde então, ele não só conquistou a confiança do empresário brasileiro como garantiu sua liberdade para alçar voos ainda mais altos em sua carreira, aos 76 anos de idade.

Klein também sai de cena
 
Fundador da Casas Bahia repassa para filho e netos papéis que detinha na holding Viavarejo

 
Prestes a completar 90 anos, em novembro deste ano, o empresário Samuel Klein não tem mais nenhuma ação da Viavarejo, holding controlada pelo grupo Pão de Açúcar e que é dona das marcas Casas Bahia, Ponto Frio e Nova Pontocom. O fundador da Casas Bahia e seu filho Michael detinham 47% da Viavarejo antes da negociação. Após a transação, Samuel não ficou com nenhum papel em seu nome. A fatia de Michael foi reduzida de 21,9% para 18%. As ações da Viavarejo foram redistribuídas para o grupo CB, que tem como procuradores Michael e sua filha e neta de Samuel, Natalie Klein.
 
 
Fazem parte do grupo a EK-VV Limited, que ficou com uma participação de 11%, a Altara RK Investments e Altara NK Investments, com fatia de 2,7% cada uma, e a Bahia VV NK Limited e a Bahia VV RK Limited, donas de 6,3% cada uma. No total,uma família mantém os 47% da holding de eletroeletrônicos. Samuel não ocupava nenhum cargo executivo na Viavarejo. O empresário, nascido em Lublin, na Polônia, imigrou para o Brasil na década de 1950. Instalou-se em São Caetano do Sul, na região do ABC paulista, e fundou a Casas Bahia, cujo nome homenageava os migrantes nordestinos e principais clientes de sua loja.
 
Antes que a classe C se tornasse um fenômeno de consumo, a Casas Bahia já sabia como atender esse público: financiamentos de longo prazo, prestações baixas e carnês que eram pagos nas próprias lojas. Com isso, transformou-se na maior rede de eletroeletrônicos do País. Em dezembro de 2009, a família Klein associou-se com o grupo Pão de Açúcar, controlado pelo empresário Abilio Diniz. Foi o início de um relacionamento conflituoso, que levou à revisão do acordo inicial seis meses depois do primeiro acerto. A companhia agora se prepara para uma oferta de ações, que pode acontecer no fim deste ano ou no primeiro trimestre de 2014.
 
 
“Minha função era ajudar as pessoas a se manterem calmas e focadas no resultado”
 
O antropólogo William Ury fala com exclusividade sobre como selou a paz entre Abilio Diniz e Jean-Charles Naouri e como deve agir um bom negociador:
 
 
Os empresários Abilio Diniz e Jean-Charles Naouri brigaram por quase três anos. Qual foi o seu truque para negociar um acordo tão rápido?
Neste conflito, todos estavam sofrendo perdas: Abilio Diniz e Jean-Charles Naouri, o pessoal do Pão de Açúcar e até mesmo as relações comerciais entre Brasil e França. O nosso objetivo era transformar essa relação perde-perde em uma situação ganha-ganha. A estratégia básica foi olhar para além das posições contrárias para entender os interesses em comum. Nesse caso, liberdade e dignidade. Os dois empresários queriam liberdade para perseguir seus sonhos e projetos sem interferências. Quando o representante de Naouri nessa negociação, o barão David de Rothschild, perguntou por que eu estava lá para encontrá-lo, simplesmente respondi: “Porque a vida é muito curta.” Disse a ele que a vida é curta em razão desses conflitos destrutivos que afetam a todos, incluindo familiares e empregados. Ele concordou. Então, propus que procurássemos uma separação baseada nos princípios da liberdade e da dignidade, na qual permitiria que cada um deles seguisse seus projetos. Uma vez que concordamos com esses princípios, não demorou muito para chegarmos a uma fórmula benéfica para ambos. Foi uma surpresa para muitos, mas os dois lados ficaram felizes com o resultado que levou ao fim da parceria com elegância.
 
O sr. imaginava que a negociação seria tão rápida?
Nossa estratégia foi fazer um acordo simples sem idas e vindas na negociação. Se estudarmos o acordo, veremos que ele é muito simples: uma troca de ações com direito a voto em papéis sem direito a voto, que podem ser vendidos no mercado. Ele acaba também com a cláusula de não competição e encerra todas as arbitragens e litígios. Foi muito importante chegar a um acordo rapidamente antes de a arbitragem começar. A arbitragem poderia tornar a animosidade entre ambos ainda pior e o conflito seria mais difícil de resolver. Esse prazo fez todos trabalharem de forma intensa por quatro dias. Durante esse rápido processo, seria fácil para as pessoas se perderem em detalhes ou ter reações emocionais. Então, uma das minhas principais funções era ajudar as pessoas a se manterem calmas e focadas no resultado. Em uma negociação, o paradoxo é que, se você quer ir rápido, é preciso fazer devagar. Como um amigo cirurgião gosta de dizer quando comanda cirurgias: “Devagar, estamos em uma emergência.”
 
Quantas pessoas estavam envolvidas na negociação?
Muito poucas. Abilio tinha um time incrível. Eu contava com o competente colega David Lax. O representante de Jean-Charles era o banqueiro francês David de Rothschild, seu velho amigo e mentor, que teve um papel muito construtivo.
 
Em que outros conflitos de negócios o sr. já esteve envolvido?
Um que me vem à mente é quando trabalhei para a Ford em um acordo com o sindicato. Naquele momento, uma greve era esperada. A questão mais difícil era a terceirização. O interesse da Ford era ter flexibilidade e habilidade para competir globalmente. O sindicato estava preocupado com a sua sobrevivência, caso a Ford terceirizasse os empregos para empresas sem representação sindical. Por trás disso tudo estava a falta de confiança. O sindicato não confiava na Ford e vice-versa. Juntos, conseguimos criar um número de ações concretas que cada lado poderia empreender para criar confiança. A Ford e o sindicato foram capazes de chegar a um acordo que permitia a terceirização, mas dentro de certos limites. A confiança foi construída, a greve revertida e os empregos foram preservados. Todos foram beneficiados.
 
 
O que é mais fácil: resolver conflitos de negócios ou negociar a paz na Chechênia?
Ambos são difíceis, é claro. Mas os conflitos na Chechênia são mais desafiantes para resolver, particularmente porque envolvem milhares de pessoas que morreram e também porque há frequentemente grupos dissidentes que vão sabotar o acordo por meio da violência. Outro conflito no qual estou trabalhando é no Oriente Médio, onde meus colegas brasileiros e eu estamos desenvolvendo o Caminho de Abraão, uma rota cultural através da região que é inspirada no Caminho de Santiago de Compostela. É um projeto de longo prazo, mas nossos parceiros já abriram 400 quilômetros de caminho na Turquia, na Jordânia, em Israel e na Palestina. O caminho cria desenvolvimento econômico e entendimento entre os povos, ajudando a construir os alicerces para a paz.
 
Quais os principais obstáculos que as pessoas enfrentam quando negociam um acordo?
Na minha experiência, o obstáculo mais comum para um acordo são as posições rígidas, emoções negativas de medo e de raiva, fortes insatisfações e a crença de que alguém vai ganhar à custa do outro. Perguntar “quem está ganhando a negociação” é como perguntar “quem está ganhando no casamento”? Uma questão melhor a fazer é: “Como vamos resolver esse problema juntos de uma forma que beneficie os dois lados?” O grande obstáculo para o sucesso de uma negociação não é o outro lado. A grande barreira está dentro de cada um de nós: o nosso instinto humano de reagir ou, em outras palavras, de agir impulsivamente, sem pensar. É chave em uma negociação focar rigorosamente no que é mais importante para nós. No caso de Abilio, por exemplo, era a liberdade.
 
O sr. pode dar um exemplo de um bom negociador e de um ruim?
Na minha visão, Nelson Mandela (ex-presidente da África do Sul, preso durante 27 anos pelo regime do apartheid) era um excelente negociador. Ele aprendeu a linguagem e a história de seus inimigos e negociou com eles com respeito e firmeza. Ele chegou à solução negociada de um conflito que muitas pessoas consideravam impossível de resolver. Um bom negociador é alguém que sabe ouvir e aprender. Um péssimo negociador é o oposto disso.
 
Seu mais recente livro aborda o “não positivo”. O sr. pode explicar isso?
Muitas pessoas têm medo de dizer não, apesar de ser uma das palavras mais importantes do vocabulário. Ela é essencial para o respeito mútuo, para a proteção e para a justiça. Podemos verdadeiramente dizer sim para o que é importante se dissermos não para o que é menos importante. Um “não negativo” não começa com um sim. Veja o exemplo de um empresário francês, chamado Jacques, que participou de um seminário meu em Harvard. Ele tinha uma empresa de internet, com centenas de engenheiros baseados em Seattle (EUA). Quando houve uma crise no mercado de ações das empresas de internet, ele tinha de demitir 500 engenheiros. Normalmente, um CEO passa esse trabalho para o diretor de recursos humanos. Mas Jacques insistiu em encontrar cada um dos 500 empregados. Ele entregou um “não positivo”, que começava com um sim. “Nesta crise econômica, para salvar a companhia que todos construímos, não tenho escolha a não ser deixar você e muitos outros irem. Sinto muito, mas não sou mais capaz de pagar o seu salário.” E finalizava com um sim. “Como posso ajudá-lo? Podemos escrever uma boa carta de recomendação? Podemos ajudar a encontrar outro emprego?” Dois anos depois, quando os investidores colocaram dinheiro novamente nas empresas de internet, as companhias voltaram a competir pelos melhores talentos. Adivinha quem foi o primeiro a contratá-los? Jacques. Todos queriam trabalhar para ele porque havia tratado seus funcionários com respeito. A chave para um “positivo não” é o respeito. É a concessão mais barata que você pode fazer em uma negociação. O respeito não custa nada, mas significa muito para o outro lado.
 
Quais são as palavras que você não deve dizer em uma negociação?
Ataques pessoais, apesar de tentadores, só tornam as coisas piores. O jogo de acusações mútuas não leva a lugar nenhum. Como diz um velho ditado: “Quando você está com raiva, fará o melhor discurso de sua vida do qual vai se arrepender.”
 


Veículo: Isto É Dinheiro


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