O executivo Ronaldo Iabrudi, presidente do grupo Pão de Açúcar, é dono de uma carreira eclética. Ele já atuou em empresas dos setores de telecomunicação, ferroviário, siderúrgico e de energia elétrica. No começo de 2014, Iabrudi estreou na área de varejo, assumindo a operação do maior grupo do País, com receita líquida de R$ 69,1 bilhões. Em seu primeiro ano, esse psicólogo de formação comemorou o maior lucro líquido da história da rede: R$ 1,2 bilhão. Mas, a partir daí, tudo mudou.
No ano passado, o grupo, que é controlado pelo francês Casino, teve prejuízo em dois trimestres consecutivos, na primeira vez que isso acontece em 17 anos. O resultado final, no entanto, apontou um lucro de R$ 251 milhões, uma queda de 80,2%. A operação de comércio eletrônico Cnova enfrenta processo de investidores dos EUA, onde abriu seu capital, e uma fraude em seus estoques que levaram a uma perda de R$ 177 milhões. A holding de eletroeletrônicos ViaVarejo, dona das marcas Casas Bahia e Ponto Frio, teve um lucro de R$ 3 milhões, uma queda de 99,7%. Além disso, fechou 40 lojas e terminou o ano com 13 mil pessoas a menos.
Uma parte considerável dessas dificuldades deve ser creditada aos efeitos da crise econômica do varejo. E, diga-se, os principais rivais do Pão de Açúcar não estão se saindo melhor neste cenário adverso (confira quadro na pág. 48). Mas esse tempo, na visão de Iabrudi, não foi perdido. O executivo acredita que aproveitou esse momento para reavaliar a operação. As palavras sinergia e corte de custos passaram à ordem do dia. “O ano passado permitiu fazer ajustes que, em um cenário normal, não faríamos”, disse o executivo, em entrevista à DINHEIRO.
Sem alarde, a companhia integrou os 56 centros de distribuição que tem pelo país. Agora, eles atendem a todos os negócios do grupo, o que reduz o custo do estoque. A área de tecnologia também foi unificada e os dois contratos que mantinha com a IBM se transformaram em apenas um. A área logística passou por um teste-piloto para unificar as entregas da Cnova e da ViaVarejo. Antes, caminhões diferentes faziam a entrega. Agora, apenas um levará as mercadorias dos dois negócios. Todas as compras também foram centralizadas. “Agora, é hora de aproveitar os ganhos”, diz Iabrudi.
Nem mesmo a ViaVarejo, cujas vendas encolheram 15% no ano passado, escapou das “reformas” de Iabrudi. Vários aluguéis foram renegociados. A empresa criou o conceito de loja dentro da loja, abrindo espaços exclusivos para a venda de celulares e móveis – o grupo é dono da Bartira, fábrica comprada da família Klein, sócia minoritária na holding de eletroeletrônico. Algumas lojas do Ponto Frio, de baixa rentabilidade, foram convertidas para a bandeira Casas Bahia. Essas medidas, que incluíram também o corte de pessoas e o fechamento de lojas, significaram uma economia de R$ 1 bilhão no ano passado. Embora não esteja nos planos, novas lojas podem ser fechadas neste ano, caso não ocorra uma reação das vendas.
A missão de Iabrudi, agora, é provar que a lição de casa do ano passado gerará resultado em 2016. Especialistas ouvidos pela DINHEIRO disseram que o Pão de Açúcar focou muito no trabalho da retaguarda e deixou de lado a melhoria da loja. “A alma do varejo é a experiência na loja”, diz uma fonte, que não quer se identificar. Em relatório, o banco Brasil Plural concorda com essa avaliação. “Em nossa visão, o grupo Pão de Açúcar tem sido mais eficiente em manter os custos sobre controle do que melhorar a vantagem competitiva de seus diversos formatos”, diz o texto assinado pelos analistas Guilherme Assis e Felipe Cassimiro, que citam como exceções o Assaí e as lojas de proximidade, como o Minuto Pão de Açúcar.
São exatamente esses dois formatos que receberão boa parte do R$ 1,5 bilhão de investimento projetado para 2016, um valor 25% menor do que o ano passado. As vendas do atacarejo Assaí, por exemplo, aumentaram 25% no ano passado, quando sua receita líquida chegou a R$ 10,4 bilhões. Em 24 meses, foram inauguradas 20 lojas. Neste ano, o objetivo é chegar a 10, incluindo a estreia em seis capitais (Manaus, Curitiba, Belém, Teresina, Aracaju e Salvador). O Minuto Pão de Açúcar também será prioritário, pois é mais rentável e o retorno é mais rápido, diz Iabrudi.
A questão é saber se essa estratégia conseguirá barrar o mau humor dos investidores com o Pão de Açúcar. Suas ações caíram 56,9% em 2015 e o valor de mercado encolheu R$ 15 bilhões. Hoje, sua capitalização está em R$ 12,7 bilhões. Nos últimos 30 dias, os papéis do Pão de Açúcar engataram uma recuperação e subiram 11,1%. Além disso, o Carrefour, no qual o ex-dono do Pão de Açúcar, Abilio Diniz, detém 12% da operação brasileira, está se saindo melhor. A rede francesa não só ultrapassou o grupo controlado pelo Casino na área alimentar, como também suas vendas crescem a uma velocidade maior. “O Carrefour conseguiu se recuperar depois de vários anos ruins”, diz outra fonte. “O que eu vejo é uma presença forte do time do Abilio na empresa.”
O CEO do Casino, Jean-Charles Naouri, desafeto de Diniz, é também uma figura ativa na gestão do Pão de Açúcar. DINHEIRO apurou que ele se envolve em quase tudo, se atendo a detalhes como a estratégia de preço. A briga de Naouri e Diniz agora é pela liderança do varejo brasileiro.
Veículo: Revista IstoÉ Dinheiro