Com a compra da Femsa, grupo holandês assume o difícil desafio de recuperar marcas como Kaiser e Bavária no mercado brasileiro
Jean-François van Boxmeer, CEO mundial da Heineken, passou a virada do ano em um resort nas Ilhas Maurício. Mas ele pouco aproveitou as praias paradisíacas do Oceano Índico. Boxmeer dormiu com o telefone celular embaixo do travesseiro e o notebook ao lado da cama. Acompanhou, detalhe a detalhe, o final das conversas em torno da aquisição, por US$ 7,6 bilhões, das operações da cervejaria Femsa no México e Brasil. O executivo, que há anos tenta revigorar a imagem da Heineken no mundo, tinha o sinal verde da dona e herdeira da cervejaria, Charlene de Carvalho Heineken, umas das 100 mulheres mais ricas do planeta, para fazer o que fosse preciso para concretizar o negócio. Com o acordo fechado na semana passada, os holandeses vão desembolsar US$ 5,5 bilhões para adquirir as ações da Femsa, além de assumir os US$ 2,1 bilhões em dívidas da mexicana. Fechada em apenas 90 dias de conversas, a aquisição pode ajudar o grupo a recuperar o tempo perdido, após anos ignorando a expansão do setor nos mercados emergentes. Por tabela, uma tarefa inglória recairá sobre a Heineken: a recuperação das vendas e da imagem de marcas que fazem parte do portfólio da Femsa no Brasil. No pacote da compra da mexicana, vieram Kaiser, Sol, Bavária e Xingu – produtos que, nos últimos anos, perderam participação de mercado e sofreram com a rejeição dos consumidores.
O negócio reacende a expectativa de uma nova estratégia para essas marcas no Brasil. Os holandeses donos da Heineken, porém, não revelam quais são os seus planos para recuperá-las. “A Heineken pagou pelo negócio no México, onde a Femsa é muito forte. No Brasil, a operação ainda tem problemas”, diz um analista de banco de investimento estrangeiro. Ao se analisar os bastidores do negócio, fica fácil entender. A SAB Miller teria desistido da disputa pela Femsa por causa do fraco desempenho das cervejas da Femsa no Brasil. “Eles não viam recuperação possível para as marcas brasileiras. Além disso, acreditavam que o trabalho de distribuição da Coca-Cola para as cervejas poderia ser melhor do que é”, afirmou à Reuters uma fonte próxima à SAB. “Após a desistência da SAB Miller, passamos a pensar se a compra da operação brasileira faria sentido mesmo”, afirma Matthew Webb, da corretora Cazenove. A Femsa saiu em defesa da operação e disse que o plano de negócios para recuperar o brilho das marcas no País passará pela inovação. “A Heineken saberá como inovar no Brasil”, afirmou a analistas o presidente do Conselho de Administração da Femsa, José Antonio Fernández Carbajal. “Acho que ela não vai entrar na guerra de preços, mas sim direcionar o negócio para a geração de valor”.
A linha defendida por Carbajal faz sentido. Segundo relembra o consultor Matthias Reinold, há três anos a Heineken lançou um pequeno barril de aço de cinco litros de cerveja, ideia que se transformou num sucesso e levou a AmBev a copiar o projeto. Logo depois, a empresa trouxe para o Brasil a garrafa de 600 mililitros de cerveja, só vendida até então na Holanda. Novamente, a sacada revelou-se acertada. “São sinais positivos, mas o que vai determinar mesmo o sucesso da operação são os ganhos de sinergia de Femsa e Heineken no Brasil”, diz José Roberto Martins, da GlobalBrands. “Será preciso ver até que ponto ela será ágil e criativa para inovar em todo o sistema, da produção à venda”, completa. Há quase uma década, as duas maiores marcas do grupo, Kaiser e Bavária, lutam para se manter de pé. Com 4% de participação nas vendas do setor hoje, a Kaiser chegou a 14% de share em novembro de 1999. Com a Sol, lançada em 2006, a meta de atingir 1% de participação de mercado nunca foi alcançada. Ela fechou novembro passado com 0,5%. Trocas constantes de comando, falta de consistência nos investimentos em mídia, além do aumento da concorrência, fizeram as marcas entrar em declínio.
Alguns analistas apostam inclusive numa outra solução: a ampliação das vendas da Heineken no Brasil. Cinco das oito fábricas da Femsa no País estão sendo preparadas para fabricar a cerveja holandesa a partir de 2010, segundo rumores no mercado. Como consequência desse movimento, deve acontecer uma polarização da disputa do setor no Brasil, entre a própria Heineken e a Budweiser. Isso porque a ABInBev tem planos de trazer a marca Bud para cá e transformá-la num produto premium. “A Kaiser vem tendo dificuldades comerciais há algum tempo e talvez os novos donos estejam pensando em focar mais no crescimento da marca Heineken”, diz Trevor Stirling, da Bernstein Research. Independentemente da estratégia a ser adotada, a Heineken tem ainda outro desafio gigantesco: disputar mercado com a AmBev no País, dona de 70% das vendas do segmento e de um sistema de distribuição irretocável.
Com a aquisição, a Heineken chega aos US$ 30 bilhões de receita (US$ 7 bilhões a menos que a ABInBev) e se consolida na segunda colocação no ranking das maiores do mundo. Mas as ações a serem tomadas nos seus dois novos mercados precisam dar resultado. A Heineken diz que levará seis anos para cobrir o custo de capital investido na Femsa. Para fechar as contas, terá de elevar a expansão anual da Femsa de 10% para 11% ao ano.
Veículo: Revista Isto É Dinheiro