Chegar do trabalho e cozinhar um javali ou porco do mato para o jantar não é um hábito contemporâneo. Difíceis de preparar, as carnes de caça não fazem parte ainda da rotina alimentar dos brasileiros. Mas o cenário deve começar a mudar.
Com o aval da gastronomia, espécies como queixada, paca, cateto, galinha d'angola e faisão entram aos poucos no cardápio de restaurantes sofisticados. E em breve também será possível encontrar essas carnes no varejo, como recheio de massas ou então de embutidos. Esse mercado ainda incipiente estimulou Gonzalo Barquero, em parceria com um amigo, a fundar a Cerrado Carnes Naturais, especializada na criação, abate, manipulação e distribuição de carnes de caça.
Pós-graduado em criação de animais pela universidade de Illinois, nos Estados Unidos, Barquero aproveitou a experiência adquirida em programas e projetos de conservação no cerrado brasileiro, junto com tribos indígenas, para transformar o conhecimento em negócio.
"A empresa nasceu em 2006, depois de eu perceber que existia potencial de mercado por ser algo pouco explorado no Brasil e, quando explorado, muitas vezes feito de forma inadequada", afirma o empresário.
Barquero estava certo. O volume de vendas de seus produtos dobrou em um ano e ele chega a comercializar 1,5 toneladas por mês. "Embora existam produtores, considero que não tenho concorrência no mercado pois nenhuma das marcas cuida da cadeia (de produção) inteira", explica. O grande trunfo da Cerrado, segundo ele, é oferecer diferenciais que agregam valor às espécies comercializadas. "Tudo é supervisionado, desde a alimentação até o manejo sustentável dos animais nas fazendas onde eles são criados."
O rigor no controle de qualidade garante produtos mais saudáveis, exigência atual do mercado e de chefs de cozinha. "As pessoas tinham resistência a esse tipo de carne por seu consumo não ser tão difundido no Brasil", afirma o chef Diogo Silveira, do Pomodori, restaurante localizado em São Paulo que há um ano inclui carne de caça no cardápio de sábado. "No início, vendíamos um ou dois pratos. Hoje chegamos a preparar quarenta."
A falta de familiaridade com espécies silvestres é explicável. No Brasil, a caça é uma prática proibida por lei desde 1965, o que sempre dificultou a difusão do consumo no País. "Mas toda nossa produção vem de criadores autorizados e fiscalizados pelo IBAMA (entidade do governo responsável pelos recursos naturais)", explica Barquero.
Expansão. Com o respaldo do conhecimento técnico, teórico e prático, Barquero vislumbrou a possibilidade de expandir a atuação da Cerrado para o varejo. "Procurei marcas que estão alinhadas com a nossa filosofia e propus parcerias", revela.
A primeira delas, com o Pastifício Primo, fábrica artesanal de massas com quatro unidades em São Paulo, vai permitir a venda de uma linha de produtos recheados com espécies silvestres.
"É uma carne complicada de trabalhar, exige conhecimento gastronômico, algo que a Cerrado oferece. A partir desse trabalho, de unir o que cada marca possui, desenvolvemos os produtos", explica Ivan Schiappacasse, proprietário do pastifício.
Outra marca a apostar em produtos que levam carne de caça à receita é o Rei da Linguiça. Com a empresa, a Cerrado já desenvolveu embutidos de javali e queixada. Para o final deste ano, as marcas lançarão patês e produtos que ainda estão sendo testados. "Finalizando o acabamento das linhas entraremos com força no varejo de São Paulo e depois do Brasil", finaliza Barquero.
Espécies como javali e queixada agradam a alta gastronomia e vão parar também nas gôndolas dos supermercados
Veículo: O Estado de S.Paulo