Quando a seleção brasileira entrou em campo em sua estreia na Copa do Mundo de 2010, na terça-feira, o consumo de energia no país despencou mais de 27% de uma hora para outra. Houve um repique durante o intervalo, com elevação de 3,6 mil megawatts (MW) em sete minutos, mas o consumo só foi retomar o patamar anterior depois que o juiz apitou o fim de jogo.
O menor consumo de energia veio, principalmente, das máquinas desligadas nas linhas de produção. Entre outras "perdas", 30 mil pares de meias e 400 carros deixaram de ser produzidos. A "perda", contudo, é relativa, porque a produção que deixa de ser realizada durante um jogo do Brasil foi antecipada ou será compensada ao longo do ano, em acordo prévio consolidado entre as companhias e seus funcionários. Em alguns casos, como o da Usiminas, a produção não pode parar. Em outros, como na fábrica da GM em São José dos Campos, interior de São Paulo, os próprios funcionários optaram por trabalhar durante as partidas.
Os 9,5 mil trabalhadores da planta em São José, que representam cerca de 40% do total de funcionários da GM no Brasil, contribuíram para sustentar o consumo de energia no país durante a estreia da seleção, na semana passada, mantendo a produção dos sete modelos e motores flex a pleno vapor. E farão o mesmo nesta semana. "A seleção está sem prestígio entre nós", diz Antônio Ferreira de Barros, o Macapá, que trabalha na linha de produção da fábrica e é um dos diretores do sindicato.
Os operários, segundo explica Macapá, optaram por ter livre a última semana de dezembro. "Nós trabalhamos 15 minutos a mais todos os dias para ganhar os feriados prolongados e a última semana do ano inteira de folga", diz. Mesmo que fiquem sem ver os jogos do Brasil? "Claro. De outra forma teríamos de compensar trabalhando aos sábados. Do jeito que está o time, acho que valeu a pena", diz. Macapá concedeu a entrevista antes do jogo de ontem contra a Costa do Marfim.
À 80 km dali, na planta que a GM mantém em São Caetano do Sul, os oito mil operários da companhia assistiram aos jogos em casa. Na terça-feira, os trabalhadores do segundo turno, que iniciam jornada às 16h, nem foram trabalhar. Na próxima sexta-feira, será a vez dos que cumprem o primeiro turno, iniciado às 6h, ficar em casa. A fábrica deixa de produzir 400 veículos por jogo da seleção - serão, portanto, 800 carros nesta primeira fase (não há expediente aos domingos). No entanto, segundo a assessoria de imprensa da GM, as horas não trabalhadas serão descontadas do banco de horas da categoria, que compensará a produção assim que acabar a participação brasileira na Copa.
Em Minas Gerais, a Usiminas não pode desligar os alto-fornos de transformação do minério de ferro em placas de aço. Segundo informou a companhia, "a produção continuará em ritmo normal, pois haverá revezamento entre os empregados". Para compensar, a empresa espalhou telões que transmitem os jogos, além de produzir um bolão entre os quase 30 mil funcionários. Os que acertarem mais resultados, informou a empresa, ganharão eletrodomésticos.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que pesquisa mensalmente a produção da indústria, informou que não há alteração no padrão sazonal nos anos de Copa do Mundo.
O Valor levantou os valores de produção mensal nas últimas quatro Copas por meio de dados do IBGE. Não há um padrão evidente. Em 1998 e 2006, anos em que a Copa foi disputada em países europeus, a produção caiu entre maio e junho, voltando a subir no mês seguinte. No entanto, na mesma comparação a produção também recuou em anos sem Copa de futebol, como 2004.
Em 1994, houve queda semelhante entre maio e junho, mas foram os dois últimos meses pré-Plano Real, introduzido em julho, que impulsionou a produção nacional - que em agosto deu um salto de 5,3% sobre julho.
Thaís Zara, economista-chefe da Rosenberg & Associados diz que "é muito difícil mensurar a produção que deixa de ocorrer", porque, segundo ela, "o efeito Copa é mínimo". Além da Copa de 2002, quando os jogos realizados na Ásia eram transmitidos durante a madrugada no Brasil, muitos jogos são realizados no fim de semana, quando a maior parte das fábricas está fechada.
Mais importante que isso, muitas empresas se preparam, ao longo do ano, para equilibrar o pouco que é "perdido". É o caso da Lupo, indústria de confecções, cujas cinco plantas operam 24 horas por dia, sete dias por semana, mas que liberou seus 4.274 funcionários para assistirem aos jogos da seleção. Ao todo, 30 mil peças deixam de ser produzidas devido ao tempo gasto em frente à televisão. Com o preço médio de venda de R$ 6, cada partida tira da Lupo cerca de R$ 180 mil em produtos.
"Perderemos cerca de R$ 500 mil na primeira fase", diz Valquírio Cabral Júnior, diretor comercial da companhia. A perda, no entanto, já era prevista. "Todo mundo sabia que 2010 era ano de Copa, então era possível estimar as perdas e se preparar para isso", afirma. A Lupo não cobrará turno ou hora extra e avalia que a produção total não será afetada.
Para o jogo desta sexta-feira, os 4,2 mil funcionários da Philips serão levados para um local alugado pela companhia. Não há turno aos domingos, então, a partida realizada ontem não precisou ser planejada. A estreia, no entanto, passou por operação diferente. Segundo Marcelo Nogueira, gerente de recursos humanos da Philips, os funcionários que terminam o turno às 15h30 tiveram tevês à disposição para não perder o início da partida. "Nos programamos para um ano de Copa, então não há produção perdida", diz. Ainda assim, as cinco fábricas da companhia no Brasil podem trabalhar com hora extra no caso de alguns produtos que passem por demanda maior até o fim do ano.
Veículo: Valor Econômico