A lingüiça está tomando o lugar da picanha na grelha do brasileiro. Com a economia duvidosa e o preço da carne bovina subindo nos açougues, o brasileiro deu um jeito para continuar fazendo seu churrasco, sem comprometer o bolso: está comprando mais lingüiças.
Tanto é que a venda de carnes bovinas encolheu desde dezembro, segundo a Associação Paulista de Supermercados, que representa cerca de 1.000 estabelecimentos no estado. "A picanha está vendendo 10% menos. As carnes, em especial as para churrasco, estão muito caras", diz o vice-presidente da entidade, Martinho Paiva Moreira. Durante 2008, segundo o Índice de Preços ao Consumidor da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (IPC-Fipe), as carnes bovinas tiveram alta de 17,78%. No ano passado, o contra-filé subiu 11,63%, passando a custar R$ 16 o quilo. Somente entre novembro e dezembro, a picanha aumentou 12,02% e agora custa R$ 36 o quilo. As lingüiças, mesmo tendo subido 16% no ano passado, custam entre R$ 5 e R$ 10 o quilo, no máximo.
Com esse preço, o consumidor deixou os cortes bovinos de lado. "Estamos notando essa migração da carne para a lingüiça desde dezembro e mais forte agora, nessas duas primeiras semanas do ano, quando a procura caiu entre 5% e 7%", diz Roberto Moreno, diretor financeiro do Sonda, com 22 supermercados no Estado de São Paulo.
É justamente nesse período que se inicia a temporada de churrascos no Brasil, segundo a indústria de embutidos e carnes. "De dezembro até fevereiro o consumidor faz mais churrascos que nos outros meses do ano por conta do verão e das férias", diz Márcio Gonzalez, superintendente de marketing da unidade de carnes da Cargill, dona da Seara. Tradicionalmente, segundo ele, a Seara vende 10% mais lingüiças nesses meses. Mas este ano, com o consumidor fugindo das carnes caras, a demanda por lingüiças deve ficar 15% acima do que foi registrado nos mesmos meses de 2008. O mesmo deve acontecer na Sadia, que tem 20,2% de participação de mercado com as marcas Sadia e Rezende.
A boa notícia, para quem gosta de carne, é que neste verão as lingüiças estão menos gordurosas. A Seara, por exemplo, fez uma pesquisa com consumidores por quatro meses em 2008 e reformulou sua linha de embutidos frescos, colocando 12% mais carne nos produtos. Com essa mudança e mais ações de marketing nos pontos de venda, a empresa espera, em dois anos, dobrar sua fatia no mercado que hoje é de 6%. "Na lingüiças toscana, por exemplo, o teor de gordura caiu de 10% para 8%", diz Gonzalez.
Segundo a legislação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento que define a composição da lingüiça, a toscana - a preferida do brasileiro - deve ser feita apenas com paleta e pernil de porco. Esse tipo de lingüiça, apesar de ser a segunda mais cara, tem 80% das vendas dos embutidos suínos frescos, de acordo com dados da Nielsen. A mais cara, ou seja, a feita 100% de pernil, fica com 8% das vendas e a de lombo, com 0,2%. O restante corresponde à suína comum, ou seja, aquela feita 100% com carne de porco, mas sem especificação de que parte. "O brasileiro tem preferência pela melhor lingüiça. O comprador da mais simples é o do churrasquinho da esquina", diz o executivo.
Das vendas totais de lingüiça, a de suínos representa 70%, a de frango tem 28% e as temperadas (que misturam carnes de frango, bovinos e suínos na composição) ficam com 2% das vendas.
A preferência por uma lingüiça de melhor qualidade colabora para que esse tipo de embutido vá, cada vez mais, ganhando espaço no cardápio do brasileiro, segundo Guilherme Chueiri, gerente de produto da Perdigão. "Mesmo fora do período de churrascos, as vendas vão continuar crescendo porque cada vez mais o brasileiro está usando o produto como mistura", diz o executivo. Tanto é que a Perdigão, dona de 10,5% da preferência do consumidor, teve aumento de vendas (em volume) de 11% no ano passado e projeta mais 5% neste ano. A Seara cresceu 15% no ano passado e espera continuar nesse ritmo. O mercado como um todo, segundo dados da Nielsen, cresceu 8% no ano passado e chegou a 260 mil de toneladas, com faturamento de R$ 2,6 bilhões.
A única coisa que está deixando as empresas reticentes neste ano não é a crise, mas a reforma ortográfica. Nem Sadia, Perdigão ou Seara definiram quando irão adotar a regra que tira o trema da lingüiça. Todas as marcas ainda estão estudando quanto essa pequena mudança pode custar.
Veículo: Valor Econômico