Um mundo livre dos resíduos de bens produzidos e consumidos por bilhões de pessoas é, certamente, um ideal para todos. A necessidade de transformação desse ideal em realidade vem, já há algum tempo, produzindo inúmeras iniciativas, em especial por parte dos governos, os quais, com a edição de leis, lançam-se à solução do difícil problema do lixo produzido, às montanhas, pela sociedade moderna.
No Brasil, após diversas normas criadas nas esferas estaduais e municipais, a recente Lei Federal nº 12.305, de 2010, estabeleceu entre nós a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Esforçando-se por colocar ordem na verdadeira panacéia de deveres que alguns Estados e municípios vinham, de forma desencontrada, colocando sobre os ombros de empresas e cidadãos, a Política Nacional de Resíduos Sólidos expõe-se como um conjunto de "princípios, objetivos e instrumentos, bem como as diretrizes relativas à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos, incluídos os perigosos, às responsabilidades dos geradores e do poder público e aos instrumentos econômicos aplicáveis". Ambiciona-se, assim, de forma harmônica, mas atenta às especificidades regionais, envolver todos os atores da cadeira produtiva, em todo o território nacional, no que se denomina de gestão integrada e de gerenciamento ambientalmente adequado dos resíduos sólidos.
Além de dispor uma série de obrigações à União, aos Estados e aos municípios, quanto aos instrumentos de realização da Política Nacional dos Resíduos Sólidos, a nova lei impõe também a um amplo leque de empresas públicas e privadas geradoras de resíduos, a elaboração de seus respectivos planos de gerenciamento de resíduos sólidos. Estão sujeitas à elaboração do aludido plano, com efeito, não só as empresas geradoras de resíduos perigosos, como, também, as que gerem resíduos industriais, de serviços de saúde, de mineração, de construção civil, de transportes e de atividades agrossilvopastoris. Além desses, todo e qualquer estabelecimento comercial e de prestação de serviços que gere resíduos que, por sua natureza, composição ou volume, não sejam equiparados aos resíduos domiciliares pelo poder público municipal.
Os encargos trazidos pela nova lei reclamam a atenção dos setores privados
Por sua vez, o conteúdo mínimo do plano de gerenciamento de resíduo sólido está estabelecido no artigo 21 da nova lei, compreendendo, dentre outros, o diagnóstico dos resíduos sólidos gerados ou administrados; a identificação de etapas e responsáveis pelo gerenciamento dos resíduos sólidos; as ações preventivas e corretivas a ser implementadas em caso de falhas no gerenciamento ou de acidentes; e, ainda, metas e procedimentos destinados à minimização da geração de resíduos sólidos.
Como forma de obrigar as empresas à efetiva elaboração de seus respectivos planos de gerenciamento de resíduos sólidos, a nova lei dispõe que tal plano integrará o rol de exigências a serem satisfeitas pelo interessado para a obtenção de seu licenciamento ambiental. Se a empresa não estiver sujeita ao licenciamento ambiental, é o poder público municipal que deverá aprovar o referido plano.
O que torna particularmente complexa a elaboração e implementação de aludido plano é que ele deverá atender, ainda, ao que vier a ser disposto no plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos, editado pelo município em que estiver localizada a fonte geradora dos resíduos - e, mesmo na hipótese de inexistir o plano municipal, deverá a empresa elaborar o seu respectivo plano de gerenciamento de resíduos sólidos. Além de atentar para a regulamentação que for criada na esfera municipal, o plano deverá atender, também, às normas que vierem a ser editadas pelos órgãos do Sistema Nacional do Meio Ambiente, do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária, estas aplicáveis a todas as empresas que se sujeitarem à fiscalização de tais órgãos.
Além do citado plano de gerenciamento de resíduos sólidos, outra inovação considerável trazida pela Lei nº 12.305, de 2010, é a instituição da chamada responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, que engloba não só fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de produtos, como, também, os consumidores e os titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos. Não obstante, é sobre os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de produtos que recai a maior parcela de encargos.
De fato, pela nova lei, os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes passam a ser legalmente obrigados a investir no desenvolvimento, fabricação e comercialização de produtos "ambientalmente responsáveis". Isto é, que sejam aptos à reutilização ou à reciclagem, que gerem o menor volume possível de resíduos. Devem, também, responder pelo recolhimento dos produtos e dos resíduos remanescentes após o uso. No caso de agrotóxicos, pilhas e baterias, pneus, óleos lubrificantes, lâmpadas fluorescentes e produtos eletrônicos, deverão ser elaborados e implementados sistemas de logística reversa, com procedimentos de compra de produtos ou embalagens usados e a disponibilização de postos de entrega de resíduos reutilizáveis e recicláveis. E, por fim, estipula-se a exigência de que toda embalagem, de qualquer produto, seja fabricada com materiais que propiciem a reutilização ou reciclagem, só se excetuando de tal regra os casos que vierem a ser dispostos na regulamentação da nova lei.
Não obstante ainda requeira regulamentação, a amplitude dos encargos trazidos pela nova lei reclama a atenção do setor privado para que se avaliem as medidas a serem consideradas e efetivadas. Além disso, considerando que governo já acena com a regulamentação de tal lei, ainda neste ano, as empresas podem ver-se surpreendidas com prazos de difícil cumprimento e com obstáculos inesperados à renovação de suas licenças de operação, tudo a exigir, portanto, o imediato estudo das repercussões que aludido diploma provocará para cada um.
Veículo: Valor Econômico