Companhia tenta abrir espaço em impressão personalizada
Praticamente uma década depois de a tecnologia digital começar a mudar o mundo da fotografia, a Kodak que emerge da transformação radical que se abateu sobre o setor é muito menor - em receita, empregados e fábricas - do que a gigante que durante um século determinou a maneira como as pessoas registravam e armazenavam suas imagens.
Em cinco anos, desde que colocou em prática um profundo processo de reestruturação, a companhia demitiu 28 mil funcionários no mundo, fechou 14 fábricas - inclusive no Brasil - e vendeu várias unidades de negócio, que já não se encaixavam na visão de futuro traçada pelos executivos escolhidos para mudar a rota da companhia. A responsabilidade recai principalmente sobre Antonio Perez, que assumiu o cargo de presidente mundial em 2003, tornando-se o executivo-chefe dois anos mais tarde.
Perez e sua equipe ainda têm de provar ao mercado que as duras medidas adotadas vão garantir a volta da companhia à posição de destaque perdida nesta década. Nos últimos cinco anos, a Kodak conseguiu reduzir seu prejuízo operacional, mas não voltou ao azul. As perdas caíram de US$ 1,073 bilhão em 2005 para US$ 9 milhões no ano passado. O desempenho, porém, se baseia fortemente no corte de despesas - um expediente que tem limites -, e não no aumento das vendas. O faturamento no período passou de US$ 11,4 bilhões para US$ 7,6 bilhões.
"Fizemos uma transição e quando isso acontece há dor e dúvida dentro da organização, mas as pessoas já passaram desse ponto e acreditam que há uma nova Kodak, com um novo portfólio [de produtos]", diz Kevin Joyce, vice-presidente mundial de vendas e marketing da área de impressão digital da Kodak.
Joyce tem um papel importante sob o novo desenho da Kodak. A empresa ainda é lembrada como uma marca de produtos de consumo, reconhecida por suas câmeras e filmes fotográficos, mas o motor da receita mudou. Hoje, 70% do faturamento global vem de negócios feitos com outras empresas, como a prestação de serviços de digitalização e a venda de impressoras de grande porte. É esse último segmento que cabe a Joyce expandir, um trabalho que deve trazê-lo com mais frequência à América Latina neste ano.
"Todo mundo está de olho na China e na Índia, mas é preciso dar mais atenção ao mercado latino-americano. Os países da região não parecem ter sido tão afetados pela recessão que abalou os Estados Unidos e a Europa", afirma o executivo.
Joyce diz vislumbrar uma grande oportunidade de negócios para a Kodak à medida que a impressão de livros, revistas, catálogos, jornais e material publicitário migra para o modelo digital. "Das 40 trilhões de páginas impressas por ano no mundo, apenas 1 trilhão é feita com equipamentos digitais", afirma.
Com a divisão de comunicações gráficas, voltada para empresas, a Kodak espera ficar menos dependente do consumidor comum. "O segmento de consumo é muito sazonal. Você pode ter grande parte da receita concentrada nos últimos três meses do ano. O segmento comercial é mais constante. Se você consegue balancear as duas coisas, tem um negócio mais estável", justifica.
Diferentemente do modelo tradicional de impressão off-set, o processo digital não se baseia em escala. Isso permite que tiragens menores possam ser encomendadas a custo mais acessível. Como a impressão é feita diretamente de um arquivo enviado por computador, é possível imprimir páginas diferentes de um mesmo material - uma mala direta, por exemplo - sob uma única tiragem.
Essa característica é um dos pontos fundamentais na estratégia da Kodak. Além das impressoras de grande porte, a companhia pretende vender mais tecnologia capaz de aproveitar a onda digital. Tome-se o caso de uma operadora de telefonia. Ao emitir uma conta, a companhia pode imprimir mensagens personalizadas aos usuários, como a oferta de um pacote baseado no perfil de chamadas desse consumidor. Para a Kodak, a chance é oferecer serviços e sistemas que tornem isso possível.
Um setor que está no alvo da companhia, a partir dessa estratégia, é o de embalagem, principalmente de alimentos. O processo digital facilita, por exemplo, a impressão de rótulos promocionais em épocas como a Copa do Mundo, diz Joyce.
De acordo com o executivo, a venda de impressoras digitais vem crescendo a uma média de 20% a 30% ao ano. No ano fiscal 2009, a área de comunicações gráficas da Kodak foi a que apresentou o maior faturamento do grupo: US$ 2,72 bilhões.
É um resultado importante para uma companhia em dificuldades, mas não significa que a expansão do negócio será fácil. No fim do século XIX, quando começou, a Kodak tinha nas mãos uma tecnologia única. Agora, o campo de batalha é diferente - a companhia precisa ingressar em segmentos já disputados por concorrentes de grande porte.
Um indício desse cenário pode ser encontrado em um relatório publicado recentemente pela consultoria americana Gerson Lehrman Group. No trabalho, os analistas indicam como um dos principais desafios da Kodak a tarefa de superar a Xerox e a Hewlett-Packard (HP). Ambas "têm mais caixa, presença de mercado mais estabelecida, melhor tecnologia, melhor finalização, um sistema de fluxo de trabalho mais robusto e mais gente na rua para vendas e geração de demanda do que a Kodak", observa a consultoria.
Para todas as companhias que disputam esse negócio, no entanto, será preciso esperar que o mercado esteja maduro para que as vendas ganhem força. "O mercado gráfico e os clientes ainda não têm a cultura do material personalizado", diz Maria Paula Mesquita Magalhães, da Atrativa Gráfica, de São Paulo. A empresa comprou um equipamento digital da Kodak há um ano e meio, mas ainda faz uso limitado do dispositivo, por falta de demanda.
Veículo: Valor Econômico