A Sadia surpreendeu o mercado ontem ao anunciar, após o fechamento das bolsas, uma perda financeira de R$ 760 milhões com instrumentos derivativos de dólar. Informações de que outras empresas poderiam também registrar prejuízos circularam no mercado.
Em entrevista ao Valor o presidente da Sadia, Gilberto Tomazoni, informou que o diretor financeiro, Adriano Ferreira, foi destituído pelo conselho de administração ontem mesmo. No seu lugar assume interinamente Welson Teixeira Junior, diretor de controladoria e de relações com investidores.
De acordo com Tomazoni, Ferreira assumiu riscos cambiais acima dos autorizados pelo conselho de administração. Ele disse que a política da Sadia permite exposição líquida ao câmbio de no máximo US$ 1,8 bilhão, o equivalente a seis meses de faturamento com exportação.
No entanto, a empresa estava com exposição líquida de US$ 3,2 bilhões a US$ 3,6 bilhões. São levados em consideração para o cálculo as posições em opções, dólar futuro e os fundos aplicados no exterior.
"Temos uma política rígida de gestão de riscos e assim que soubemos do que estava acontecendo, exigimos o enquadramento imediato, o que levou ao desmonte das posições com câmbio e às perdas anunciadas", explicou o executivo.
De acordo com o presidente da Sadia, está em curso uma auditoria interna para apurar os responsáveis pelo prejuízo. A empresa diz que o prejuízo foi liquidado com caixa próprio e afirma que já obteve linhas de crédito para garantir a normalidade de suas operações.
Segundo Tomazoni, apesar das perdas financeiras, "a operação vai bem", com aumento de mais de 20% nas receitas no primeiro semestre. "Estamos abrindo quatro novas fábricas e, por causa de nossa solidez operacional é que resolvemos tomar atitudes imediatas e não deixar a empresa exposta a riscos excessivos", disse.
Com a alta do dólar, que passou do nível de R$ 1,80 no dia 11 de setembro, muitas empresas foram pegas de surpresa e passaram a ter de pagar altas margens de garantia em posições vendidas em dólar, o que começou a sangrar seu caixa e a liquidez do mercado interbancário. Foi justamente no dia 12 que a Sadia começou a desmontar suas posições. Neste mês, com o agravamento da crise de liquidez externa, o dólar subiu 11,44%. Ontem, caiu 1,93%, para R$ 1,8220.
Apesar de o anúncio ter vindo após o encerramento do pregão, os papéis fecharam na maior baixa do Índice Bovespa, com queda de 2%, num dia em que o indicador teve alta de próxima de 4%.
A perda sofrida pela companhia é superior ao potencial lucro líquido anual da empresa e deve deixar o balanço de 2008 no vermelho. De janeiro a junto, a companhia acumulava lucro líquido de R$ 334,7 milhões. Da receita bruta total de R$ 5,5 bilhões, 54% foi proveniente de exportações. A exposição em dólar das dívidas acompanhava essa proporção. Dos R$ 4,2 bilhões de dívida total, R$ 2,3 bilhões estavam expostos à variação cambial. No caixa, via-se a mesma divisão: no fim de junho, a companhia contava com R$ 2,0 bilhões em aplicações, das quais R$ 1,3 bilhão em moeda estrangeira.
A companhia é conhecida por ser agressiva em suas estratégias financeiras. No passado, boa parte dos lucros já foi obtida por aplicações financeiras.
A perda registrada com essa operação corresponde a praticamente metade do plano de investimento da companhia programado para este ano, de R$ 1,6 bilhão.
Até o anúncio desse prejuízo, a companhia comemorava o avanço do dólar, por ser uma forte exportadora. Mesmo antes da forte alta da moeda, provocada pelo nervosismo com a crise internacional, a empresa já tinha mais da metade do faturamento proveniente das vendas internacionais.
Especialistas afirmam, porém, que o ganho adicional que poderá ser obtido pela valorização do dólar será relativamente pequeno, sobretudo porque o último trimestre do ano é normalmente marcado pelo maior fôlego das vendas no mercado doméstico e desaceleração das exportações.
Em mercados externos importantes como a Rússia, por exemplo, há inclusive limitações físicas para o desembarque das cargas, em virtude do congelamento das águas de portos.
O anúncio da Sadia deu vida a temores que circulavam há semanas no mercado financeiro, desde o dólar disparou com a crise internacional. Muitas companhias teriam utilizado instrumentos pouco comuns para se protegerem da variação cambial, especialmente, a partir do começo do segundo semestre. Por isso, trata-se de um risco que o investidor não consegue medir pelos balanços do fim de junho.
O que poderia ser uma expectativa de ganho para as exportadoras tornou-se um temor. Os comentários são de que boa parte das perdas está concentrada justamente nas empresas com elevadas receitas em dólares, a exemplo do que ocorreu com a Sadia.
Veículo: Valor Econômico