A cachaça se tornou aposta das multinacionais do setor de destilados, que investem na compra de marcas ou na associação com produtores brasileiros. A estratégia das companhias é tornar a pinga um produto sofisticado, consolidar posição no mercado interno e, no futuro, investir na exportação.
O movimento mais recente foi do grupo espanhol Osborne, que em junho comprou, por valor não informado, 50,1% da brasileira Natique, dona da cachaça Santo Grau e da bebida Xiboquinha. Foi o maior investimento da companhia na América Latina.
Os espanhóis seguem o caminho trilhado por grandes fabricantes de bebidas. A britânica Diageo comprou a Ypióca em 2012; a italiana Campari comprou a Sagatiba em 2011; e a americana Brown-Forman tem distribuição exclusiva de Santa Dose desde o começo do ano e contrato com opção de compra em 2014. A francesa Pernod Ricard tem as cachaças Janeiro e São Francisco.
Segundo a consultoria Euromonitor, as vendas de cachaça somaram US$ 7,54 bilhões (cerca de R$ 15 bilhões) em 2012, queda de 10,4% sobre 2011. Em volume, a queda foi bem mais suave, de 1,09%, para 902 milhões de litros.
A consolidação do mercado de cachaça é tendência que deve seguir nos próximos anos, dizem os executivos do setor. "Os rótulos importados ainda ficam muito longe da população por causa dos impostos de importação no Brasil. Apenas 6% do volume de bebidas quentes [alcoólicas, exceto cerveja] vendidas no país é importado", diz Carlos Peralta de las Heras, diretor da Osborne.
A cachaça é também oportunidade de exportação. Neste ano, o setor conquistou o reconhecimento de origem brasileira, um "certificado" que classifica de cachaça a bebida que segue regras de produção em território nacional - a exemplo de champanhe, na França, e tequila, no México. O reconhecimento foi feito pelos Estados Unidos e valoriza a cachaça, que até então entrava no país como "rum". Em troca, o Brasil reconheceu o uísque americano, como o Jack Daniel's, da Brown-Forman. Os produtores agora trabalham pelo reconhecimento da cachaça por China e Panamá.
"Pensamos na internacionalização das nossas marcas", diz o presidente da Natique, Luis Henrique Munhoz. Ele é um dos fundadores da empresa e vai seguir no comando da operação. O espanhol De las Heras está preparando sua mudança para o Brasil e também vai comandar a expansão da Natique.
As tarifas de importação no Brasil devem permanecer altas durante a próxima década e por isso, a compra de 50,1% da Natique é estratégica para a Osborne, diz De las Heras. Segundo ele, os impostos na Espanha foram reduzidos nos anos 80, e, na época, 80% das bebidas consumidas eram nacionais e 20% importadas; hoje 70% são importadas e 30% nacionais. A transição demora, diz ele, e por isso a melhor maneira de vender no Brasil é via empresas instaladas aqui.
A entrada das multinacionais no segmento acelera uma mudança no perfil da cachaça. Elas investem para diferenciar rótulos artesanais e mais caros dos industriais e populares, e tentam fazer a bebida entrar em "moda" e ser "premium". Para isso trabalham preço, posicionamento e imagem.
A Diageo atua de maneiras diferentes com a Nêga Fulô, artesanal, e a Ypióca, industrial, comprada no ano passado por R$ 900 milhões. Foi a aquisição mais cara da Diageo no Brasil e a maior envolvendo fabricante de cachaça. O ator americano John Travolta é o garoto-propaganda da Ypióca. A Ypióca tem escala de produção maior e preço menor que os da Nêga Fulô.
A Diageo tem a meta de aumentar as vendas totais na região que engloba Brasil, Paraguai, Uruguai para 1 bilhão de libras até 2017. Em 2012, vendeu 600 milhões de libras na área. A estratégia está baseada em quatro pontos e um deles é justamente vender Ypióca - o objetivo da empresa é liderar o movimento de sofisticação da cachaça no país. A Diageo informou em novembro que iria aumentar a capacidade de produção da Ypióca até o fim de 2013.
Os outros três pontos são o "crescimento agressivo em categorias chave" (a Diageo é líder em uísque, com a marca Johnnie Walker, e em vodca, com a Smirnoff); "atingir a classe média emergente" e acelerar a venda de produtos "super premium" (como a vodca Ketel One). O Brasil é o segundo maior mercado da vodca Cîroc, considerada "ultra premium" pela Diageo.
A oportunidade para a Osborne no Brasil está exatamente na sofisticação da cachaça, diz De las Heras. Ele não abre o valor do negócio; diz apenas que a verba saiu do caixa da empresa. Na aquisição, o capital de giro da Natique equivalia a 1,7 vez o Ebitda, e os contratos foram incluídos na negociação. A Osborne estuda aquisições nos Estados Unidos e na China.
A Sagatiba, comprada em 2011 pela Campari por US$ 26 milhões, ajudou a elevar as vendas da italiana no Brasil desde então. O objetivo é "desenvolver cachaça premium nacional de reconhecimento internacional", segundo a empresa. A campanha publicitária atual ensina o consumidor a misturar a bebida com outros ingredientes, além do limão e açúcar para caipirinha.
Veículo: Valor Econômico