O Brasil revelou ontem na Organização Mundial do Comércio (OMC) que vai adotar iniciativas para o bem-estar de animais na produção e no transporte, reagindo a pressões crescentes de importadores. O Ministério da Agricultura preparou uma instrução normativa que recomendará boas práticas aos pecuaristas, incluindo "dieta satisfatória", transporte que reduza o "estresse" dos animais, e instalações adequadas para diferentes espécies. Com isso, o Brasil quer demonstrar que cuida bem dos animais e que, em decorrência, sua carne é segura.
A crescente exigência de bem-estar animal foi examinada ontem em seminário na OMC sobre o futuro do comércio mundial. Leis e regulamentação vêm sendo estabelecidas em vários países e certificações adotadas por empresas ao redor do mundo, em meio à crescente demanda de consumidores.
Uma exigência que surge agora, por exemplo, é de que o frango seja criado livremente. A Unilever decidiu que não vai mais comprar milhões de ovos de produtores do leste europeu para fazer maionese, porque a produção é em gaiolas. A americana Burger King também começou a comprar 5% de seus ovos e 20% da carne suína de produtores que não confinam os animais.
Nesse cenário, a iniciativa no Brasil para proporcionar o bem-estar animal em todas etapas, desde o nascimento até seu transporte, foi estimulada pelo próprio setor privado. Quando o setor faz isso, é considerado um "termômetro" da pressão no exterior sobre o modo de produção de carnes bovina, de frango, de suíno, além de ovos, peles, couro, mel e outros produtos envolvendo animais com finalidade comercial.
"Queremos sinalizar aos parceiros que melhoramos os nossos padrões, mas vamos fazer isso sem colocar em risco a capacidade econômica dos nossos produtores", afirmou Flávio Coelho Correa de Araújo, representante do Ministério da Agricultura, em sua apresentação ontem na OMC.
Ele mostrou que o Brasil, na verdade, tem desde 1934 legislação de proteção de animais. O decreto 24.645 de 1934 considera maus-tratos "conservar animais embarcando por mais de 12 horas sem água e alimentos" e prevê multas.
Uma entidade americana de proteção de animais, a Humane Society International, disse que 63 bilhões de animais foram criados para consumo humano em 2007. E denunciou que no Brasil, China e Índia, sistemas de proteção industrial de frangos e suínos substituem cada vez mais práticas de bem-estar. A advogada Sarah Stewart, da entidade, mencionou estudo segundo o qual os produtores na América Latina perdem US$ 2 por carcaça de boi, por não terem cuidado bem dos animais.
Na cena internacional, há duas visões sobre o tema. Os países ricos querem incluir nas regras da OMC o direito de dar subsídios para garantir o bem-estar animal. Além disso, com o tema nas regras da entidade, esses países poderiam acionar exportadores acusados de maltratar animais e fazer retaliações. Do outro lado, exportadores do Mercosul se recusam falar de subsídios. E só aceitam negociar o tema na OIE, a Organização Mundial de Saúde Animal, onde apenas existem recomendações e sempre por um consenso mais técnico.
Gustavo Idigoras, da Argentina, cobrou coerência dos países europeus, fazendo um vínculo entre bem-estar animal e barreiras comerciais. Disse que se a Europa realmente quisesse estimular exportadores, não cobraria enormes tarifas de importação que vão de 141% sobre a carne bovina e 93% sobre o frango. Um representante europeu retrucou que a Argentina não podia reclamar já que tem imposto restrições às exportações.
Veículo: Valor Econômico