O que atrapalha a venda da Schincariol

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Bebidas: Interessados dizem que falta informação sobre dívida, embora preço seja considerado bom

 

Nenhuma empresa até agora oficializou intenção de comprar a cervejaria Schincariol, colocada à venda por seus controladores há mais de três meses, segundo pessoas familiarizadas com o negócio. Essas fontes receberam da companhia entre o fim de janeiro e o início de fevereiro um "pacote de informações" com a oferta de venda. Há grupos interessados, mas as conversas esbarraram em um obstáculo: a falta de transparência da cervejaria sobre suas dívidas. Dentre os possíveis interessados - que agora pressionam a cervejaria para que as dívidas sejam melhores explicadas - estão a holandesa Heineken e a britânica Diageo que, segundo o Valor apurou, poderiam até se unir em uma joint venture para adquirir a companhia.

 

No balanço publicado em 31 de março, a Schincariol Participações e Representações (que engloba todas as empresas do grupo) relaciona dívidas financeiras que somam um montante líquido de R$ 828,5 milhões (empréstimos de curto e longo prazo, descontado o caixa da empresa). Além disso, em nota explicativa no mesmo balanço, a cervejaria e suas controladas revelam "perdas possíveis não provisionadas" que "têm ainda ações de natureza trabalhista, cível e tributária (...) nos montantes de R$ 127,3 milhões (trabalhista), R$ 185,9 milhões (cível) e R$ 1,790 bilhão (tributária)". Todas essas pendências somam R$ 2,932 bilhões.

 

Mas o problema não está só nessa quantia. Além dessas dívidas, a Schin teria ainda mais débitos não lançados em balanço, conforme analistas e fontes do mercado. As normas do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), dizem que as companhia têm obrigação de lançar no balanço somente as dívidas cujas chances de perdas são mais significativas. "Dívidas que a empresa - no caso a Schin - acredita poder rolar por muitos anos não precisam ser lançadas", explica um advogado especialista no assunto, que preferiu não se identificar.

 

É aí que mora a desconfiança dos possíveis compradores. "No pacote de informações mandado pela Schin, esse número não está claro. Por isso, o total da dívida pode ser muito maior. Um belo dia o governo pode bater à porta do comprador da Schin para cobrar uma impostos devidos", diz uma das pessoas que receberam o pacote de informações de venda. "É como se uma pessoa fosse vender um carro, mas não deixasse o interessado abrir o capô para ver o motor", compara um analista.

 

Os dados não teriam sido abertos mesmo depois de pedidos formais. Quando uma empresa se interessa por comprar a outra é comum, conforme explicam analistas, que a companhia a ser vendida passe todas as informações financeiras necessárias antes de iniciado um processo de "due diligence" (procedimento que mapeia a fundo ativos e passivos comerciais, legais, tributários e previdenciários de uma empresa). A "due dilligence", entretanto, só é feita depois de firmada uma carta formal de interesse de compra da companhia vendida. Dada a falta de informações prévias da Schin, nenhuma proposta foi oficializada até agora. A assessoria do negócio está sendo feita pelo BTG. Procurados, nem a Schincariol, nem o BTG se pronunciaram sobre o assunto. Heineken e Diageo também não quiseram comentar o possível interesse na compra.

 

Conforme fontes do mercado, o pacote de venda da Schin teria sido enviado também para as cervejarias SABMiller, Carlsberg, Ambev MillerCoors, Grupo Modelo, Assai e Kirin.

 

"Essa maneira de colocar uma empresa à venda é muito ruim, pois o preço cai muito", afirma um executivo que teve acesso ao pacote. O preço de venda da Schin seria de US$ 2 bilhões, conforme o jornal britânico "Sunday Times" informou em abril.

 

"O valor é uma pechincha, mesmo se somados os R$ 2,932 bilhões de dívidas declarados, considerando que a companhia, embora tenha uma marca fraca [Nova Schin], controla quase 10% do mercado brasileiro de cervejas, chegou a uma receita líquida de R$ 2,9 bilhões em 2010 e tem 13 fábricas pelo país", afirma uma analista. "O problema são os esqueletos no armário", diz, referindo-se possíveis a débitos não publicados.

 

Uma cervejaria em país emergente, com vendas de cerveja em ascensão como o Brasil, deveria custar pelo menos entre oito e dez vezes seu Ebitda (lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização), conforme calculam analistas do setor. O Ebitda da Schin, conforme seu balanço, foi de R$ 434 milhões em 2010. Ou seja, a relação preço e Ebitda estaria entre quatro e cinco vezes.

 

As dívidas e a falta de clareza financeira não são os únicos fatores que puxam para baixo o preço da cervejaria. "A Schincariol tem um custo operacional muito alto", diz um analista. A margem bruta de lucro da companhia, segundo o balanço, é de 37%. Descontadas despesas operacionais, administrativas e com vendas, o percentual cai para 4,4%. Só para comparar: na Ambev, a margem bruta em 2010 foi de 66,5%. Sem as despesas operacionais, ela fica em 39,7%.

 

Além disso, segundo fontes familiarizadas com as conversas, há um entrave de ordem familiar. A decisão de venda da empresa seria apenas de Adriano Schincariol, presidente e principal acionista, com 51% do capital. Gilberto Schincariol Júnior, vice-presidente da empresa e detentor de 49% das ações, não seria a favor da ideia e apenas aceitaria uma venda se pudesse permanecer na companhia, com um assento no conselho.

 

"Acredito que essa história ainda levará meses para se resolver", disse um executivo interessado na compra. Diante desse impasse, Adriano já estaria considerando deixar de vender a empresa e pensando melhor em uma abertura de capital - projeto que vinha sendo levantado inicialmente e para o qual o BTG foi contratado num primeiro momento. Apesar de ser a segunda maior cervejaria do Brasil e a 19ª do mundo pelo ranking mais recente do setor, é certo que a Schincariol não vive uma situação cômoda.

 


Veículo: Valor Econômico


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