O vinicultor que deu status à Espanha

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Muitos conhecedores de vinho já ouviram falar do "Julgamento de Paris", a competição em 1976 em que vários vinhos americanos do Vale do Napa obtiveram notas mais altas que os melhores Bordeaux e Borgonha. O establishment francês do vinho não achou nenhuma graça.

 

Os franceses devem ter ficado igualmente aborrecidos quando um vinho espanhol foi considerado melhor que o Château Latour 1970 e outros dos melhores Bordeaux em outro teste às cegas patrocinado pelo prestigioso guia francês de restaurantes "Gault Millau". O vinho em questão era um Torres Gran Coronas 1970, feito com videiras Cabernet de quatro anos plantadas em Penedès, uma área de colinas gentis uma hora a oeste de Barcelona.

 

Na época da chamada Olimpíada do Vinho do "Gault Millau", a Espanha era mais conhecida pelo vinho xerez e pelos tipos baratos e rústicos que Sancho Pança bebia de botas de vinho. A própria vinícola Torres era mais conhecida pelo vinho tinto produzido em massa e vendido com um touro de plástico pregado ao gargalo da garrafa.

 

Trinta anos depois, a Espanha é a nova Itália (que era, até recentemente, a nova França). E nenhuma vinícola é mais inovadora ou emblemática da história recente da Espanha que a Torres.

 

Aos 68 anos, o elegante e cortês Miguel Torres parece guardar um senso de curiosidade jovial; recentemente decidiu aprender japonês e consegue negociar diretamente com o importador do Japão. Ele dirige um Toyota Prius, híbrido que parece ao mesmo tempo um atestado de sua atitude modesta e de sua paixão por questões ambientais. Torres parou de usar pesticidas há 20 anos e está comprometido em reduzir as emissões de gás carbônico da vinícola em 30% até 2020. Ele também comprou terras perto da região dos Pireneus, que fica entre França e Espanha, caso o aquecimento global torne os vinhedos de Penedès muito quentes para a vinicultura.

 

A família Torres está no negócio de vinhos há centenas de anos, embora a empresa atual tenha sido fundada em 1870, quando Jaime Torres voltou a sua terra natal depois de ganhar uma fortuna em Cuba. Miguel Torres (que tem um filho e uma filha trabalhando com ele e uma outra filha que é médica) assumiu o negócio do pai autocrático, Miguel Torres Carbo, que resistiu a muitas das inovações do seu filho, mas também conseguiu resgatar a empresa da família das cinzas da Guerra Civil Espanhola.

 

No caos que precedeu a guerra, Torres foi forçado a fugir da vinícola. "Os anarquistas dominaram a Catalunha", explica o Miguel Torres, "e mataram vários donos de fábricas e vinícolas. Meu pai foi para Barcelona e trabalhou como farmacêutico e químico, fazendo vacinas para os republicanos. A vinícola foi confiscada e passou para as mãos dos trabalhadores."

 

Mais tarde, depois de uma breve passagem pela prisão, ele decidiu sair da Espanha, mudando inicialmente para Cuba, onde Miguel Junior nasceu.

 

Torres estava em Nova York quando foi noticiado que os alemães tinham invadido a França. Ele imediatamente passou a cortejar ansiosos importadores americanos de vinhos, garantindo que poderia fornecer "Chablis" e "Borgonha" espanhóis e suprir a demanda da bebida francesa. Torres Carbo prontamente retornou à Espanha para expandir sua operação de negociante, comprando uvas dos produtores locais e despachando o falso vinho francês para os Estados Unidos.

 

Miguel Junior, que cresceu em Barcelona, queria saber mais sobre o negócio: ele estudou enologia em Dijon, na França, e retornou à Espanha com o desejo de produzir em casa um vinho de alta qualidade. Fez experiências com algumas variedades francesas em pequenas quantidades, comprando e misturando uvas de produtores locais. Aí, em 1965, um vinhedo excepcional de pouco mais de 26 hectares chamado Mas La Plana foi colocado à venda e Miguel persuadiu seu pai a comprá-lo. Apenas cinco anos depois, os vinhedos de quatro anos produziram o vinho que ganharia o concurso do "Gault Millau".

 

Não muito depois da morte de Franco, em 1975, Miguel pai despachou seu filho para o Novo Mundo. "Havia greve por toda a Espanha e meu pai se lembrou da guerra." O jovem Torres decidiu que o vale central do Chile era o paraíso da vinicultura, uma conclusão validada várias vezes nos anos seguintes, mas que não era nada óbvia naquele momento. No Chile, assim como na Espanha, eles foram os primeiros a introduzir novas tecnologias, como tanques de aço inoxidável de temperatura controlada. Em 1984, alguns anos antes de a área passar a ser reconhecida pelo Pinot e pelo Chardonnay, a família comprou terras no Vale do Rio Russo, na região de Sonoma, na Califórnia, embora também continuasse adquirindo vinhedos na Espanha, em regiões emergentes como Toro, Jumilla e Priorat.

 

No mundo dos vinhos finos, maior é dificilmente melhor - e a Torres produz 44 milhões de garrafas por ano, com 200 milhões de euros em vendas. Mas, diferentemente de seu amigo Robert Mondavi, que começou como produtor de vinhos de alta qualidade e depois entrou em segmentos menos sofisticados do mercado de uma forma que muitos acreditam que comprometeu o valor da marca, Torres seguiu o caminho quase oposto, usando o sucesso no mercado de vinhos de massa para financiar a produção de luxuosos barris de um único vinhedo

 


Veículo: Valor Econômico


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