A economia brasileira desacelerou o ritmo de atividade no primeiro bimestre deste ano, mas a redução no ritmo de crescimento se mostra díspare entre setores. Para alguns economistas, a queda na produção e venda de automóveis e na concessão de crédito entre janeiro e dezembro apenas confirmou a desaceleração que começou em 2010. Relatos de alguns empresários sobre o nível de produção e encomendas do início de 2011 e o saldo positivo de novos empregos registrado em janeiro, contudo, criam incertezas sobre o grau e a amplitude dessa desaceleração.
Em setores como produção de aço, calçados e eletroeletrônicos os resultados ficaram acima do esperado, mas além da queda na produção de automóveis, a menor movimentação de carga nas estradas brasileiras, e os resultados do setor de máquinas e de materiais elétricos e eletrônicos sustentam a percepção de que a economia brasileira começou 2011 em um ritmo menor de crescimento.
Parte da explicação pela diferença do ritmo pode estar, justamente, nas medidas de restrição ao crédito adotadas pelo Banco Central, que afetaram principalmente as linhas de longo prazo Elas ajudam a explicar a queda de 3,6% no licenciamento de automóveis em janeiro e novamente em fevereiro, em séries com ajuste sazonal, e, ao mesmo tempo, podem justificar o aumento das vendas de eletroeletrônicos e de bens de menor valor, como calçados.
No Polo Industrial de Manaus (PIM), a produção no primeiro bimestre cresceu em torno de 10% em relação ao mesmo período do ano passado, segundo o assessor econômico da presidência da Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (Fieam), Gilmar Freitas. O desempenho, diz, é ligeiramente superior às expectativas para o período. O destaque é o setor de eletroeletrônicos, especialmente televisões de LCD. Para Freitas o bom momento do mercado de trabalho explica esse resultado e a alta de juros e as medidas de restrição ao crédito não afetaram o setor. Em janeiro, o nível de emprego no PIM cresceu 0,8% em relação ao mesmo período de 2010.
Após enfrentar um segundo semestre bastante complicado, o desempenho do setor de distribuição de aço melhorou em 2011. O presidente do Inda (o instituto que representa o setor), Carlos Loureiro, estima que as vendas cresceram cerca de 18% no primeiro bimestre. Segundo ele, há uma reconquista do espaço perdido para o produto importado. Em 2010, o importado respondeu por 24% do consumo aparente, percentual que recuou para 13% em janeiro.
Com a concessão de descontos e alta do produto importado a partir de novembro, os fabricantes e distribuidores locais estão retomando mercado dos estrangeiros. Loureiro espera para 2011 um crescimento das vendas de 10% - em 2010, a alta foi de 13%. Loureiro diz que os setores de máquinas agrícolas, automobilístico, construção civil têm registrado uma demanda forte. "Só o setor de bens de capital não vai muito bem", afirma ele, preocupado, porém, com o impacto da alta dos juros e dos preços do petróleo sobre a economia.
O fôlego apresentado pela demanda doméstica acelerou as vendas da indústria calçadista no primeiro bimestre. A gaúcha Ramarim já está com pedidos em carteira equivalentes a 60 dias de produção, ante a média histórica de 30 a 40 dias nesta época do ano, enquanto a conterrânea West Coast já fechou as vendas até abril, duas semanas mais cedo do que no fim de fevereiro de 2010.
"Com o desemprego baixo e a renda em alta, os lojistas sentem-se seguros para fazer encomendas maiores", disse o diretor administrativo-financeiro da Ramarim, Jakson Wirth. Segundo o diretor da West Coast, Eduardo Schefer, o aperto no crédito imposto pelo Banco Central não atrapalhou o setor, que também está se beneficiando da estabilidade dos custos dos insumos e componentes.
A Ramarim fechou o bimestre com alta de pelo menos 40% nas vendas em relação ao mesmo período de 2010, disse Wirth. Para o acumulado do ano, ele prevê uma produção de até 11 milhões de pares, equivalente a uma expansão de 22% sobre 2010 e a praticamente 100% da capacidade instalada da empresa nas três unidades.
Por conta disso, conforme o executivo, a empresa deve iniciar ainda em 2011 a expansão de uma de suas unidades industriais. A fábrica que será ampliada ainda não foi definida, mas o plano é colocar as novas máquinas em operação no máximo em 2012. A Ramarim tem 6 mil funcionários, 1,7 mil dos quais foram contratados em 2010, quando entrou em operação a segunda planta de Jequié.
Na West Coast as vendas do primeiro bimestre cresceram 20% em comparação com o mesmo período do ano passado, para cerca de 360 mil pares, informou Schefer. De acordo com ele, a produção anual da empresa, que em 2010 já cresceu 20%, para 2,4 milhões de pares, deve passar para 3 milhões de pares nas quatro fábricas.
Conforme o executivo, neste ano a empresa também vai ampliar a capacidade da fábrica de Sergipe, atualmente de 2,5 mil pares por dia, para 6 mil a 7 mil pares/dia, com um investimento de R$ 3 milhões. O número total de funcionários também deverá ser ampliado de 1,2 mil para mais de 2 mil, com a maior parte das contratações na fábrica nordestina.
Dois dos principais indicadores da capacidade de investir e crescer da economia, a produção de máquinas e equipamentos e a expedição de papelão ondulado, não começaram o ano com o entusiasmo dividido por outros segmentos. Segundo Carlos Pastoriza, diretor da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), a retração de 22% no faturamento entre dezembro e janeiro é sazonal. Para ajudar no desempenho do ano, o setor espera a renovação do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), que subsidia a compra de máquinas e com término previsto para o fim de março.
A expedição de papelão também registrou recuo, de 2,8%, entre dezembro e janeiro (sem ajuste), aprofundando a queda de produção do setor - foi a terceira queda consecutiva. A expedição de 194,4 toneladas de papelão ondulado no primeiro mês de 2011 foi a menor desde as 189,8 toneladas registradas em fevereiro (mês em que há menos dias úteis) de 2010.
No setor de material elétrico e eletrônico, o resultado do primeiro bimestre tem ficado abaixo das expectativas, ainda que haja crescimento em relação ao mesmo período do ano passado. Segundo o presidente da Abinee (a associação do setor), Humberto Barbato, o faturamento deve ter crescido algo como 6% no período. As empresas ligadas à infraestrutura apresentam um resultado razoável, recebendo um bom volume de encomendas, especialmente nas áreas de telecomunicações e energia elétrica, diz ele. O problema, diz, é que a rentabilidade está muito comprimida pela feroz competição dos produtos importados.
No segmento de bens de consumo, as coisas vão um pouco pior, com os consumidores estão um pouco mais retraídos. Barbato diz que a previsão da Abinee para a expansão do faturamento em 2011, hoje em 13%, pode ser revisada para baixo. "O novo número pode ficar abaixo de dois dígitos". Em 2010, houve alta de 11%. Segundo ele, a expectativa do setor é que o emprego fique estável neste ano.
Segundo Fatima Giovanna, diretora de economia da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), a alta da produção verificada entre dezembro e janeiro - de 7,8% - foi construída pela retomada operacional do polo petroquímico de Camaçari (BA), desativado em novembro e dezembro. "Mas o apagão do Nordeste vai comprometer o resultado de fevereiro", diz Fatima.
Veículo: Valor Econômico