"Não suporto a ideia de tomar algo que não tenha gosto", diz o engenheiro elétrico de Campinas (SP), Guilherme Orlando Luchini. A frase é polêmica, ele próprio admite. "Quando digo isso, muita gente acha super esquisito e começam a me doutrinar, falando dos benefício da água", conta Luchini. Mas ele não está sozinho. Embora muitos não admitam, há um grande percentual de consumidores que simplesmente aboliram a água de seu dia a dia. "No meu caso, substituo com H2O!, refrigerantes com pouco gás ou sucos", acrescenta o engenheiro. É nessa substituição que a indústria de bebidas enxerga uma oportunidade de mercado.
Não há estatísticas de quantos consumidores não bebem água. Mas existem indícios de que sejam muitos. Conforme dados da Associação Brasileira da Indústria de Águas Minerais (Abinam), o brasileiro bebe em média 45 litros de água ao ano. Na Argentina, por exemplo, essa média é de 75 litros anuais. Na Espanha, 142 litros.
O total de lares no Brasil que compra água mineral regularmente -seja ela em garrafas ou em galão - é de 54%, segundo a Nielsen. Isso não significa, entretanto, que as pessoas dos 46% de lares restantes não tomem água (elas podem usar filtros ou beber água diretamente da torneira, por exemplo). Mas a preferência por bebidas com sabor fica mais nítida diante de outro dado: de todas as bebidas não-alcoólicas vendidas no país, só 10% é água, ainda de acordo com a Nielsen. Os outros 90% são bebidas doces, como sucos, néctares e refrigerantes.
"O brasileiro é acostumado desde a infância a tomar sucos, refrigerantes, chás e por isso muita gente não tem o hábito de beber água", diz a nutricionista Lívia Machado, da Blue Professional Marketing, que presta consultoria científica para empresas como a PepsiCo para o desenvolvimento de produtos.
"Desde o Império Romano há registros de que o ser humano busca maneiras de dar sabor à água", diz Luciana Fortuna, diretora de marketing da PepsiCo Bebidas, para quem o refrigerante de baixa caloria H2O! é uma opção quando o consumidor não é amigo de tomar água. "A recomendação médica é de dois litros de líquido por dia. Não precisa ser necessariamente água", diz ela. A empresa não divulga a participação de mercado do produto. Mas garante que desde 2006, quando foi lançada, a bebida é lider no segmento de refrigerantes de baixa gaseificação, com crescimento constante.
Outro produto que tem foco em pessoas que não tomam água é a Bonafont, água mineral da Danone, à venda no estado de São Paulo. "Fizemos pesquisas com consumidores na época do lançamento, em 2008, e vimos que uma parcela significativa das pessoas simplesmente não bebia água", diz Eduardo Galgliardi, diretor de marketing da Danone Águas. Com isso em mente, toda comunicação do lançamento de Bonafont, no final daquele ano, foi baseada no fato de a água ser mais leve (por ter menos sódio) e por isso mais fácil de ser consumida. Nesses dois anos, a Bonafont virou líder de mercado na Grande São Paulo, segundo a revista Supermercado Moderno, com base em dados Nielsen. A publicação, porém, não divulga percentuais regionais. Considerando o mercado de águas nacional, a Bonafont tem 5% das vendas.
A aversão à água, porém, não é um fenômeno brasileiro. Nos Estados Unidos, esse tipo de consumidor chama a atenção de grandes empresas. A Kraf, por exemplo, lançou no mercado americano o Mio, um "melhorador de água" em embalagem de bolso. Basta pingar umas gotinhas que a água ganha sabor e cor. Por enquanto, segundo a Kraft Foods Brasil, não há planos de lançar o Mio por aqui. A empresa até já tentou algo parecido. Em 2006, lançou o refresco em pó diet Clight em sachês de bolso, com a mesma intenção de uso e público alvo do Mio. Um ano depois a embalagem foi tirada do mercado. "O brasileiro tem vergonha de dizer que não toma água", afirma Gagliardi, da Danone.
Veículo: Valor Econômico