Um sucesso com novo rótulo

Leia em 6min 10s

Domingos Soares Franco, o enólogo e produtor de vinho português, passou por São Paulo esta semana para apresentar a safra 2005 do tradicional Periquita, que aparece com rótulo novo depois de décadas, e a segunda leva do Periquita Reserva, uma novidade de 2004. Soares Franco é um europeu com idéias diferentes. Tem uma posição de vanguarda, de crítico do produto tradicional. Acha que o vinho europeu está desatualizado e aposta nos produtos do Novo Mundo. E por isso, por incomodar, muitas vezes é criticado no Velho Continente.

 

"Um designer sueco refez o rótulo para nós. Tiramos o tom envelhecido do fundo e passamos a usar o branco. O vermelho ficou mais vivo na boca da garrafa e na borda do rótulo. E o nome da casa, agora, fica numa faixa vermelha, separada do rótulo. Fizemos isso para associar o Periquita à casa José Maria da Fonseca, pois muita gente não fazia esta ligação", conta Soares Franco. O rótulo do Periquita Reserva, um vinho desenvolvido por ele mesmo, com mais jeito de vinho do Novo Mundo, para um público novo, tem um rótulo menor, com o fundo branco, a tarja em dourado, e um formato de garrafa ligeiramente diferente, mais elegante.

 

Soares Franco é a sexta geração de proprietários da vinícola José Maria da Fonseca, fundada em 1834 e que desde 1850 produz o Periquita, com uvas castelão. Quase perderam a marca, nas décadas de 60/70 do século passado, quando os produtores portugueses começaram a usar o nome Periquita para designar a uva. Nos anos 90, conseguiram na União Européia, em Bruxelas, que os produtores fossem proibidos de usar sua marca, que voltou a ser exclusiva.

 

Outra novidade da safra 2005: o Reserva passa a ser numerado. Foram feitas dele cerca de 1,3 milhão de garrafas. O sucesso da primeira safra, de 2004, lançada no ano passado, foi imediado. "Pensávamos vender cerca de 50 mil garrafas, e vendemos sete vezes mais", conta o enólogo.

 

Ele explica: "Desenvolvi o Reserva para substituir o Clássico. Mas é um produto completamente diferente do Periquita e do Clássico. Tem uma pegada mais moderna, contemporânea. Fiz um vinho à minha maneira, mais parecido com o que se faz no Novo Mundo, mantendo a identidade portuguesa", descreve o produtor. E avisa: "O Periquita vai pelo mesmo caminho, mas muda aos poucos, para respeitar o mercado".
Qual seria a diferença entre os produtos do Velho e do Novo Mundo? "Os enólogos do Novo Mundo são mais inovadores, proativos. Eles vão na frente e o consumidor segue atrás. Ao contrário da Europa, que está com os olhos voltados para 30 anos atrás. Os novos vinhos são mais limpos, menos frutados, com menos presença de madeira e álcool. Mais harmônico. O Reserva vai por este caminho. O vinho tem de acompanhar a evolução gastronômica. E hoje fala-se muito em harmonização. Antes, escolhia-se o vinho primeiro. Hoje o vinho acompanha o prato, complementa. Sem falar que hoje há liberdade para se escolher o que vai com o branco e com o tinto", explica Soares Franco.

 

Domingos Soares Franco estudou na Califórnia nos anos 70. E voltou a Portugal com essas novas idéias. No começo, o olhavam com muita desconfiança. Faz até careta ao lembrar: "Me perguntavam, brincando, como ia o meu vinagre! Hoje a Europa se rende ao Novo Mundo. Há vinhos novos sendo produzidos com esta mentalidade. A Áustria, por exemplo, que sempre foi produtora de vinhos brancos, passou a ser produtora de tinto com jeito de Novo Mundo. Em compensação, há países como a França, que não aceitam as novidades, e hoje não conseguem vender tudo o que produzem. Não evoluíram e estão saindo do gosto do mercado" , garante ele. E esse Novo Mundo vai até onde? "É tudo o que não é Europa. Por exemplo, o melhor vinho que tomei na vida é australiano." Quero saber se a irrigação das vinhas do Novo Mundo faz diferença. Ele me esclarece um dogma: "Água tem de ser a conta-gotas. A vinha precisa de um estresse hídrico, ela tem de ter sede para que suas raízes desçam em profundidade. O Novo Mundo aprendeu isso rápido".

 

Os números impressionam. A empresa José Maria da Fonseca faturou, no ano passado, 25 milhões de euros, e em 2008 pretende faturar 2 milhões a mais, sendo que o Periquita, sozinho, representa 30% desse valor. A safra de 2005, que está sendo comercializada agora, produziu cerca de 4,2 milhões de garrafas do Periquita. O Periquita branco, do qual está sendo vendida a safra 2007, tem 85 mil garrafas no mercado. "O Periquita branco foi criado exatamente para separar o nome da uva castelão." Um vinho Periquita chega ao mercado europeu por ótimos preços, apesar da tradição: cerca de 4 euros. O Reserva custa o dobro. O que é nada perto de outros produtos da mesma vinícola, como o Exagon, ou o Fernando Soares Franco (uma homenagem de Domingos a seu pai) que vai às lojas por cerca de 80 euros, para pode ser encontrado até a 250 euros. "Assim mesmo, tem um ótimo preço/benefício, pois concorre na mesma faixa de vinhos europeus muito mais caros", garante o produtor.
Quem compra? "A Suécia é nosso maior mercado. O Brasil é o segundo. Os Estados Unidos, o Canadá e a Holanda também são um mercado importante para nós. A Inglaterra é zero. A Itália e a Espanha consomem muito nosso vinho rosé, da marca Lanças.

 

Soares Franco conta sobre uma tradição de sua família, que tem cerca de um século: um almoço anual, feito à base de favas guisadas e uma sopa de ervilha com pão, chouriço e ovos, receita de sua avó, para o qual são convidados fornecedores, clientes, autoridades, o mercado. "Fazemos em nossa casa familiar, na propriedade do Azetão, ao sul de Lisboa. Só suspendemos a festa em 1974/75, por causa da Revolução dos Cravos." Conta também da Confraria do Periquita, formada há cerca de dez anos, que não tem mais de 120 membros no mundo todo. A cada ano são convidados não mais de 10 novos membros. No Brasil, são membros Hebe Camargo, Fafá de Belém, Sonia Braga, Carlos Cabral, Walter Celli e a sommelier Alexandra Corvo, entre outros. Rubem Fonseca foi convidado, já que eternizou o Periquita em suas páginas, mas passou a honra ao filho cineasta José Henrique Fonseca, que filmou o vinho na série Mandrake, para a HBO.

 

Finalmente, já que fala tanto do Novo Mundo, o que acha o enólogo Soares Franco dos vinhos brasileiros? "Estou espantado com a qualidade dos espumantes brasileiros, brancos e rosés. Acho que nesse momento é o melhor produto brasileiro. Mas sinto uma evolução nos tintos. Tudo positivo", analisa o produtor, que já está voltando para Portugal, porque lá estão no meio da vindimia. "Não devia nem estar aqui. Mas tenho uma equipe em que confio. Além do mais, percebi que quanto mais viajo para apresentar o vinho, mais as vendas crescem". Pois.

 

Veículo: Gazeta Mercantil 


Veja também

AmBev eleva fatia em agosto e Schin perde

Três das quatro maiores empresas de cerveja e refrigerantes do país apresentaram crescimento de vendas no m...

Veja mais
Brinde rosado

Para driblar a forte concorrência com os vinhos importados, a Aurora resolveu apostar no espumante rose.   ...

Veja mais
Duas pilsens com 'L' maiúsculo. De lúpulo

Se o estilo pilsen "de raiz" - nascido na cidade homônima da República Tcheca e caracterizado pela boa pres...

Veja mais
Atrás da sofisticação do simples

Em Rioja, Telmo Rodríguez quer reproduzir um vinho clássico tão radical que nunca existiu Numa ...

Veja mais
Vinho - Vale de Apalta, toda a força do terroir chileno

Palavra-chave em qualquer discussão sobre vinho é "terroir". Esta expressão francesa sem tradu&cced...

Veja mais
Setor de bebidas também pode ser atingido

Além da obrigatoriedade da instalação dos medidores de vazão para controle da produç&...

Veja mais
Paraná ameaça proibir comércio de cervejas long neck

Depois das sacolas plásticas de supermercados, o Ministério Público do Paraná e a Secretaria...

Veja mais
Uma boutique para os amantes de Clicquot

Amantes do champanhe Veuve Clicquot têm a oportunidade de viver experiência para além do brut de r&oa...

Veja mais
Miolo cria espumante para Pão de Açucar

O grupo Pão de Açucar encomendou à Miolo um espumante exclusivo, em edição limitada, ...

Veja mais