O consumo faz a diferença

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Mesmo sem imposto reduzido nos carros e nas geladeiras e com o crédito mais caro, os brasileiros continuam a ir às compras. O aumento do emprego e da renda mantém o consumo e a economia acelerados

 

À exceção da China, nenhum país entre as maiores economias do mundo chegou a esse status sem o apoio de um mercado doméstico sólido. O Brasil, ao passar pela prova de fogo da crise financeira - que abateu o comércio global e deixou cada país entregue à própria sorte -, demonstrou que já conta com esse fator para brigar por novas posições no ranking. O mercado interno, encorpado pela ascensão de dezenas de milhões de brasileiros na última década, foi o principal esteio do desempenho que distinguiu o Brasil em 2009. Como mostrará a edição especial de MELHORES E MAIORES 2010, de EXAME, que será lançada em julho, saíram-se melhor as empresas apoiadas no consumo das famílias brasileiras e sofreram mais as companhias que são fortemente exportadoras. Neste primeiro semestre de 2010, a economia doméstica continua a fazer a diferença. A esta altura, as previsões para o crescimento do país não param de ser revisadas para cima. Mesmo a ala do governo encabeçada pelo ministro Guido Mantega, interessada em contradizer a tese de aquecimento excessivo da economia, já fala em avanço superior a 6,5% no ano. Entrou em xeque a retórica de que já teria ficado para trás o passo acelerado do primeiro trimestre - que mostrou um crescimento anualizado de 11%. Em maio, a produção de carros cresceu 3,3% sobre o mês anterior. A de papel ondulado, espécie de termômetro do ritmo geral da indústria, avançou 3,6%. Uma pesquisa da empresa de informações financeiras Serasa Experian com 1 015 executivos revelou que metade das empresas está revisando para mais a projeção de faturamento do terceiro trimestre.

 

O ano começou tão embalado que alguns analistas argumentaram que haveria uma minibolha de consumo no país, inflada pela ampliação de 18% no crédito em 12 meses até abril. Como toda bolha, ela deveria estourar ou murchar. Nenhuma das duas coisas aconteceu até agora. "Não compramos a ideia de desaceleração e nem que o crédito seria o maior responsável pelo avanço do consumo", diz Luiza Rodrigues, economista do banco Santander, que prevê um crescimento de quase 8% neste ano. "O que tem determinado mais o crescimento das vendas é o aumento da renda e do emprego. E ambos continuarão a subir."

 

O grande risco do aquecimento da economia é a escalada da inflação - estimada em 5,6% pelo mercado para 2010. A primeira ação do governo para tentar evitar a alta dos preços foi retirar os incentivos tributários que impulsionaram a onda do consumo em plena crise. Em seguida, o Banco Central aumentou duas vezes os juros básicos, agora em 10,25% ao ano. Pela lógica econômica, o aumento do custo do dinheiro desestimularia as compras financiadas e, com isso, diminuiria a pressão inflacionária. Mas ainda não há sinais de que a elevação dos juros esteja funcionando. "A previsibilidade em relação ao futuro é o que motiva as pessoas a consumir. Se elas sabem que terão renda, vão se endividar para gastar", diz o economista Luiz Rabi, da Serasa Experian.

 

E não faltam razões para o brasileiro se manter otimista. A taxa de desemprego deve fechar o ano abaixo de 7%, o menor nível dos últimos 15 anos. A consultoria econômica MB Associados calcula que a massa de rendimentos crescerá 6,5% neste ano, ante 3,9% em 2009. O próprio governo botou mais lenha na fogueira ao conceder o reajuste de 7,7% aos aposentados. No segundo semestre, vários sindicatos discutirão reajustes salariais. Se em 2009, ano em que ao final das contas o PIB encolheu, cerca de 80% das categorias ganharam aumento real de salário, é provável que agora obtenham ainda mais.

 

Dado que o consumo continuará em alta, o que fazer? "Não tem jeito a não ser investir em expansão física", diz José Roberto Tambasco, vice-presidente do Pão de Açúcar. O grupo pretende inaugurar uma centena de lojas em 2010 e manter a cadência de abertura de unidades nos próximos dois anos, com investimento total de 4,5 bilhões de reais. A coreana LG expandiu diversas linhas de produção na fábrica de Manaus - e algumas delas não têm nada a ver com a explosão de vendas de TVs de LCD e Led para a Copa. "No começo do ano, contratamos muitos funcionários temporários para a produção destinada à Copa e uma parte está virando efetiva", diz Roberto Barboza, diretor comercial da LG. A empresa está inaugurando uma linha de montagem de micro-ondas. É o retorno da LG a um mercado que ela havia abandonado no país há oito anos e abastecia apenas com importações.

 

Assim como a LG - cujo faturamento cresceu 23% no ano passado -, muitas empresas apoiadas no mercado doméstico tiveram desempenho acima do esperado. A edição MELHORES E MAIORES 2010 mostra que houve uma divisão entre as companhias que operam no Brasil. As que atuam em áreas apoiadas no mercado externo sofreram um bocado em 2009. Setores como siderurgia e mineração tiveram quedas nas vendas de 36% e 27%, respectivamente, em razão do recuo das exportações. Situação contrária foi a dos segmentos com foco no mercado interno. "Foi um dos anos mais fortes na história da companhia", afirma Felipe Rodrigues, diretor da rede de laboratórios médicos Dasa. A empresa cresceu 22% em 2009 e a perspectiva é expandir mais 12% neste ano. "O crescimento virá da geração de emprego formal, que amplia o número de pessoas com planos de saúde", diz Rodrigues. As estimativas de criação de postos de trabalho com carteira assinada em 2010 variam de 2 milhões a 2,5 milhões.

 

Se o mercado interno segue firme, outro motor da economia começa a dar sinais de recuperação: o comércio exterior. "As exportações têm aumentado mês a mês", diz Ricardo Cons, diretor da Electrolux, empresa que exporta 10% de sua produção de eletrodomésticos para países da América Latina. Outra pista vem do transporte de cargas. Em maio, o porto de Santos, o maior do país, bateu o recorde de movimentação em 118 anos: quase 9 milhões de toneladas no mês. No começo de junho, o governo revisou a meta de exportação do ano para 180 bilhões de dólares, um aumento de 18% em relação a 2009. O avanço não deve zerar a perda do ano passado, mas deve ampliar o saldo da balança comercial, que vem sendo afetado pela alta das importações brasileiras - de novo, graças ao aquecimento do mercado interno. Ou seja, quer no front doméstico, quer no externo, o consumo doméstico passou a ser o fiel da balança.

 


Veículo: Revista Exame


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