Bônus da indústria ao varejo cresce 160%

Leia em 4min

Cenários: Auditores questionam transparência na forma como esses montantes são contabilizados pelas redes

 

A política de bonificações negociada entre indústria e varejo, em acordos comerciais que envolve o pagamento de dinheiro às lojas, tem feito engordar o caixa das varejistas nos últimos anos. O volume chegou a mais que dobrar ao crescer quase 160% nos últimos cinco anos, segundo balanço financeiro das varejistas encaminhado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

 

Esses montantes se referem aos bônus pagos pelos fornecedores para que as redes varejistas se movimentem e criem ações para vender mais produtos desses fabricantes nas lojas. É uma espécie de "incentivo comercial", como explicam as próprias varejistas em suas demonstrações financeiras. As partes definem metas e, se ela é atingida, a bonificação é liberada. A prática é legal e comum em mercados de consumo mais maduros, como Estados Unidos e Europa.

 

No entanto, auditores da área dizem não há normas contábeis que regulem essas práticas no Brasil, de maneira a deixar mais claro a forma como elas contabilizam esses incentivos.

 

"Essas bonificações inflam os ativos das varejistas porque entram como recebíveis", diz Vinicius de Castro Alves Sampaio, ex-Ernst Young e sócio da Baker Tilly Brasil Fortaleza Auditores Independentes. "Mas se por alguma razão, a meta do acordo não é atingida e esse recebível acaba sendo menor do que o esperado, é preciso dar baixa nisso como perda", diz. "E a forma como provisionam isso pode varia de acordo com cada empresa."

 

Esse debate se intensificou no mercado nos últimos dias depois que o Valor noticiou que o Carrefour no Brasil está passando por uma auditoria de suas contas. A matriz na França contratou a KPMG para avaliar a necessidade de fazer "ajustes contábeis" nos resultados de sua filial, relacionados a bonificações não recebidas nas negociações com a indústria.

 

Dados dos balanços semestrais deste ano das maiores varejistas de capital aberto do país mostram que chega a R$ 759 milhões o valor que elas têm a receber, por conta de "afinidades ou parcerias comerciais", informam elas. O volume é mais que o dobro dos R$ 291,9 milhões apurados em 2005. Nesse cálculo estão dados do Grupo Pão de Açúcar, Lojas Americanas e B2W (que inclui Submarino). Renner e Riachuelo não possuem negociações nesses moldes.

 

Na outra ponta da cadeia, a fabricante Hypermarcas tem ampliado os seus desembolsos para esses incentivos. Em 2009, foram R$ 140,2 milhões aplicados em verbas e acordos comerciais "que visam principalmente exposição adicional e divulgação de produtos junto aos consumidores". De janeiro a junho deste ano, a soma atingiu R$ 108,2 milhões, mais de 70% do montante total de 2009. A compra de novas empresas pela Hypermarcas ampliou esse volume, já que passou a ter que firmar mais acordos com o varejo. Em 2006, o primeiro ano com dado disponibilizado pela fabricante, o volume desembolsado em ações de parceria com as redes foi bem menor, de R$ 33 milhões.

 

Na Lojas Americanas, rede com maior elevação nos valores, o volume de recebíveis proveniente dessas negociações cresceu mais de 1.200% entre 2005 e 2010. O grupo Pão de Açúcar apresentou estabilidade nesses montantes ao longo dos anos, girando em torno de R$ 250 milhões a R$ 300 milhões ao ano em recebíveis provenientes de acordos com fornecedores.

 

São recursos que incluem, por exemplo, o pagamento de reembolsos se a empresa vender lotes de produtos a mais do que o acertado nos acordos de compra e venda. Batizado de "bonificação por volume", esse modelo é o mais comum no Brasil hoje.

 

"O problema é que, se esse reembolso vem em forma de mercadoria, não se pode deixar de contabilizar essa entrada nos resultados. E lembrar que essa entrada não gera crédito de PIS e Cofins", diz um diretor comercial de uma grande varejista. "Há uma série de nuances nessas negociações para as quais é preciso ficar atento, principalmente em relação a como fazer a provisão de bônus que não entram", diz.

 

No Brasil, ainda existem lacunas em normas contábeis, sem posicionamentos formais sobre bonificações e descontos por parte da CVM e do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon). Lá fora, isso mudou, por conta de um escândalo recente. Os resultados da operação americana da varejista holandesa Ahold, entre 2000 e 2002, foi superavaliado em US$ 880 milhões. Executivos da empresa inflaram as bonificações. Em 2002, a comissão americana de padrões contábeis criou normas mais rígidas para o setor de varejo.

 

Veículo: Valor Econômico
 


Veja também

Otimismo do consumidor tem leve recuo em setembro

O otimismo do consumidor brasileiro teve um ligeiro recuo em setembro ao atingir 118,3 pontos. Segundo o Índice N...

Veja mais
Inadimplente tem mais de dois carnês em atraso

Pesquisa divulgada ontem pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP), sobre o perfil dos inadimpl...

Veja mais
Alimentos pressionam custo de vida das famílias mais pobres este ano

A alta nos preços dos alimentos ao longo do ano tem sido mais cruel para as famílias de renda menor que pa...

Veja mais
Classe C ainda tem 'caixa' para consumir

Pesquisa do Ibope revela que 9,5 milhões de pessoas que fazem parte desse estrato social querem comprar um carro ...

Veja mais
Preço da cesta básica aumenta 1,11% em Manaus

Em setembro, pelo quinto mês consecutivo, a cesta básica na capital amazonense se manteve como a terceira m...

Veja mais
Cesta básica é 10% mais barata na região do Grande ABC

A cesta básica do Grande ABC custa em média 10% menos do que na Capital, com diferença de até...

Veja mais
Pagamento do 13º deverá injetar R$ 9 bi em Minas

O pagamento do 13º salário deve injetar R$ 9,121 bilhões na economia mineira até dezembro dest...

Veja mais
Preço de alimentos volta a crescer

Os primeiros indicadores de inflação referentes a setembro mostram que os preços, especialmente de ...

Veja mais
Cesta básica aumenta em 14 das 17 capitais pesquisadas pelo Dieese

O valor médio da cesta básica subiu em setembro, na comparação com agosto, em 14 das 17 capi...

Veja mais