Independência reclama de 'tempestade perfeita'

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A direção do |frigorífico Independência, que pediu recuperação judicial na sexta-feira após paralisar o abate de bovinos em dez unidades, atribuiu o tombo abrupto da companhia a uma conjugação de fatores interligados: falta de capital de giro por causa da seca de crédito e da inadimplência externa em função da crise financeira internacional, recuo da demanda e dos preços internacionais da carne e descasamento entre esses preços e o do boi gordo, que afetou a rentabilidade da operação. 

 

Em encontro com jornalistas em São Paulo, os irmãos Roberto e Miguel Russo, acionistas da empresa, e o diretor financeiro Tobias Bremer, disseram que o agravamento da situação os pegou de surpresa e que o pedido de recuperação judicial era a última opção. A empresa informou aos investidores em Nova York que a dívida envolvida na recuperação é de US$ 1 bilhão. Com os jornalistas, a empresa não comentou a cifra. 

 

Bremer relatou que nos últimos dois meses o Independência - que em novembro recebeu aporte de R$ 250 milhões do BNDESPar e esperava outro de R$ 200 milhões - viu a situação piorar com o cancelamento de operações de refinanciamento de linhas de crédito de curto prazo, aumento dos custos de financiamento, falta de ACCs e alta na dívida por causa do câmbio. 

 

No lado operacional, a empresa encarou um tombo da demanda dos importadores que levou a uma superoferta de carne e à queda de preços nos mercados externo e interno, para onde foi redirecionada parte das exportações. A inadimplência de importadores chegou a "níveis não sustentáveis", conforme Bremer. 

 

Com o preço do boi no mercado interno caindo menos (10%) que o da carne no exterior (30%), o Independência passou a registrar perdas milionárias. Uma estratégia equivocada, que previa um mercado mais amistoso no início do ano, também prejudicou a companhia, admitiram os sócios. "A capotagem operacional aconteceu porque aceleramos os abates para exportação e os preços não reagiram", disse o presidente Roberto Russo. Entre outubro e novembro, a empresa reteve estoques para serem vendidos em dezembro, mês tradicionalmente de melhor demanda e preços. Já em janeiro, a companhia, que tem 50% da receita proveniente de exportações, elevou abates apostando na melhora do mercado externo, o que não ocorreu, e que a queda do real ante o dólar elevaria sua competitividade. 

 

"O primeiro susto foi quando percebemos que mesmo renegociando contratos de exportação, estava sendo difícil receber os pagamentos", disse Bremer. Segundo ele, essa falta de pagamento por importadores levou a "uma necessidade de capital de giro acima de R$ 100 milhões" 

 

só no último mês. Esse foi um dos poucos números que o Independência abriu. Bremer não comentou nem a atual situação de caixa, porque no momento o plano de recuperação judicial da empresa está sendo feito pelos advogados que acompanharam a conversa com os jornalistas. Investidores e bancos estimavam, na última semana, caixa de R$ 700 milhões. 

 

Segundo Tobias Bremer, a mudança de cenário entre o fim de 2008 e o início de 2009 levou a empresa a cancelar, no último minuto, a recompra de duas séries de eurobônus, que vencem em 2015 e 2017 e somam US$ 525 milhões, pelo máximo de US$ 144 milhões. Como a operação foi cancelada, os recursos liberados para esse fim pelos bancos envolvidos (Santander e Citi) foram devolvidos, segundo o executivo. 

 

Questionado se a alavancagem da empresa, de 4,86 (relação dívida líquida/EBTDA) no terceiro trimestre, teria contribuído para levar a companhia à recuperação judicial, Bremer disse que "muita dívida num momento de crise não ajuda". Mas observou que, considerando que a empresa vinha exportando US$ 70 milhões a US$ 80 milhões mensais, não havia "descompasso" já que as dívidas em dólar são basicamente os bônus. No balanço do terceiro trimestre de 2008, o endividamento líquido do Independência era de R$ 1,354 bilhão, 77,9% mais do que no mesmo período de 2007. O faturamento até setembro foi de R$ 1,469 bilhão, e a estimativa é que somado R$ 700 milhões no quarto trimestre. 

 

Com quase 12 mil funcionários e 11 unidades de abate de carne hoje paradas, o plano do Independência é retomar as operações nas unidades do norte do Mato Grosso e de Rondônia, onde a operação é mais rentável, na próxima semana. A empresa não descarta outras opções, como a entrada de um sócio. "Estamos abertos a todas as opções que assegurem a continuidade da operação", disse Miguel Russo, presidente do conselho do Independência. Questionado se a família teria recursos para investir na companhia, ele disse que não. 

 

Roberto Giannetti, presidente da Abiec (entidade que reúne frigoríficos), presente à coletiva, disse que o cenário de seca de crédito preocupa o setor e que outras empresas podem ter problemas. "Não está fora de questão outra concordata". 

 

Para credores, a empresa foi evasiva
 

  
Os argumentos usados pelo Independência não convenceram os bancos credores nem os investidores. De acordo com eles, a empresa foi evasiva, jogou a culpa no mercado e não apresentou números. Os dados antigos disponíveis e um perfil de dívida com vencimentos no médio e longo prazos não justificam o pedido de recuperação judicial, segundo eles. Os bancos especulavam que o rombo de caixa da empresa deve ter chegado a cerca de US$ 1 bilhão. Agora, com a recuperação judicial, há uma aceleração dos vencimentos de toda a dívida, de US$ 1,05 bilhão. 

 

A notícia da recuperação judicial, adiantada pelo Valor, caiu como uma bomba no mercado. Os US$ 525 milhões em eurobônus do Independência negociados no mercado secundário passaram a pagar preços de 10% a 15% do valor de face. Os papéis dos outros frigoríficos também sofreram desde o dia 26, quando o Independência anunciou que pararia sua produção. A empresa, considerada a de melhor situação financeira de todo o setor, é a sexta que atua com carne bovina a entrar com pedido de recuperação judicial no país desde o fim de 2008. As demais foram Arantes, Frigoestrela, Margen, IFC e Quatro Marcos. 

 

Os preços dos títulos do Bertin no total de US$ 350 milhões e de vencimento em 2016 caíram de 52% do valor de face para níveis médios de 41% ontem. Os papéis da JBS (Friboi) de vencimento em 4 de agosto de 2016, de valor total de US$ 300 milhões, passaram de 69% do valor de face para 57%. Os US$ 377 milhões em títulos do Marfrig de vencimento em 16 de novembro de 2016 que estavam a 73,37% do valor de face foram a 58% ontem. 

 

BNDES freia aporte de R$ 200 milhões


 
O pedido de recuperação judicial do Independência levou o BNDES a suspender o segundo aporte de capital na companhia, de R$ 200 milhões, previsto para março. Em nota, o banco informou que aprovou uma operação de subscrição de ações do frigorífico de até R$ 450 milhões correspondentes a até 30% do capital da empresa. Foi feito um primeiro aporte de R$ 250 milhões em novembro de 2008, quando a empresa apresentava "confortável posição de caixa", segundo o comunicado. 

 

A segunda tranche não vai acontecer porque, segundo o banco, "estava condicionada ao cumprimento de determinadas condições, as quais não se verificaram". O BNDES esclareceu, ainda, que não integra o bloco de controle do Independência. Fontes próximas à instituição afirmam que a participação do banco no frigorífico é de cerca de 13%. 

 

O BNDES espera que "a anunciada recuperação judicial, medida tomada conforme avaliação da administração da empresa", contribua para o restabelecimento das atividades do frigorífico, preservando-o e a seus 12 mil empregados. A nota divulgada ontem diz que o banco, "nos limites de suas obrigações institucionais e da prudência bancária, está disposto a analisar alternativas capazes de fortalecer a empresa, importante geradora de emprego e renda". 

 

O Valor apurou com fontes próximas ao BNDES que não procedem as notícias que circularam entre credores de que o banco teria apoiado a decisão do frigorífico de adotar a via da recuperação judicial para ser eventualmente ser comprado pela Perdigão. O BNDES, conforme as mesmas fontes, ficou tão surpreso quanto o mercado financeiro com a decisão do Independência de entrar com pedido de recuperação judicial. A decisão do BNDES de entrar como acionista do frigorífico visava fortalecer a companhia, como fez com JBS e Bertin. A primeira operação de aporte de capital do BNDES no Independência aconteceu concomitante a um processo de levantamento da situação da empresa, e o mesmo acontecia para o segundo aporte. Uma auditoria estava em curso. 

 

A agência de risco Standard & Poor's rebaixou para 'D' o rating do Independência S/A e de sua afiliada Independência International Ltd. 

 

Veículo: Valor Econômico


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