Enquanto setores da economia discutem com o governo federal como colocar em prática a política nacional de coleta e reciclagem de resíduos sólidos, o Ministério Público (MP) de alguns Estados e secretarias do meio ambiente estaduais e municipais decidiram se adiantar e têm intimado diversas empresas a apresentar seus planos para a chamada "logística reversa", sob pena de sofrerem uma ação civil pública ou uma multa que pode chegar a R$ 50 milhões. O prazo para o cumprimento da obrigação é curto, variando entre 30 e 60 dias.
Muitas empresas, no entanto, têm dúvidas se devem cumprir as determinações do Ministério Público ou as normas estaduais e municipais, já que a implantação da logística ainda está em discussão no Ministério do Meio Ambiente, segundo a advogada Patricia Iglesias, do Viseu Advogados. Instituída pela Lei nº 12.305, de agosto de 2010, a logística reversa consiste na responsabilidade compartilhada entre fabricante, importador, comerciante e consumidor final pelo tratamento de produtos descartados.
No Paraná, o Ministério Público Estadual pede a elaboração de um "Programa Permanente de Recolhimento de Embalagens" de todos os produtos comercializados no Estado - não importando em qual região foi produzido -, além do envio de informações semestrais sobre sua implantação. O órgão tem recomendado também que as empresas compartilhem a gestão do programa com cooperativas de catadores, embora a lei federal e o decreto que a regulamenta - nº 7.404, de 2010 - não estabeleça a parceria. Caso não o façam, podem responder a ações civis públicas.
Segundo o procurador Saintclair Honorato Santos, a intimação é feita com base na política nacional. Mas, como afirma, as empresas já deveriam ter planos de logística reversa porque a Lei Estadual nº 12.493, de 1999, estabelece que a destinação final do resíduo é de responsabilidade do fabricante. "A lei federal reafirmou tudo que já sabemos e deveria estar sendo praticado", diz ele, acrescentando que pelo menos 12 companhias no Paraná já firmaram convênio com uma entidade de reciclagem. Entre elas, Brasil Foods, Cargill, Danone, Ducoco, Frimesa, Nestlé e Sadia.
A política nacional estabelece que a implantação da logística pode ser feita por meio de acordo setorial, termo de compromisso com o MP ou por decreto do Poder Executivo. As empresas notificadas, no entanto, argumentam que só a instituição de um sistema único por setor garantirá o cumprimento efetivo da política, por dividir responsabilidades e custos. "A questão não é atender a lei a qualquer custo, mas de maneira eficiente", diz Adriana Baptista, sócia do escritório TozziniFreire.
No Estado de São Paulo, o Ministério Público Estadual ainda não começou a notificar as empresas. Por enquanto, um grupo de procuradores tem se reunido com representantes de entidades para analisar se os programas elaborados estão de acordo com as leis nacional e estadual. "Já conversamos, por exemplo, com representantes dos setores de embalagens, vidros e plásticos", diz a procuradora Cristina Godoy de Araújo Freitas.
Mas São Paulo, Estado pioneiro na elaboração de uma lei de logística reversa no país, chamada de "responsabilidade pós-consumo", também vem pressionando as empresas. Segundo a Resolução nº 38, da Secretaria do Meio Ambiente paulista, as empresas dos setores de óleo combustível e alimentar, eletroeletrônicos, lâmpadas de mercúrio, pilhas, baterias e embalagens plásticas, metálicas ou de vidro têm até 3 de outubro para entregar ao governo um programa e cronograma para reciclagem ou tratamento desses produtos. A pena vai de advertência a uma multa de R$ 50 milhões.
De acordo com o assessor técnico da secretaria, Flavio de Miranda Ribeiro, o objetivo da resolução 38 é apenas auxiliar as empresas na gestão pós-consumo. O prazo para cumprir a norma, no entanto, não deve ser adiado, afirma ele. "O governo federal tem que lidar com situações díspares, mas é possível fazer um arranjo mais imediato em São Paulo para que as nossas experiências sirvam inclusive para orientar empresas de outros Estados", diz.
A medida paulista soou para setores da economia como um atropelamento da política nacional. Algumas empresas, no entanto, estão preferindo apresentar planos com o que já foi discutido na esfera federal, apenas para cumprir prazos e evitar a aplicação de multa. Outras vão pleitear o adiamento do prazo da resolução para adequação ao cronograma federal, segundo a advogada Simone Paschoal Nogueira, do Siqueira Castro Advogados. O diretor de meio ambiente da Associação Brasileira das Indústrias de Bebidas (Abir), Victor Bicca Neto, diz que vai pedir ao Ministério do Meio Ambiente um alinhamento entre as políticas nacional, estaduais e municipais e a atuação dos Ministérios Públicos do país.
Na capital paulista, também vigora desde 2002 uma lei sobre o assunto. A Lei nº 13.316 obriga as empresas a recomprar, reutilizar ou reciclar no mínimo 50% das embalagens dos produtos que comercializam. Mesmo após a entrada em vigor da política nacional de resíduos sólidos, a Secretaria do Verde paulistana continua a multar as empresas. Desde a edição da lei, 24 companhias foram autuadas em R$ 250 mil cada.
Veículo: Valor Econômico