Tecnologia promove revolução no setor de alimentos

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Desenvolver alimentos que possam ajudar as pessoas a ser mais saudáveis e a ter um melhor desempenho nos esportes está entre os ganhos que o Brasil poderá conquistar se atentar para a importância dos investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento


O setor de alimentos está vivendo uma revolução. Os impactos vão desde a definição da real capacidade de competição internacional que o País terá no futuro próximo até a inovação nos alimentos que serão colocados na mesa dos consumidores. Do ponto de vista econômico, a fronteira agrícola mundial chega ao seu limite e, com o crescimento da população e o acirramento das normas ambientais, cresce o desafio de aumentar a produtividade interna. É preciso produzir mais no mesmo espaço.

O Rio Grande do Sul é um exemplo de um mercado que terá que se posicionar de forma mais arrojada se quiser se manter no jogo. Considerado um dos mais importantes players em produção agrícola, o Estado registra um bom desempenho na produtividade interna e teve recentes avanços importantes, como na implementação de rastreabilidade de grãos e pecuária. Porém, evoluiu pouco nos elos da cadeia que efetivamente podem agregar valor em termos de Produto Interno Bruto (PIB). Se não investir em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), está fadado a continuar apenas produzindo e vendendo commoditie.

Da mesma forma, essa revolução dos alimentos a partir da tecnologia se faz presente na vida das pessoas. Os consumidores querem produtos mais saudáveis, o que faz com que exista uma pressão crescente pela eficiência do alimento. Ingerir menos, porém com maior qualidade é o caminho, principalmente nos produtos industrializados. “A indústria tem o dever e o desafio de se ajustar sempre às necessidades de mudança dos hábitos alimentares”, observa o diretor de relações institucionais e governamentais da Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (ABIA), Augusto Moraes.

Segundo ele, existem muitos investimentos em busca de tecnologias que permitam a substituição da gordura trans e do sódio dos alimentos, seguindo recomendações do Ministério da Saúde. Cada mudança dessas exige muita pesquisa para a criação de produtos com uma nova construção nutricional, mas que mantenham o cheiro, gosto e textura aos quais os consumidores estão acostumados. “Há um movimento sério de construção de uma plataforma de alimentos saudáveis e, ao mesmo tempo, de promover o valor agregado, aumentando a participação da indústria gaúcha no fortalecimento do País”, acrescenta Moraes.

A indústria também já vem trabalhando com o conceito de alimentos funcionais, que em seu estado natural ajudam a reduzir o risco de doenças. É o caso do tomate, que possui na sua composição uma substância chamada licopeno, que previne problemas cardíacos ao evitar a oxidação de LDL.

E os avanços não param de chegar. Nas universidades e laboratórios, pesquisadores estão ainda mais adiantados. Eles trabalham a partir da descoberta feita nos últimos anos de que determinados nutrientes podem interferir no genoma humano. Isso significa que, em breve, as pessoas poderão buscar alimentos que sejam mais apropriados para o seu próprio DNA.

Nutracêuticos começam a ganhar espaço

Mais perto da realidade estão os nutracêuticos, substâncias como fibras dietéticas, ácidos graxos poli-insaturados, proteínas e peptídios presentes em alimentos que têm a capacidade de efetivamente prevenir e tratar doenças e que podem ser isoladas e comercializadas separadamente. É um tema ainda pouco conhecido da maioria dos gaúchos, mas que deve ganhar força em 2012, quando a Unisinos inaugura o Instituto de Ciência, Tecnologia e Inovação em Alimentos para a Saúde, Funcionais e Nutracêuticos (Nutritech).

Para a implementação desse instituto - pioneiro na pesquisa aplicada a empresas e produtores ligados ao setor de alimentos -, a universidade conta com R$ 15 milhões de recursos. São 11 milhões conquistados através da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e mais R$ 4 milhões próprios.

O prédio que vai receber o instituto está localizado dentro do parque tecnológico da instituição, o Tecnosinos, e passa por reformas. Os equipamentos devem começar a ser comprados em breve e a expectativa é que até abril do próximo ano esteja em operação. “Queremos ajudar a agregar valor ao agronegócio, em uma lógica de atuação totalmente orientada ao mercado, de prestação de serviços para empresas”, comenta a diretora de inovação e tecnologia do Tecnosinos, Susana Kakuta.

Mais do que um ambiente de P&D, a Unisinos planeja implementar no local um conceito de montadora de alimentos, da mesma forma que acontece em países como a China. Para isso, tem trabalhado para atrair empresas âncoras. A ideia é que players tradicionais do setor de alimentos atuem lado a lado com companhias que comercializariam apenas uma enzima, proteína ou a bactéria originada de determinado produto, dentro da lógica das substâncias nutracêuticas.

A universidade vem mantendo conversas com algumas empresas que estariam interessadas em participar desse projeto. A Cooperativa Piá e a Josapar poderão vir a ser âncoras desse instituto, instalando operações locais. O objetivo é atrair para o local as áreas de P&D das empresas e não criar um parque de industrialização. A Piá confirma o interesse. “Existe a possibilidade de ancorarmos esse projeto”, comenta o presidente da Cooperativa Piá, José Mário Hansen.

Piá quer aproximar áreas de produção da pesquisa

A Piá, cooperativa fundada em 1967, quer intensificar a sua relação com a Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e, dessa forma, conquistar um espaço diferenciado para os seus produtos no mercado. Recentemente, a empresa foi contemplada com recursos federais na ordem de R$ 300 mil, via Sebrae, para serem aplicados em inovações.

A meta da empresa é usar essa verba para o desenvolvimento de alimentos com funcionalidades específicas para saúde e esporte. Para isso, irá buscar a parceria de alguma universidade. “Vamos procurar esses parceiros para aproveitar os laboratórios sofisticados e usar tecnologia para o desenvolvimento dos nossos produtos”, comenta o presidente da Cooperativa Piá, José Mário Hansen, destacando a riqueza dos recursos humanos e técnicos das instituições de ensino gaúchas.

A Piá investe de R$ 1,5 milhão a R$ 2 milhões em alimentos especiais anualmente. E vem realizando uma série de pesquisas nos últimos anos, através do seu núcleo de desenvolvimento. Os profissionais também são constantemente estimulados a viajar para outros países e se atualizar sobre os produtos lançados no mundo.

Um dos focos principais da empresa são os alimentos que possam ajudar as pessoas a ser mais saudáveis. Nesse caso, têm recebido atenção especial das áreas de P&D os produtos probióticos - com micro-organismos que exercem efeitos benéficos para a saúde. O resultado desse trabalho foi o lançamento da linha Essence, de iogurtes funcionais. Estudos usados pela empresa apontam que o consumo de alimentos probióticos cresce cerca de 20% ao ano no Brasil.

De acordo com Hansen, a Piá espera ganhar novos mercados a partir dessa linha. “São produtos de alto valor agregado e queremos explorar novas possibilidades, como a entrada em São Paulo”, informa. Da mesma forma, a empresa trabalha com os alimentos probióticos, que auxiliam na prevenção de doenças. O próximo passo agora é realizar estudos que envolvam a genética e orientem o consumo de determinados itens para pessoas com tendências a ter doenças como diabetes. “Temos um mundo de possibilidades a ser trabalhadas. Nunca seremos os maiores do Brasil, mas investimos em diferenciais que, a cada dia, nos dão novas e importantes possibilidades de negócios”, projeta.
Enzimas e proteínas podem ser vendidas separadamente

Não restam dúvidas de que o Brasil precisa reorganizar a cadeia produtiva de alimentos e redefinir uma estratégia de competição. O ponto central disso, segundo especialistas, é a substituição das exportações de commodities através da agregação de valor aos alimentos.

O arroz polido cru, por exemplo, custa em torno de R$ 1,50 o quilo, enquanto a proteína isolada de arroz pode ser vendida em torno de R$ 50,00. Hoje em dia, existem empresas especializadas em isolar determinadas enzimas dos alimentos e comercializá-las separadamente.

Ao ingerir uma maçã in natura, o consumidor sabe que está comendo um alimento funcional, rico em substâncias que fazem bem para a saúde. Mas é possível transformar essa maçã em nutracêutico ao extrair dela o seu antioxidante. “Essas enzimas ou proteínas que podem ser retiradas dos alimentos e vendidas separadamente têm um valor adicionado geralmente muito maior”, revela a diretora de inovação e tecnologia do Tecnosinos, Susana Kakuta. Se vendidas em forma de cápsulas, por exemplo, podem ser adicionadas no suco ou em um capo de leite, de acordo com a preferência do consumidor.

Dados do relatório da Global Industry Analist mostram que o mercado mundial de nutracêuticos movimentou US$ 187 bilhões em 2010. Países europeus, Estados Unidos e Japão têm 87% de participação. É um mercado que cresce a partir do interesse cada vez maior das pessoas de aderir a um estilo de vida mais saudável. E, claro, é suportado pelos avanços científicos e tecnológicos que dão base a esta indústria.

O secretário da Ciência, Inovação e Desenvolvimento Tecnológico (SCIT), Cleber Prodanov, destaca essa iniciativa e diz que o Nutritech vai ao encontro da visão do governo estadual de lançar um novo olhar sobre os setores tradicionais da economia gaúcha. “É fantástico podermos estimular a prática de pesquisa, tecnologia e desenvolvimento de novos produtos e subprodutos em segmentos tradicionais, dentro de uma tendência cada vez maior de agregação de valor”, diz. Prodanov revela que, embora exista muita pesquisa sendo realizada pelas universidades nessa área, faltava um centro para pensar a questão alimentar do ponto de vista dos negócios. “Acredito que o Nutritech irá contribuir muito para a criação de uma cadeia de produção nessa área”, afirma.

O segmento de alimentos vem, também, incorporando cada vez mais os conceitos de sustentabilidade e inovação, segundo Mário Eduardo Barra. Ele é membro da diretoria e um dos fundadores da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei).

Como exemplo, Barra cita o caso da Piscis, empresa do Ceará que descobriu uma forma de extrair das vísceras da Tilápia o óleo de peixe, rico em ômega 3. Depois disso, o óleo se transforma em ração animal, evitando o desperdício. “As empresas precisam pensar na tecnóloga e na inovação como forma de melhorar os resultados das vendas e também de proporcionar alimentos de maior qualidade para a população”, afirma.



Veículo: Jornal do Comércio - RS


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