Investimentos não cobrirão deficit externo

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Pela 1ª vez em 9 anos, capital estrangeiro no setor produtivo será insuficiente para compensar rombo nas transações do país com o exterior

País terá de se financiar com capital de curto prazo, o que o torna mais vulnerável a crises; saldo negativo em fevereiro é o pior para o mês desde 1947

 

Pela primeira vez em nove anos, a entrada de capital estrangeiro no setor produtivo não será suficiente para financiar o deficit nas transações do Brasil com o exterior.

 

Ontem, o Banco Central ampliou novamente a previsão de resultado negativo da conta corrente para 2010 -o deficit estimado passou de US$ 40 bilhões para US$ 49 bilhões.

 

A maior parte desse resultado negativo será coberta pelo ingresso de investimentos diretos vindos do exterior (US$ 45 bilhões, prevê o BC). Porém, o país ficará na dependência de recursos direcionados ao mercado de capitais e de empréstimos do setor financeiro para equilibrar essa conta, o que não acontecia desde 2001.

 

A revisão no principal indicador que mede a vulnerabilidade externa do país se deve ao aumento das importações, dos gastos com serviços no exterior e das remessas de lucros. De acordo com o BC, ao contrário do que aconteceu há nove anos, os fatores responsáveis pelo aumento do deficit estão relacionados à recuperação da economia brasileira, e não ao endividamento externo do país.

 

O BC também destaca que hoje o resultado das transações representa 20% das reservas internacionais brasileiras. No começo da década, era de 65%.

 

A instituição espera ainda uma entrada de US$ 35 bilhões de investimentos em títulos e ações para ajudar a fechar essa conta, 40% acima da previsão feita há três meses. "Seria muito bom se tivéssemos o deficit coberto na sua totalidade por investimentos diretos. Isso não vai ser possível, mas o complemento que se tem nesse financiamento também não é de qualidade ruim", disse o chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes.

 

O dado de fevereiro, deficit de US$ 3,3 bilhões, foi o pior resultado mensal para o mês desde 1947 (início da série do BC).

 

Os dados sobre as contas externas no primeiro bimestre de 2010 e os números parciais de março ainda estão distantes das previsões do governo. O ingresso no mercado financeiro supera em 90% os US$ 4,7 bilhões que entraram por meio de investimentos diretos em empresas. Esse valor cobre apenas 43% do deficit nas transações correntes nesse período.

 

Apesar de os investimentos estrangeiros diretos no bimestre terem ficado abaixo do registrado no mesmo período de 2009, eles devem se recuperar no segundo semestre, acompanhando a retomada do crescimento econômico em outros países, segundo o BC.

 

Para Lopes, os recursos externos que já entraram estão sendo direcionados a setores exportadores. Ele destacou que, pela primeira vez, a China aparece com destaque nas estatísticas. Com investimento de US$ 354 milhões em mineração, é o terceiro país com mais ingresso de capital no setor produtivo brasileiro no ano.

 

O BC revisou também os dados sobre investimento brasileiro no exterior, que passou de US$ 5 bilhões para US$ 15 bilhões. Trata-se de uma virada em relação a 2009, quando as empresas brasileiras trouxeram de volta US$ 10 bilhões.

 

Com saldo comercial em queda, país registra saída de US$ 2 bi

 

O BC acelerou a compra de moeda estrangeira no mercado financeiro neste mês, num momento em que o fluxo de dólares para o Brasil está negativo. Até o dia 18, o país registrava uma saída de US$ 2 bilhões acumulada no ano.

 

Esse resultado se concentra na área comercial, que registra a diferença entre exportações e importações.

 

Em relação às operações financeiras, a quantidade de dinheiro que entrou e a que saiu do país nesse período estão praticamente empatadas.

 

Apesar da saída de moeda, o BC voltou a comprar dólares no mercado, depois de reduzir sua atuação entre os meses de janeiro e fevereiro. Em março, as aquisições já somam US$ 2,3 bilhões, acima do volume de compras nos dois meses anteriores (US$ 2,1 bilhões).

 

Isso acontece porque o BC leva em conta não apenas o fluxo de moeda, mas também a volatilidade no mercado e o preço do dólar para elevar as reservas internacionais, que somam hoje US$ 243 bilhões.

 

O BC também está próximo de resgatar os dólares emprestados entre o final de 2008 e o início de 2009.

 

Restam no mercado apenas US$ 214 milhões, de um total que superou US$ 5 bilhões na época.

 

Os bancos, que fecharam fevereiro "comprados" no mercado à vista de dólar (apostando na alta da moeda americana), estão hoje "vendidos" em US$ 3,3 bilhões, o que reflete uma aposta na queda das cotações.

 

Viagens internacionais

 

O BC também divulgou ontem novos números sobre viagens internacionais. Os gastos dos brasileiros no exterior cresceram 71% no primeiro bimestre em relação ao mesmo período de 2009. Já as despesas de turistas estrangeiros no país avançaram 16%.

 

A previsão oficial é de um deficit de US$ 7,5 bilhões na contas de viagens internacionais no ano. O número é a diferença entre os gastos de brasileiros lá fora e o de estrangeiros que visitam o país. Dados parciais para março mostram que os brasileiros já gastaram quase US$ 3 bilhões neste ano em viagens ao exterior ou despesas com cartão de crédito fora do país. O número é praticamente o dobro dos gastos de turistas estrangeiros no Brasil.

 

No começo de 2009, os efeitos da crise econômica chegaram a reduzir essas despesas em cerca de 40%.

 

Mas a estabilização na renda do brasileiro e o comportamento do câmbio ajudaram a reverter essa queda. Desde o final do ano passado, os gastos estão próximos do patamar de US$ 1 bilhão ao mês, valor registrado antes da crise.

 

O dado sobre viagens é parte do relatório do BC a respeito das contas externas. Também entram nessa conta as compras feitas pelos brasileiros via internet e aquelas debitadas nos cartões de crédito.

 

Veículo: Folha de São Paulo

 


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