A Copa da Coca-Cola

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Por que a maior fabricante de bebidas do mundo vai investir US$ 14 bilhões no Brasil até 2016.
 

O mexicano José Octavio Reyes jamais esqueceu o dia 16 de março de 1990, quando desembarcou no Rio de Janeiro para assumir a diretoria de marketing da subsidiária brasileira da Coca-Cola. Naquele dia, a então ministra da Fazenda, Zélia Cardoso de Mello, anunciou o maior plano de confisco de ativos financeiros de que se tem notícia no planeta. Ninguém entendeu nada, muito menos Reyes, que, antes do Brasil, tinha passado sete anos em Atlanta, nos Estados Unidos, na matriz da corporação. O País ficou de ponta-cabeça, lembra Reyes, que permaneceu quatro anos no posto. Curiosamente, o seu primeiro ano, o do confisco, foi muito bom. A companhia cresceu e o lucro também. Depois, os três anos que se seguiram foram uma tragédia, um pior que o outro. “Tentamos de tudo para mudar esse quadro”, diz Reyes. “Nada deu certo.”

 
Reyes, mais conhecido como Pacho, na companhia, voltou para o México em 1994, frustrado com a experiência, cujos ensinamentos, no entanto, acabaram se revelando fundamentais para a virada que ele iria promover mais tarde nos negócios da marca no Brasil e em todos os países da América Latina. Hoje, a região que vai do sul do Rio Grande, na fronteira do México com os Estados Unidos, à Patagônia é a que mais consome os produtos da Coca-Cola no mundo, respondendo por 29% do volume das vendas, à frente da América do Norte (Estados Unidos e Canadá), com 22%. Nomeado, em 2002, presidente para a América Latina – hoje o segundo principal cargo de comando na Coca-Cola, abaixo apenas do CEO mundial, Muhtar Kent –, Reyes, casado, duas filhas, promoveu uma revolução no marketing e na estratégia comercial da empresa e é o principal responsável pela estratégia que levou a região da posição de terceiro  maior mercado à primeira do mundo Coca-Cola, em apenas cinco anos.
 
Nessa parte do planeta, o destaque é o Brasil, o quarto maior consumidor do xarope adocicado – abaixo apenas dos Estados Unidos, México e China. “As vendas da subsidiária estão em expansão ininterrupta há oito anos”, diz Reyes. Em 2011, atingiu sua maior marca em participação de mercado nos últimos 20 anos (leia o quadro ao final da reportagem). Com esse pano de fundo, é possível entender o entusiasmo de Reyes ao desembarcar em São Paulo, na semana passada, para anunciar o maior investimento da história da Coca-Cola em seus 70 anos de Brasil. Até 2016, a companhia vai investir R$ 14,1 bilhões por aqui, 50% a mais do que os R$ 9,4 bilhões desembolsados nos últimos cinco anos. Só em 2012 serão R$ 2,8 bilhões.
 
Com um largo sorriso no rosto, Reyes, que horas antes se reunira com os engarrafadores franqueados da marca, recebeu a DINHEIRO, na quinta feira 22, para uma entrevista exclusiva. Acomodado numa sala reservada no mezanino do sofisticado Hotel Hyatt, na zona sul da capital paulista, ele falou detalhadamente sobre o que fará com aquela dinheirama, base de sustentação dos planos da Coca-Cola para a Copa de 2014 e para a Olimpíada de 2016, eventos dos quais é patrocinadora oficial. Ele fez questão de dissociar a Coca-Cola dos deslumbrados de última hora. “Não descobrimos o Brasil agora que virou moda no mundo”, diz Reyes. “O País é uma parte fundamental da nossa vida, e é por isso que estamos investindo muito aqui.”
 
Bem-humorado, sem gravata e de terno cinza-claro, Reyes, 60 anos, nascido em Nuevo Laredo, no norte do México, formado em engenharia química com MBA em administração, deixou claro que, embora sejam eventos da maior importância, a decisão da empresa em dobrar as apostas no Brasil não decorre apenas da Copa e da Olimpíada. Segundo ele, o objetivo é que a Coca continue com pé no acelerador mesmo depois que a chama olímpica seja apagada. Os investimentos para o Brasil serão efetuados em diversas áreas, seja em marketing, com promoções e propaganda, seja em infraestrutura, com novas fábricas. Estão previstas mais três fábricas de refrigerantes – atualmente, a companhia possui 38, e mais três de chás, duas de sucos, uma de concentrados e três de água mineral.
 
Todas as novas unidades serão erguidas de acordo com o conceito de sustentabilidade batizado de “fábricas verdes”. São fábricas concebidas nos mais rígidos padrões de preservação do meio ambiente, com iluminação e ventilação artificiais, que economizam energia e reduzem a emissão de carbono e o consumo de água. Se depender de Reyes, o ritmo de investimento, de quase R$ 3 bilhões por ano será mantido ou mesmo aumentado  depois de 2016. Quase como um mantra, ele repete com regularidade: “Não há limite para crescer. Na América Latina e no Brasil, sabemos o que fazer e como fazer”, afirma, sem falsa modéstia. E o que se faz e como se faz? Esse mexicano, que fala português fluentemente, não se constrange ao dizer que foi o modelo de gestão adotado por ele que promoveu a virada na Coca-Cola nos últimos anos.
 
A empresa, líder em vendas de refrigerantes no País, chegou a alcançar impressionantes 60% de participação em 1991, mas estagnou em torno dos 50% entre 1997 e 2004. Nesse último ano, as populares tubaínas registravam 32,6% de participação. De lá para cá, porém, esse quadro mudou. A Coca-Cola se recuperou e marcou 59,4% no ano passado, praticamente voltando ao pico de 1991. A receita de Reyes pode ser dividida em quatro tópicos: ocasião, marca, embalagem e preço. Em resumo: não adianta cobrar um preço exorbitante por um refrigerante numa comunidade carente, mesmo em se tratando de Coca-Cola. Na década de 1990, a Coca-Cola cometeu uma série de erros. Primeiro, em decorrência, talvez, de um excesso de arrogância, ao ignorar o crescimento das tubaínas, e, depois, por ter travado uma guerra usando as mesmas armas do inimigo, que são as de centrar sua estratégia no preço.
 
Reyes garante que a companhia aprendeu com os erros e mudou seu método. O preço do refrigerante passou a variar dependendo da ocasião, da marca e da embalagem e do lugar. Numa comunidade carente, por exemplo, compra-se uma Coca-Cola de 200 ml por R$ 1, com embalagem retornável, enquanto no bar do Hyatt, o mesmo produto pode chegar a custar até R$ 5, dependendo da embalagem ou da hora em que é vendido. “O objetivo é que todos consumam a Coca-Cola”, afirma Reyes. “Seja a rainha da Inglaterra ou uma pessoa de uma comunidade carente.” O Brasil mudou muito desde o dia 16 de março de 1990, quando foi decretado o confisco da poupança, que deixou marcas até hoje em todos os brasileiros, incluindo Reyes, um apaixonado pelo Brasil.
 
Não se imaginava, naquela época, que o Brasil fosse atingir o estágio que chegou até agora, mas, como aconteceu com ele, o País acabou aprendendo com os seus próprios erros. Nada melhor do que estabilidade e transparência. Como lembra o próprio Reyes, o País mudou nessas duas décadas, e mudou para melhor. “Isso tem a ver com muitos anos de políticas corretas, com Fernando Henrique Cardoso, Lula e, agora, com Dilma, todos governos de continuidade, que deram consistência ao País”, afirma. Com isso, observa, a aposta bilionária da Coca-Cola faz todo o sentido, pois se ancora num ambiente propício aos negócios e ao crescimento das empresas. “Quando vim da primeira vez, ouvia sempre que o Brasil era o país do futuro, e não suportava ouvir isso”, diz. “Hoje, o Brasil é o país do presente e tem tudo para dar certo.”
 
 
“Não descobrimos o Brasil agora”
 
José Octavio Reyes, o “Pacho”, segundo homem na hierarquia da Coca-Cola mundial, fala sobre a importância do País para a companhia de Atlanta:

 
Quais são as perspectivas da Coca-Cola no Brasil?
O nosso negócio tem um sistema que adotamos no Brasil, que é o da convicção de que não há limite para o crescimento. Pelo menos, um limite visível. Sempre dá para crescer muito mais.
 
O que explica a América Latina ser a região com o maior volume de vendas da Coca-Cola?
Normalmente, quando se fala em companhias multinacionais, nenhuma delas tem 30% do faturamento, como a Coca-Cola. Pode perguntar à Nestlé e à Procter&Gamble, por exemplo. Na América Latina, sabemos como perseguir as oportunidades de mercado. Temos a estratégia correta. Há outras companhias, outros grupos que também sabem fazer, mas nem todos sabem como fazer. 
 
A crise na Europa e nos Estados Unidos ajudou a Coca-Cola nesse crescimento da América Latina?
Engraçado, não era a América Latina que estava sempre em crise? A crise da Europa e dos Estados Unidos ajudou pouco. Felizmente, a Coca-Cola continua crescendo na Europa. Não no mesmo ritmo que aqui, mas continua crescendo.
 
O que é mais sensível, preço ou marketing?
Não acho que seja questão de preço ou marketing. Só acredito em marketing com M maiúsculo. Marketing é mais do que filme, propaganda, publicidade, promoção... É tudo isso, mas é muito mais também. A Coca-Cola é uma companhia de marketing, e não de propaganda.
 
O sr. tem algum hobby?
Gosto de ler. Sou leitor compulsivo. Leio tudo, menos livro de negócios. Agora, por exemplo, estou lendo o livro Suíte Francesa, da escritora russa Irène Némirovsky. Recomendo muito.
 
Algum esporte?
Já joguei tênis. Hoje, faço um pouco de jogging. No fim de semana, gosto de ir ao teatro, ao cinema, jantar fora, vida normal. Gosto de vinho também. Mais do que vinho, só uma Coca-Cola.
 
O sr. toma quantas Coca-Colas por dia?
Uma, na hora do almoço.



Veículo: Isto É Dinheiro


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