A Sadia admitiu ao Valor que pode receber uma injeção de capital em breve, da ordem de R$ 1 bilhão, para equilibrar as necessidades financeiras da companhia, afetada desde setembro por perdas com derivativos cambiais. "Essa faixa de valor seria razoável. Menos do que isso não resolve", afirmou Welson Teixeira, diretor de relações com investidores da companhia. A fonte dos recursos pode ser o BNDES. De acordo com o executivo, a empresa vem sendo procurada por vários investidores e há conversas em andamento, inclusive com o banco de fomento. "O BNDES é uma oportunidade", disse ele, lembrando que a instituição tem participação em outras companhias do setor, como o frigorífico JBS Friboi e Marfrig.
O executivo concedeu entrevista para explicar o atual cenário da empresa. Desde a semana passada, as ações da Sadia na bolsa estão refletindo o receio dos investidores sobre os efeitos dos derivativos nos resultados do quarto trimestre e na solvência da companhia.
Relatório do Bank of America Merrill Lynch, enviado a clientes na segunda-feira, demonstra preocupação com a liquidez da empresa e com o risco de uma eventual insolvência em junho deste ano, caso a companhia não consiga refinanciar parte de seus contratos. "A situação de liquidez atual está em risco uma vez que o caixa disponível pode secar até junho se a companhia não for capaz de refinanciar algum de seus débitos de curto prazo", escrevem João Carlos dos Santos, Renato Mimica e Alexandre Pizano, em relatório.
Questionado sobre essa perspectiva, Teixeira, da Sadia, disse que esse quadro "é praticamente improvável". Ele enfatizou que a insolvência só ocorreria na eventualidade de a companhia não conseguir renovar nenhuma de suas linhas de crédito, o que não está ocorrendo. "Já há bancos que estão rolando nossas linhas." Os próprios analistas dizem, no relatório, acreditar que a Sadia será capaz de rolar seus débitos de curto prazo, que se referem principalmente a financiamento à exportação.
Os analistas do Bank of America Merrill Lynch estimam que a empresa necessita de uma injeção de "ao menos R$ 2 bilhões", uma vez que o custo da manutenção de sua dívida consome a maior parte do fluxo de caixa livre da companhia.
"Metade disso seria bastante razoável", reconheceu Teixeira, ao ser indagado sobre a necessidade de recursos novos no curto prazo. Apesar de admitir a possibilidade de uma capitalização com a entrada de novos sócios, o executivo não revelou nomes. "Estou proibido por contrato", afirmou Teixeira.
O relatório do Bank of America Merrill Lynch considera a possibilidade de um aporte do BNDES na empresa. Segundo os analistas, a presença do banco no controle da Sadia não apenas reduziria o endividamento da companhia, como garantiria menores taxas de juros em refinanciamentos futuros. Procurado a respeito do relatório, o banco disse que não comentaria.
O nervosismo refletido nas ações da Sadia nos últimos pregões se deve ao fato de a companhia ainda carregar boa parte dos contratos derivativos alavancados em aberto, apesar de ter reduzido a exposição líquida ao risco cambial. Desde a semana passada, circularam relatórios ou comentários de analistas demonstrando temor com a manutenção dessas operações e relatando a dificuldade de estimar os efeitos sobre os números do quarto trimestre.
Para Denise Messer, analista da Brascan Corretora, o prejuízo financeiro do quarto trimestre será de R$ 2,5 bilhões, ante R$ 1,2 bilhão do terceiro trimestre.
Teixeira, da Sadia, reconheceu que os impactos negativos nos últimos três meses de 2008 serão realmente maiores. Porém, não quis quantificar as perdas.
A companhia fechou setembro com uma exposição líquida de US$ 2,4 bilhões nos derivativos alavancados. No encerramento do terceiro trimestre, a empresa tinha abertos o equivalente a US$ 6,4 bilhões de contratos de venda de dólar e US$ 4,0 bilhões de compra.
A marcação a mercado dessas operações, na ocasião, representava uma perda líquida de R$ 637,2 milhões.
A empresa gradativamente reduziu sua exposição líquida aos contratos desde então. Ao fim de dezembro, estava com menos de US$ 700 milhões e, neste mês, a posição era pouco inferior a US$ 500 milhões.
No entanto, a preocupação do mercado vem do fato de tais operações não terem um casamento perfeito. Isso significa que as perdas e os ganhos de cada lado da operação não se anulam por completo. Além disso, enquanto mantiver aberta as operações de venda de dólar, a Sadia acaba comprometendo sua liquidez. Isso porque as perdas possíveis fruto da variação do câmbio ficam depositadas como garantia aos bancos.
De acordo com Teixeira, a Sadia tem atualmente R$ 1,7 bilhão depositados em margem e garantia aos bancos em função dos contratos derivativos. O caixa disponível da empresa, por conta disso, está em R$ 1 bilhão.
O executivo afirmou que o modelo dos contratos fechados dificulta uma negociação com os bancos. Isso porque a empresa deposita garantias numa conta a parte, dando tranqüilidade às instituições de que as transações serão honradas. Ainda há cerca de US$ 4,4 bilhões em posição vendida bruta em dólar, dos contratos em aberto. A diferença com o valor líquido da exposição considera a posição comprada em dólar - contratos assumidos para minimizar os prejuízos.
O cenário de dificuldade que a Sadia enfrenta trouxe à tona antigas expectativas de uma fusão com a Perdigão. No relatório do Bank of America Merrill Lynch, os analistas argumentam que dado o tamanho da necessidade de capital da Sadia, a natureza especulativa das perdas da empresa e potenciais sinergias, uma fusão, patrocinada pelo BNDES, com uma companhia do setor, seria o cenário mais provável. No caso de uma união com a Perdigão, os analistas calculam que as sinergias chegariam a R$ 1,8 bilhão.
Teixeira, da Sadia, ressaltou que não há nada nesse sentido neste momento. Entretanto, não mais descartou a possibilidade. "Nunca se sabe o dia de amanhã."
Veículo: Valor Econômico