O que a Nike aprendeu com o escândalo

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Plano para reduzir danos ao ambiente ajudou a líder em artigos esportivos a enfrentar crise grave

 

Hannah Jones, vice-presidente da Nike para Sustentabilidade e Inovação, em São Paulo: "Queremos triunfar na nova economia dos negócios sustentáveis""O escândalo de trabalho infantil da Nike foi algo muito bom que nos aconteceu. Ele nos despertou cedo". É assim, de pronto, que a vice-presidente global para Inovação e Negócios Sustentáveis da Nike toca no assunto mais espinhoso das quatro décadas de história do maior fabricante de artigos esportivos do mundo. Com olhos azuis atentos e um inconfundível sotaque britânico, Hannah Jones explica que ter estado na defesa foi um aprendizado. A Nike é hoje outra.

 

Referência mundial quando o assunto é inovação, essa gigante americana presente em todos os grandes mercados da Ásia e das Américas - e tudo o que há de importante no meio do caminho - tem trabalhado duro para tornar-se líder agora em sustentabilidade. Co-fundadora de organizações não governamentais para profissionalização no trabalho, como a Fair Labor Association, e membro do conselho de outras tantas, a Nike impôs aos seu seleto time de designers o desafio de inovar com o menor impacto ambiental possível.

 

O desperdício zero dentro de casa, meta que deverá ser atingida até 2050, será o ápice da correção de rumo iniciada já nos anos 90. De lá para cá, a empresa implementou projetos importantes. Uma de suas primeiras decisões foi abolir o uso do hexafluoreto de enxofre (SF6), um gás mais maléfico ao planeta que o dióxido de carbono (CO2), utilizado para o amortecimento a ar de seus tênis. A empresa o substituiu pelo nitrogênio.

 

Em outras iniciativas, a Nike desenvolveu uma borracha ecologicamente correta (com 96% a menos de toxinas), ampliou seu portfólio para cinco milhões de peças de vestuário feitas de poliéster reciclado e tornou-se a segunda maior consumidora mundial de algodão orgânico, atrás apenas do Walmart. Até 2050, espera que 100% de sua energia venha de fontes renováveis, suas emissões de gases-estufa sejam reduzidas em 80% e o refugo de sua produção seja completamente eliminado.

 

"Queremos triunfar na nova economia dos negócios sustentáveis. Precisamos quebrar barreiras para ganhar escala", disse Hannah, em recente visita à São Paulo.

 

Mas um novo conceito, como se sabe, nem sempre é absorvido de uma hora para outra. Presente em 160 países e com faturamento global de US$ 19 bilhões, a Nike observou que a consciência ambiental da empresa, relacionada a essa nova economia, não estava assimilada. Era preciso mudar a maneira como os produtos são pensados e concebidos, conta a executiva.

 

A saída foi criar um índice interno de impacto ambiental. Ao pensar um produto novo, o designer passou a adicionar em um programa disponível na intranet da empresa todos os insumos que utilizará para a confecção, incluindo químicos e o resíduo gerado. O programa processa as informações e gera uma nota. Produtos com impacto ambiental baixo recebem um ouro. Impacto alto, um bronze. Isso elevou a competição entre os designers, diz Hannah.

 

A inovação constante que leva à cobiça de seus produtos, associada a essa nova imagem da empresa, parecem ter tido reflexo no posicionamento da marca. Desde 2000, subiu do 34º lugar para o 25º neste ano no ranking da Interbrands, um dos mais conceituados do mundo. A alemã Adidas, sua principal concorrente, está na 62ª posição. Em nota, a consultoria afirmou que "a Nike continua focada em reverter a imagem das 'crianças trabalhando em condições precárias' através de governança corporativa" e lembrou que a empresa saiu relativamente ilesa do recente escândalo sexual envolvendo o jogador de golfe Tiger Woods, patrocinado pela marca.

 

"A Nike se reposicionou em outras áreas, como a sustentabilidade, já que a mancha dos escândalos trabalhistas se dissipou", avalia Dario Caldas, diretor do Observatório dos Sinais, consultoria de tendências e pesquisa de mercado.

 

Sem alarde, abriu centros de treinamento, no Vietnã e no Sri Lanka, para capacitar trabalhadores das plantas terceirizadas (ela não possui fábricas próprias). A empresa passou a monitorar mais atentamente não apenas a qualidade de seus produtos, mas condições de trabalho e salários melhores. Não tem sido fácil: a fabricante de artigos esportivos está associada a 600 fábricas, em 48 países, e a 800 mil trabalhadores que produzirão, só em tênis, 300 milhões de pares ao ano. Por isso, a Nike adotou o conceito de "parceiros estratégicos", que investem em pessoas.

 

O traçado mais cuidadoso dos seus negócios contribuiu para reverter a imagem da empresa. Para Alejandro Pinedo, diretor da Interbrands no Brasil, "de exemplo de 'como não fazer', ela passou a ser um caso citado de 'como fazer a coisa certa'". Pinedo trabalhou por sete anos no setor de marketing da Nike e viu de perto quando as acusações de trabalho infantil e em condições degradantes nas fábricas da Ásia explodiu, nos anos 90. "Foi um desastre de relações públicas", recorda. "Eles subestimaram o poder da opinião pública. Desde então, começaram a se mexer".

 

Agora, a política pró-ativa, de responsabilidade corporativa, começa a vir à tona. "Estão certos em seguir o 'be-do-say' (seja, faça e diga, em inglês). Se você não é, tudo o que fizer e falar vai ser muito falso", diz Pinedo.

 

Veículo: Valor Econômico


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