Fim da era Jobs expõe desafios da inovação

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Steve Jobs era visto mais como artista e visionário do que como executivo-chefe, embora sua obsessão pelos detalhes e a dedicação extrema pelas empresas que criou - em particular, a Apple - façam dele o CEO por excelência. E isso não é discurso fúnebre. Mesmo com a doença, que o obrigou a tirar três licenças médicas em sete anos, Jobs nunca deixou de ser visto como o motor das inovações na Apple.

É por isso que sua morte na terça-feira, aos 56 anos de idade, ressalta um cenário recente, particularmente desafiador para a indústria americana de alta tecnologia: a dificuldade de encontrar líderes capazes de manejar as cada vez maiores e complexas companhias do setor, sem que elas abandonem sua razão de ser: trazer inovações relevantes para o consumidor.

Para muitos observadores, é a pior crise de gestão já ocorrida na indústria de tecnologia nos Estados Unidos, onde está concentrada boa parte das líderes mundiais do setor. Em algumas empresas, a sucessão lembra uma trama de telenovela.

A Hewlett-Packard (HP), maior fabricante mundial de computadores, teve quatro chefes desde 2005, quando demitiu Carly Fiorina. Em todo os casos, as trocas foram ruidosas. A mais recente, no mês passado, foi a de Léo Apotheker, que ficou no cargo apenas 11 meses.

Na SAP, maior companhia de software de gestão do mundo, os problemas começaram em 2007. Desde então, a empresa trocou o modelo de comando duas vezes - de um chefe único para um sistema de cogestão, depois para um só CEO mais uma vez e, finalmente, de volta à cogestão. O Yahoo, dono dos sites de maior audiência global, trocou de executivo-chefe três vezes em três anos e atualmente está sem ninguém no cargo. A companhia demitiu Carol Bartz no mês passado. A executiva, que ficou dois anos e meio no posto, fez barulho ao sair. Demitida por telefone, enviou um e-mail a todos os funcionários da companhia contando o caso.

Alguns nomes são recorrentes. Léo Apotheker, retirado do comando da HP pelo conselho de administração da empresa, já havia tido uma passagem relâmpago como executivo-chefe da SAP, cargo que também ocupou por menos de um ano. Mark Hurd, que veio antes de Apotheker, deixou a HP em 2010, também sob críticas do conselho, para se tornar copresidente da Oracle, outra gigante de software. E quem assumiu a Hewlett-Packard foi Meg Whitman, que já fora presidente do eBay, no qual sofrera duras críticas pela compra, que se revelaria desastrada, do serviço de comunicação Skype.

Esse vaivém está relacionado ao que no meio acadêmico se chama de "dilema do inovador". "As empresas crescem tanto que perdem a capacidade de arriscar", diz Carlos Da Costa, do Institute of Performance and Leadership (iPL), especializado no treinamento de executivos.

É um paradoxo: as grandes companhias investem cada vez mais em pesquisa e desenvolvimento, mas não conseguem se desprender das tecnologias que as levaram ao topo. Como resultado, a inovação se torna mais lenta.

Tome-se o caso da Microsoft. A maior empresa de software do mundo tem um exército de programadores, mas continua muito atrelada a produtos como o sistema Windows e o pacote de softwares Office, criados nos anos 70 e 90. Da mesma forma, o Yahoo teve a chance de comprar o Google quando a companhia era uma novata, e não o fez.

Esse apego não é injustificado: com ações listadas em bolsa e o pagamento de executivos atrelado a resultados, essas companhias se veem pressionadas a apresentar lucros trimestrais e acabam priorizando o desempenho de curto prazo, em detrimento de uma visão que as estimule a assumir riscos maiores.

É difícil não cair nessa armadilha. Com apenas 13 anos desde sua criação, o Google reencaminhou Larry Page, um de seus cofundadores, ao cargo de executivo-chefe em abril, substituindo o experiente Eric Schmidt. A razão alegada foi a necessidade de desburocratizar a companhia e não deixá-la perder sua capacidade de inovar.

Por que, então, o fenômeno não se repetiu na Apple? É isso que faz Jobs tão diferente, dizem os especialistas. "Ele mantinha a rebeldia da empresa pequena dentro da Apple", afirma Da Costa, do iPL.

A origem do iPhone ilustra essa postura. Em meados da década passada, Jobs encomendou o projeto de um tablet com tela sensível ao toque. Quando o protótipo ficou pronto, porém, Jobs percebeu que a tecnologia seria perfeita para um telefone celular. O tablet foi engavetado e, em 2007, a Apple lançou o iPhone, que mudaria o mercado de telefonia móvel. "Nenhum outro executivo tomaria uma decisão dessas", afirma Da Costa.

Como qualquer executivo, Jobs fez apostas erradas. O computador de mesa Mac Cube, por exemplo, era um triunfo do design. Mas a despeito do inovador formato de cubo, tinha um sistema de refrigeração ineficiente, que fez do produto um fracasso.

Os acertos de Jobs, no entanto, compensaram amplamente os eventuais tropeços e conseguiram colocar a Apple em uma espécie de redoma. Tanto para o consumidor, que passou a fazer filas na frente das lojas, quanto para o investidor.

Episódios que poderiam ter destruído a reputação de outras empresas foram tratados com uma certa suavidade em Wall Street. A Apple esteve no centro de um ruidoso caso de opções de ações cujas datas eram escolhidas para beneficiar os executivos. Mais recentemente, a empresa foi também associada à onda de suicídios de operários da taiwanesa Hon Hai que trabalhavam na fabricação de produtos da Apple.

A dúvida, agora, é se essa mística vai continuar sem Jobs. "Provavelmente, a Apple vai perder essa proteção e passará a ser tratada como uma empresa normal", afirma John Strand, sócio da consultoria dinamarquesa Strand Consult. O mesmo vale para Tim Cook, que assumiu a direção da companhia em agosto, indicado pelo próprio Jobs. "Nessa indústria, você tem que mostrar resultados", afirma Strand. "Se isso não acontece, os executivos simplesmente são substituídos."


Veículo: Valor Econômico


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