Diante da maior crise econômica global dos últimos 70 anos, que no Brasil dá sinais de arrefecimento, o engenheiro João Castro Neves, há sete meses na direção-geral da AmBev , a quinta maior cervejaria do mundo, está "cautelosamente otimista". A combinação de dólar mais barato, aumento do salário mínimo e inflação menor dos alimentos melhorou o cenário para 2009. "Mas não queremos relaxar. Vamos continuar atentos", disse Neves, ontem ao Valor.
Adepto da política de gestão enxuta, Neves, que começou no mundo da cerveja há 13 anos, na Brahma, continuou cortando gastos assim que assumiu a AmBev, com operações no Brasil e em mais 13 países nas três Américas. O ajuste, que incluiu o fechamento da unidade de Mogi Mirim (SP) em fevereiro, ajudou a empresa a aumentar a produtividade das fábricas em 10% neste ano.
Mas o ano não está trazendo só motivos para comemorar. No fim de junho, a empresa foi multada em R$ 352,7 milhões pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) - a maior já aplicada pela autarquia. A empresa vai recorrer da decisão (ver ao lado).
Além de apertar o cinto e aumentar a produtividade, Neves conta que sua receita para enfrentar um cenário econômico, que se delineava adverso no fim do ano passado, baseia-se em um terceiro pilar: inovação. A empresa tem investido em novas embalagens, como a garrafa de 1 litro e a lata menor, de 269 ml. "Vimos que a Coca e a Pepsi lançavam produtos mais de acordo com o bolso do consumidor e começamos a desenvolver um projeto de novas embalagens para cervejas".
Neves está estudando o "barrilzinho", formato que tem impulsionado o desempenho da Heineken no Brasil, que lançou um modelo de 5 litros. A AmBev também lançou nos mercados paulista e mineiro, responsáveis por 40% das vendas no Brasil, a Antarctica Sub Zero há um mês. Trata-se de uma cerveja duplamente filtrada a 2ºC negativos o que, segundo a companhia, resulta em uma bebida "mais suave e refrescante". Os lançamentos fazem parte de uma tendência iniciada há cerca de 3 anos na indústria nacional de cerveja, que ficou mais de um século praticamente sem novidades, observou Milton Seligman, diretor de Assuntos Corporativos da AmBev.
Neves conseguiu colher resultados positivos no primeiro trimestre, com aumento de 17% na receita líquida, de R$ 5,6 bilhões e de 32% no lucro, para R$ 1,6 bilhão. O balanço do segundo trimestre deve ser anunciado na próxima quinta-feira. Depois de encerrar 2008 com um recuo de 0,3 ponto percentual em sua participação de mercado, a companhia conseguiu recuperar-se nos primeiros cinco meses deste ano. De acordo com dados Nielsen, a empresa tinha, em maio, uma fatia de 68,3% (uma alta de 1,3 ponto percentual sobre janeiro). A rival Schincariol, segunda colocada no ranking do setor, foi a que mais perdeu espaço no período, ficando com 12,3% das vendas. Em seguida vieram Petrópolis, com 9,7% e Femsa, com 7,6%.
Em relação aos investimentos previstos para o ano (em torno de R$ 1 bilhão), a AmBev antecipou parte do projeto da nova fábrica em Sete Lagoas (MG), funcionando há um mês, mas que será inaugurada oficialmente em novembro. A linha de cerveja em lata, que entraria em operação na unidade apenas em junho de 2010, agora será iniciada em novembro. Os investimentos nessa fábrica deverão totalizar R$ 350 milhões até 2013. Por outro lado, a companhia adiou o início das operações da nova maltaria em Passo Fundo (RS) para o segundo semestre de 2010. No anúncio do projeto, em junho do ano passado, a AmBev previa iniciar as operações no segundo semestre de 2009.
Neves, que se considera um "cariúcho" - carioca, ele é casado com uma gaúcha -, deixou o comando da operação da AmBev na Argentina, onde ficou por dois anos, satisfeito. Apesar de ter enfrentado um governo que controlava fortemente os preços e sindicatos aguerridos, comemorou um crescimento expressivo de vendas, com distribuição recorde de bônus à equipe.
Responsável por administrar cerca de 40% da receita global da AB-InBev, a maior cervejaria do mundo, Neves diz que a preocupação de a dívida de US$ 52 bilhões, decorrente da aquisição da Anheuser-Busch pela InBev, não ser paga não existe mais. A AB-InBev, diz ele, vem conseguindo refinanciar pedaços do débito para pagamentos em 2010 e 2011 e continua vendendo ativos. "Hoje o mercado olha a velocidade de queda do nível de alavancagem da empresa."
A compra da Anheuser trouxe a cerveja Budweiser para o portufólio da empresa. Mas não será já que o consumidor verá "Buds" em grande quantidade nas gôndolas. Antes da fusão com a Brahma, a Antarctica havia tentado por duas vezes colocar no mercado brasileiro a estrela da Anheuser-Bush, sem sucesso. "O momento era outro, o consumo de cerveja importada era muito pequeno e a renda per capita era menor", diz Neves, que não tem pressa para fazer isso. A marca completaria o portifólio, mas não há intenção de que ocupe o espaço das outras já consolidadas, como a líder de mercado Skol.
Na Argentina, mercado que também fica sob o guarda-chuva da AmBev (além das operações da Labbatt, no Canadá), a compra da Anheuser criou uma situação insólita. Lá, a Budweiser é do concorrente. O grupo chileno CCU tem contrato de licença e distribuição exclusivas da Bud no mercado argentino até 2025, num acordo anterior firmado com a Anheuser. A AmBev, por meio de sua controlada Quinsa, é líder de vendas com a Quilmes.
Embora admita que haja conversas com o grupo CCU, a AmBev não vê possiblidade de mudanças no contrato no curto prazo. O grupo CCU também tem os direitos sobre a marca no Uruguai e no Chile. No mercado sul-americano, a companhia conseguiu negociar os diretos de distribuição da marca Bud no Paraguai, que pertenciam a um operador local.
Companhia já pode recorrer da multa
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) do Ministério da Justiça publicou na edição de ontem do "Diário Oficial da União" o acórdão (resumo da decisão) da multa de R$ 352 milhões que foi imposta contra a AmBev. A empresa terá 15 dias para recorrer ao Cade ou diretamente à Justiça.
Para apresentar o recurso a AmBev terá de apresentar uma fiança bancária com o valor da multa ou fazer um depósito desse valor numa conta em separado na Justiça. A multa foi aplicada em 22 de julho, quando o Cade concluiu, por unanimidade, que a AmBev usou um programa de fidelização de pontos do varejo, como bares, para impor a exclusividade de suas marcas. Foi a maior multa já aplicada pelo Cade. O valor foi calculado tendo como base o faturamento da AmBev em 2003, ano anterior ao da abertura de processo administrativo contra a empresa. Ele equivale a 2% do faturamento naquele ano. As multas do Cade variam entre 1% e 30% do faturamento das empresas.
A AmBev informou a intenção de recorrer no mesmo dia em que foi realizado o julgamento. Negou que o programa de fidelização "Tô Contigo" tivesse a intenção de obter a exclusividade de suas marcas, como Skol, Brahma e Antarctica, nos pontos de venda. Durante o julgamento, o advogado Gabriel Dias, que defendeu a AmBev, argumentou que se trata de um "programa de milhagem", pelo qual os pontos de venda acumulavam pontos junto à empresa. Mas, os conselheiros do Cade entenderam que o "Tô Contigo" prejudicou a concorrência e o consumidor.
Veículo: Valor Econômico