Decreto que atualiza base de cálculo não foi publicado em janeiro; fabricantes regionais dizem que houve pressão de grandes grupos
Para associação de fábricas menores, mudança corrigiria distorção e grandes pagariam mais; tabela tinha problemas, rebate entidade de cervejarias
A Afrebras (associação que representa fabricantes regionais de refrigerantes) vai pedir audiência para que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e representantes da Receita Federal expliquem por que o decreto que atualiza a base de cálculo de IPI, PIS e Cofins de refrigerantes e cervejas não foi publicado em janeiro, como foi acordado com o setor.
A mudança prevista no decreto implicaria mais pagamento de impostos pelos grandes fabricantes, diz a associação. Isso ocorre porque os preços dos produtos das grandes indústrias são mais altos, e, assim, a base de cálculo do imposto é maior, segundo a Afrebras.
Desde o ano passado, IPI, PIS e Cofins incidem sobre o preço de venda ao consumidor, conforme a lei nº 11.727, de junho de 2008, que passou a vigorar em janeiro do ano passado. Antes disso, era estabelecido um valor fixo por unidade vendida.
A AmBev, a Abrabe (Associação Brasileira de Bebidas) e o Sindicerv (sindicato das cervejarias) informam que, em todas as reuniões que ocorreram com a Receita e a Fazenda, a Afrebras estava presente e concordou com a manutenção da atual base de cálculo de impostos.
A Afrebras informa que o que ficou decidido foi a atualização dos preços e que o Ministério da Fazenda não publicou o decreto por pressão dos grandes fabricantes. "Ao fazer isso, o governo beneficiou as grandes empresas, principalmente a AmBev, e prejudicou todo o setor", afirma Fernando Bairros, presidente da Afrebras. "O lobby do poder econômico funcionou mais uma vez no país."
O decreto corrigiria, na avaliação da Afrebras, distorções (com a atualização de preços) que ocorreram com a publicação do decreto nº 6.707, de dezembro de 2008, que estabelece a base de cálculo dos tributos federais. O levantamento de preços foi feito pela FGV (Fundação Getulio Vargas) em outubro e novembro de 2009.
"O que a AmBev constatou, após as pesquisas da FGV, é que haveria um sensível aumento de impostos a recolher por conta dos reajustes de preços dos produtos no período. A nossa estimativa é que, sem o decreto, a AmBev deixa de recolher para os cofres públicos cerca de R$ 1 bilhão por ano", afirma Bairros. A AmBev não confirma.
Ele diz que a pressão da AmBev sobre o governo se tornou mais "explícita" quando a empresa tentou "desqualificar" a pesquisa de preços feita pela FGV e coordenada pela Receita Federal. "Como não conseguiu, passou a pressionar a Fazenda. Sabemos que a Receita é favorável ao novo decreto, mas o ministério brecou a sua publicação. Por que o governo está abrindo mão dessa receita?"
Ministério
Há um mês, o ministério informou que adiou o aumento de tributação do setor de bebidas após representantes das empresas alegarem que este seria um ano "de muitos investimentos" e que, com o aumento de tributação, teriam de subir preços de produtos ou reduzir o ritmo de expansão. Mantega chegou a marcar uma reunião do setor com o presidente Lula.
Para a Afrebras, a atualização da base de cálculo faz "justiça tributária". É que, segundo estudo apresentado pela Receita às entidades do setor, 62 itens da linha de refrigerantes e 45 da linha de cervejas pagariam menos imposto com novos preços.
Enio Rodrigues, superintendente-executivo do Sindicerv, afirma que todo o setor concordou com o adiamento da publicação do decreto por entender que a metodologia da FGV para apurar preços não estava adequada, pois considerava os preços só em algumas cidades.
Todo o setor defendeu a proposta, diz AmBev
Representantes da AmBev, da Abrabe (Associação Brasileira de Bebidas) e do Sindicerv (sindicato das indústrias de cerveja) informam que todas as reuniões com a Receita Federal e o Ministério da Fazenda contaram com a participação da Afrebras (associação que reúne fabricantes de refrigerantes de pequeno e médio portes). E que essa entidade também apoiou a manutenção da base de cálculo de impostos federais do setor de refrigerantes e cervejas.
"A proposta do setor como um todo foi de manutenção da base de cálculo dos impostos em 2010 para que sejam feitos investimentos da ordem de R$ 4 bilhões pelo setor, que vão proporcionar a criação de 44 mil empregos. Dessa forma, haverá aumento da arrecadação do setor. Esse foi o pleito do setor como um todo", afirma Alexandre Loures, diretor de comunicação da AmBev.
Segundo ele, os representantes da Receita e da Fazenda ainda não responderam oficialmente ao pedido.
A cervejaria também informa que causou "estranheza" o fato de o presidente da Afrebras, Fernando Bairros, pedir mudanças que teriam como consequência o aumento de imposto também para os associados da entidade. Segundo a AmBev, Bairros foi dono de uma distribuidora de cervejas em litígio judicial com a cervejaria -por esse motivo, a associação que ele representa também atuaria contra a empresa. Bairros, por sua vez, nega.
"Se o argumento da Afrebras é o de que, com a atualização da base de cálculo, haverá redução de pagamento de impostos para 62 marcas e produtos da linha de refrigerantes, quem garante que entre essas 62 estão itens fabricados somente pelos pequenos e médios fabricantes? Ao apresentar os estudos técnicos, a Receita Federal não abriu informações detalhadas de quem, na prática, teria essa redução", afirma Loures.
Sobre o fato de as grandes indústrias terem reajustado seus preços em 2009 e, portanto, terem de recolher mais impostos, como informou a Afrebras, a Folha apurou que os preços de refrigerantes produzidos por grandes e pequenos fabricantes não tiveram variação significativa, segundo dados de consultoria especializada em pesquisas de mercado.
A Abrabe entende como "positiva a manutenção dos preços referenciais trazidos pelo decreto nº 6.707 de 2008". Segundo a associação, com a manutenção dos preços referenciais, "o setor poderá desenvolver sua atividade no mesmo nível de 2009 [...], contribuindo, consequentemente, com o substancial aumento da arrecadação em relação a 2008".
A Receita Federal não quis comentar o assunto. O Ministério da Fazenda não se pronunciou até o fechamento desta edição. (CR e FF)
Veículo: Folha de São Paulo