Quando a PepsiCo anunciou que pararia de adicionar um óleo vegetal obscuro no Gatorade, um dos mais vigorosos elogios vieram de uma estudante que tinha assumido a supressão do ingrediente como sua missão. "Foi, tipo, 'Uau'," disse Sarah Kavanagh, de 16 anos, do Mississippi, que queria saber como um óleo que contém uma substância química encontrada também em produtos para combater incêndios entrou na composição de sua bebida esportiva favorita. Depois que ela postou uma petição no site de abaixo-assinados Change.org pedindo que a Pepsi o suprimisse, mais de 200 mil pessoas aderiram. "Eu só queria ter certeza de que era algo que eu poderia beber [com segurança]", disse a adolescente.
De óleo no Gatorade à quantidade de cafeína em bebidas energéticas e ao denominado "lodo rosa" [pasta processada encontrada em produtos de carne], ingredientes antes despercebidos estão passando por um crivo rigoroso, à medida que consumidores preocupados com a saúde exigem mais informações sobre o que comem e bebem, e muitas vezes se manifestam publicamente em redes sociais e na internet.
Então como é que coisas como essas entram em nossos alimentos? A agência fiscalizadora de alimentos e medicamentos dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês) avalia a maioria dos aditivos alimentícios antes de chegarem ao mercado. Mas algumas substâncias podem driblar o processo, se forem consideradas "amplamente reconhecidas como seguras" pelo governo ou pela indústria alimentícia e peritos que ela contrata.
Consideremos a história do Gatorade. Criado em 1965 na Universidade da Flórida para ajudar jogadores de futebol a se manterem hidratados no calor, o Gatorade foi um sucesso imediato. Em 1969, uma empresa privada adquiriu os direitos de comercialização e começou a adicionar óleo vegetal bromado (BVO) em uma nova versão sabor laranja, para evitar a separação da substância aromatizante do líquido. Naquela época, o óleo foi incluído em uma lista de aditivos e conservantes que o governo americano chama de "amplamente reconhecidos como seguros" (GRAS, na sigla em inglês).
A designação GRAS cristalizou-se, mais de meio século atrás, como uma forma de ajudar a indústria de alimentos a evitar demoradas avaliações para ingredientes considerados por especialistas como seguros nas condições de uso indicadas. Na época, a lista continha cerca de 180 substâncias, incluindo a vitamina A e o ácido cítrico.
Hoje há pelo menos 4,6 mil desses ingredientes "amplamente reconhecidos como seguros", segundo a ONG americana "Trusts Pew Charitable". Pelo menos 3 mil foram classificados como GRAS pelos fabricantes de alimentos ou por associações do setor e por seus especialistas científicos.
Mas ninguém sabe quantos ingredientes rotulados como GRAS são usados em produtos de consumo, porque os fabricantes não são obrigados a notificar a FDA antes de incorporá-los a suas fórmulas.
O BVO estava na lista "segura" quando a Stokely-Van Camp desenvolveu o Gatorade de sabor laranja em 1969. A FDA observa que o BVO contém muito menos bromo que os produtos químicos usados contra incêndios e é considerado seguro para uso em quantidades limitadas em bebidas aromatizadas. Ele está em bebidas como Fanta e Powerade.
O ingrediente, cujo uso como aditivo é proibido no Japão e na União Europeia, ainda permanecerá no Gatorade sabor laranja no segundo semestre, disse Molly Carter, porta-voz da PepsiCo, atual dona do Gatorade. Ela afirmou que a decisão de descartar o ingrediente foi provocada por protestos de consumidores durante o ano passado, e não especificamente pelo abaixo-assinado de Sarah.
"Embora nossos produtos sejam seguros, estamos fazendo essa mudança, porque sabemos que alguns consumidores têm uma percepção negativa da presença de BVO no Gatorade", afirmou Carter em um comunicado.
Em 1958, o Congresso introduziu os ingredientes "amplamente reconhecidos como seguros" na legislação. Nos anos seguintes, a FDA acrescentou substâncias a essa lista após analisar argumentos científicos. Como isso se revelou um processo demorado, em 1997, a FDA passou a permitir que a indústria de alimentos a notificasse voluntariamente sobre ingredientes que considera seguros, apresentando pesquisas publicadas e opiniões de especialistas. Nem todas as companhias agem assim. Desde 1997 a FDA recebeu 451 notificações e a agência discordou da sustentação científica em 17 casos.
Entidades representativas do setor dizem que o processo economiza dinheiro do governo e estimula inovações, ao reduzir a burocracia. Representantes da indústria também dizem que os fabricantes têm todo o interesse em tornar seus produtos seguros.
Se a FDA suspeita que um ingrediente rotulado como GRAS é danoso à saúde, o governo pode agir após o produto ser lançado no mercado, mas a agência não monitora quantas vezes isso aconteceu. Em 2010, a agência enviou cartas de advertência a quatro fabricantes de bebidas alcoólicas cafeinadas populares, declarando que a cafeína é insegura em bebidas alcoólicas. Sob a ameaça de apreensão dos produtos, as empresas cessaram a produção desses itens.
Os consumidores também podem pedir à FDA que remova um ingrediente da lista "segura", mas relatório da Controladoria do Governo (GAO, na sigla em inglês) mostrou que esses pedidos podem levar anos para ser analisados.
Michael Taylor, vice-comissário da FDA para alimentos, disse que, em sua avaliação, o programa funciona bem, mas é hora de considerar sua atualização para assegurar que as comprovações de segurança reflitam o conhecimento científico mais recente.
Taylor disse que durante o próximo ano a FDA poderá publicar novas portarias detalhando como as empresas devem comprovar a segurança de ingredientes, mas notou que seria necessário uma lei aprovada pelo Congresso para obrigá-las a abrir toda a informação de que dispõem.
A reitora de saúde pública da Universidade George Washington, Lynn Goldman, que em 2011 estudou o programa GRAS a pedido da FDA, acredita que deixar para as empresas a avaliação de seus próprios ingredientes implica em risco de distorções científicas. "O público deveria poder confiar que a FDA possa dar alguma garantia de que a segurança de nossa alimentação não é simplesmente determinada pela indústria", disse ela.
Carl Keen é catedrático de nutrição do desenvolvimento na Universidade da Califórnia, em Davis, um cargo financiado pela Mars. Nessa posição, Keen desenvolve novos ingredientes para a gigante do setor de doces, e suas pesquisas descobriram que certos nutrientes no pó de cacau podem reduzir os riscos de doenças cardíacas.
Ele e outros cientistas que estudam alimentos disseram que o procedimento para inclusão na categoria GRAS é uma maneira eficiente de obter novos aditivos benéficos para os consumidores e que as empresas aplicam os mais elevados padrões de segurança. "O consumidor médio diz que as pesquisas da indústria contaminam o sistema", disse ele. "Mas se você os indagar se o governo deveria ser o responsável por pesquisas sobre os benefícios do chocolate e do cacau para a saúde, eles provavelmente responderão negativamente".
Veículo: Valor Econômico