Com seu frescor e paladar frutado, a sauvignon blanc vem cada vez mais conquistando a preferência dos consumidores. Foi sobretudo graças a ela que a Nova Zelândia ganhou destaque no cenário vinícola internacional, ainda que, a bem da verdade, a recíproca seja verdadeira - a casta entrou na moda empurrada pelo padrão peculiar dos vinhos ali produzidos. Reconhecidamente sedutor, o estilo desses brancos neozelandeses, e de outros tantos que neles se espelharam, peca, no entanto, pelo excesso de frutas, dando até impressão de um certo toque adocicado. Falta-lhes a elegância que, salvo exceções, sobra nos produzidos no Alto Vale do Loire, especialmente nas A.O.C. Sancerre e Pouilly-Fumé. É o foco da coluna hoje, que dá sequência à série iniciada semana passada que contempla o Vale do Loire, região conhecida como "Jardim da França".
Oriunda, ao que tudo indica de Bordeaux, onde ela, combinada à semillon, dá origem aos melhores brancos locais, a sauvignon blanc migrou para o centro do país, beneficiando-se de um clima continental, menos úmido, e do solo basicamente calcário, entremeado vez ou outra por fragmentos de rocha de diversos tipos - sílex e marna e outros - e de conchas fossilizadas, como acontece em Chablis, que fica pouco distante dali. A rigor, a palavra chave na região é sílex, lascas bem dura de rocha que propiciam a mineralidade que caracteriza os melhores vinhos da zona. É o toque de personalidade e elegância que dificilmente se encontra em outros sauvignons. A propósito, o propalado aroma mineral pode ser sentido roçando dois pedaços de sílex - emana um odor que lembra pedra de isqueiro.
Vizinhas e separadas pelo rio Loire, Sancerre e Pouilly-Fumé -não confundir com Pouilly-Fuissé, denominação de origem do sul da Borgonha, e, como tal, elaborado com chardonnay - estão, na realidade, recuperando nos últimos tempos um prestígio que haviam de certa forma perdido. A explicação é sempre a mesma: descaso com a qualidade - "liga o piloto automático e vamos em frente". Era preciso sangue novo, uma nova geração. E ela assumiu, capitaneada por Didier Dagueneau no início da década de 80.
Nascido em 1956 em St Andelain, coração de Pouilly-Fumé, Dagueneau sempre teve um caráter meio rebelde. Após desavenças com a família, resolveu produzir um sauvignon blanc melhor que o deles. Depois desse primeiro passo, que não foi tão difícil de conseguir, ele decidiu elaborar o melhor sauvignon blanc do mundo. Ganhou também essa batalha. Seus vinhos são a mais pura expressão da casta e sabia como ninguém interpretar o terroir da região. É uma virtude tão rara quanto imprescindível quando se trata dessa variedade de uva.
Didier Dagueneau serviu de incentivo para outros produtores da região. Estes, agora, terão de seguir seu próprio caminho; Didier morreu em setembro último de um acidente de ultraleve, antes de completar o que seria sua 26ªcolheita.
O Alto Vale do Loire não se resume a Sancerre e Pouilly-Fumé, ainda que elas sejam, com justiça, as melhores Denominações de Origem da região. Menos conhecidas, mas com brancos bem interessantes está, por exemplo Menetou Salon, que um amigo de longa data insiste em afirmar ser a combinação ideal para salmão defumado - foi uma das muitas coisas que aprendeu no período em que foi obrigado a morar na França, nos anos 70. Não o enganaram de todo, essa não é uma prerrogativa apenas dos Menetou-Salon, AOC vizinha a Sancerre. Na verdade todos os (bons) brancos elaborados com sauvignon blanc fazem boa parceria com salmão defumado, assim como são os vinhos mais indicados para acompanhar queijos de cabra.
Veículo: Valor Econômico