Para analistas, invasão chinesa é culpa do Estado brasileiro

Leia em 3min 30s

A competição comercial entre Brasil e China, que envolve importados chineses mais baratos que os equivalentes nacionais, e a conquista de outros mercados pelos chineses, não é culpa da China. O responsável pela sequência de derrotas entre os dois países nas relações mercantis é o Estado brasileiro. Essa é a avaliação de economistas e especialistas em comércio exterior presentes ontem no 7º Fórum de Economia, realizado pela Fundação Getulio Vargas (FGV) em São Paulo.

 

"Apenas dois países, no mundo inteiro, acreditam que a China é uma economia de mercado. Um acredita com alguma dúvida: a China. O outro, de maneira convicta: o Brasil", afirma Antônio Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda, do Planejamento e da Agricultura entre os anos de 1967 a 1985. Para Delfim, a política industrial, cambial e comercial chinesa não está errada. "Eles fazem o que qualquer país que quer crescer faz. O erro está aqui", diz o ex-ministro.

 

As críticas à estratégia adotada pelo Estado brasileiro, consensuais entre os analistas, estão centradas nas políticas econômica e comercial adotadas. Para eles, é preciso reduzir as taxas de juros brasileiras e permitir maior desvalorização cambial, que serviriam por tornar o crédito às empresas mais barato e ampliaria a remuneração oriunda das exportações. O câmbio chinês é fixo em torno de 7 yuans por dólar há cinco anos, enquanto o dólar oscila próximo ao patamar de R$ 1,70. As taxas de juros chinesas são de 2,47% ao ano, enquanto a Selic está fixada em 10,75% ao ano - hoje, o Banco Central anuncia a nova taxa.

 

Além disso, dizem os especialistas, o governo é "tímido" em fiscalizar a entrada de mercadorias subfaturadas provenientes da China. Segundo números apresentados por Roberto Giannetti da Fonseca, diretor da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o saldo entre vendas e compras internacionais de bens manufaturados saiu de superávit de US$ 5,1 bilhões, em 2006, para um déficit projetado de US$ 60 bilhões neste ano.

 

"Do jeito que está, o déficit da indústria de transformação atingirá US$ 100 bilhões em um ou dois anos. Não só a indústria precisa reverter sua produção para o mercado interno, porque o importado chinês chega mais barato e o câmbio para exportar está ruim, como também estamos perdendo mercado no exterior para os chineses", diz Giannetti da Fonseca.

 

Para Renato Amorim, ex-secretário-executivo do Conselho Empresarial Brasil-China e atualmente sócio-diretor da Strategus, o governo brasileiro tem olhado para o alvo errado. Amorim, que chegou ontem de viagem à China, avalia que a disputa se dá em terreno onde os chineses "obviamente" têm vantagens. "As empresas chinesas contratam ótimos engenheiros a US$ 400 por mês. Não temos como competir com isso", afirma Amorim, para quem a disputa não se dá entre empresas, mas entre companhias brasileiras e o Estado chinês.

 

"As empresas chinesas trabalham com margens muito apertadas, uma vez que não remuneram acionistas e não precisam dar lucro. Por quê? Simplesmente porque são estatais", diz Amorim.

 

O empresário Antônio Maciel Neto, presidente da Suzano, afirmou ao Valor que a desigualdade de condições se dá também na comparação entre custos para investimentos fixos. A planta da Suzano em Mucuri, no sul da Bahia, a maior unidade produtora de celulose da companhia, teve custo total de US$ 2 bilhões. "O mesmo projeto teria custo de capital US$ 70 milhões menor, por ano, se fosse feito na China", diz Maciel.

 

Para Vera Thorstensen, que acaba de retornar ao Brasil depois de 15 anos na assessoria econômica do governo brasileiro na Organização Mundial do Comércio (OMC), em Genebra, os chineses "não respeitam regra alguma". "Eles não respeitam o artigo 4 do FMI, que veta a manipulação cambial, além de terem pendurados uma série de ações antidumping e pedidos de salvaguardas comerciais", diz ela. Para Giannetti da Fonseca, o Brasil "ainda não sabe usar medidas antidumping ou de salvaguardas".

 


Veículo: Valor Econômico


Veja também

Indústrias se preparam para um Natal 'forte'

Pesquisa da FGV revela que 57,1% esperam que a situação dos negócios, em seis meses, seja melhor qu...

Veja mais
Real gira US$ 28 bi por dia em contratos de câmbio no mundo

O mercado de câmbio no Brasil mais que dobrou de 2007 a 2010, passando de US$ 5,8 bilhões para US$ 14,2 bil...

Veja mais
Alimentos têm deflação em agosto mas tendência é de alta

O consumidor pagou menos pelos alimentos neste mês, mas as coisas podem mudar até o fim do ano. Estimulada ...

Veja mais
Indústria enfrenta governo para barrar tarifa zero a países

Empresários de diversos setores industriais como automobilístico, têxtil e máquinas e equipam...

Veja mais
Economia reage no 3º trimestre

Depois de perder fôlego, como deve mostrar o resultado do PIB do 2º trimestre a ser divulgado na sexta, econo...

Veja mais
Depois do ajuste, PIB já evolui mais forte no 3º trimestre

Previsões apontam alta entre 0,4% e 0,9% de abril a junho   Após o crescimento da economia brasilei...

Veja mais
Indústria faz corrida para conquistar o mercado chinês

A valorização da moeda chinesa representa uma boa oportunidade para que o Brasil aumente o peso da partici...

Veja mais
Governo descarta adotar novas barreiras para conter importação

Conjuntura: Ministro espera saldo comercial entre US$ 16 bilhões e US$ 18 bilhões em 2010   Deve fi...

Veja mais
Produção da indústria de SP volta a crescer em julho

As vendas reais da indústria paulista registraram alta de 1,2% em julho frente ao mês anterior, com ajuste ...

Veja mais