Expansão do emprego, do crédito e da renda aquece as vendas no varejo em descompasso com o ritmo da produção industrial do país
Na última semana o IBGE divulgou que as vendas do comércio varejista cresceram 2% em agosto em relação ao mês anterior e 10,4% na comparação com agosto de 2009. Se for considerado o conceito ampliado, que inclui automóveis e material de construção, a alta em 12 meses chega a 14%.
Tal desempenho é explicado pela expansão do emprego, da renda e do crédito. Entre janeiro e agosto deste ano houve criação de 1,95 milhão de vagas formais, e a renda do trabalho cresceu a taxas próximas a 5,5% em termos reais (descontada a inflação). Considerando a chamada massa salarial (a soma de renda e emprego que representa o poder de compra total da população), a expansão no ano atinge 9% em termos reais. Por fim, do lado do crédito, a queda das taxas de juros e da inadimplência mostra que as condições continuam favoráveis para o endividamento do consumidor.
Não espanta, portanto, que a demanda interna continue a todo vapor, sendo o principal vetor responsável pela expectativa de alta de 7,5% no PIB deste ano. O efeito da ascensão do consumo é visível nas importações, especialmente as de bens duráveis, que registram alta de 54% em setembro na comparação com 2009.
É evidente que as importações têm importante papel no controle da inflação, especialmente em setores oligopolizados, que se veem cada vez mais pressionados pela concorrência externa. Esse é o lado positivo, que protege o poder de compra da população.
Mas há consequências menos benignas que precisam ser consideradas. O que destoa nos últimos meses é a fraqueza da produção industrial. Depois de um período de forte crescimento entre meados de 2009 e o início deste ano, nos últimos meses houve estagnação. A comparação com o consumo é notável: a produção da indústria praticamente recuperou o nível pré-crise, mas o consumo já o superou em mais de 15%. A diferença é coberta essencialmente pelo aumento das importações e do deficit externo.
Ou seja, não apenas as exportações de manufaturados patinam -desde o início do ano praticamente não há aumento dos volumes embarcados fora do setor de commodities-, mas agora a indústria perde mercado também dentro do Brasil. Não é um fenômeno novo. O diferencial de crescimento entre varejo e indústria foi grande em 2006, mas depois a indústria deslanchou. Pode ser que o mesmo ocorra desta vez, mas é preciso atenção, pois os problemas de competitividade podem estar se agravando na comparação com outros países.
Está claro hoje que o Brasil se tornou um lugar caro para produzir, problema que é agravado cada vez mais pelo câmbio valorizado. A prioridade deve ser a redução de custos e uma gestão macroeconômica que privilegie a formação de poupança e permita juros bem mais baixos. Sem isso, a demanda poderá continuar crescendo, mas a indústria deverá perder terreno -o que não é bom para o país.
Veículo: Folha de S.Paulo