Argentina aumenta barreiras contra o Brasil

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Quase um quarto das exportações brasileiras para o país é alvo de restrição; no ano passado, as medidas protecionistas atingiram 13,5% das vendas

 

O governo da presidente Cristina Kirchner aplica uma saraivada de medidas protecionistas que restringem ou atrasam a entrada de produtos brasileiros no mercado argentino. Segundo a consultoria portenha Abeceb, do total de exportações realizadas pelo Brasil para a Argentina, 23,9% são alvo de barreiras - quase um quarto do total das vendas.

 

A proporção indica um salto em relação ao ano passado, quando as medidas protecionistas atingiam 13,5% dos produtos Made in Brazil destinados a Argentina. Assustado com o crescente superávit brasileiro, o governo Kirchner costuma argumentar que as medidas protegem a indústria nacional das "assimetrias". De janeiro a abril, o Brasil acumula saldo positivo de US$ 1,33 bilhão com a Argentina. A previsão da consultoria Abeceb é que o superávit chegue a US$ 6,5 bilhões este ano.

 

Nos últimos doze meses, o governo argentino dificultou a entrada de eletrodomésticos, chocolates e máquinas agrícolas; aplicou valores critério (preço mínimo) para a importação de bidês e vasos sanitários; e tomou medidas adicionais de segurança para brinquedos. Já constavam da lista de restrições de anos anteriores autopeças, material de transporte, calçados, toalhas. De quebra, pairam ameaças sobre as vendas de carne suína.

 

A situação preocupa o Brasil, que estuda uma retaliação para breve. Segundo fontes do governo, "não adianta conversar com os argentinos". O ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, esteve em Buenos Aires em fevereiro e voltou com o compromisso de que os produtos brasileiros seriam excluídos das barreiras. Mas as promessas não foram cumpridas, o que irritou um dos auxiliares mais próximos da presidente Dilma Rousseff.

 

Os argentinos estão utilizando um amplo leque de instrumentos protecionistas, que afetam 921 posições alfandegárias. As licenças não-automáticas são as mais importantes e prejudicam 18,7% das vendas brasileiras para a Argentina. Os acordos de monitoramento firmados entre os setores impactam 4,2% das exportações. Em seguida, vem os valores critérios (uma espécie de preço mínimo) com 3,7%. As taxas antidumping atingem 0,7% dos produtos brasileiros, enquanto os compromissos de preços englobam 0,5%.

 

Veículos. Enquanto o governo Kirchner aplica barreiras contra produtos brasileiros, na contramão, o setor automotivo argentino está sendo beneficiado pelas exportações de veículos fabricados na Argentina e exportados para o Brasil. Isso é o que indicam os dados da Associação de Fabricantes de Automóveis (Adefa), que sustenta que do total de 72.432 automóveis que saíram das linhas argentinas de produção em abril, 58,3% foram destinadas à exportação. Deste total, o Brasil absorveu 82%.

 

A dependência argentina das vendas para o Brasil é significativa em algumas províncias, onde, a cada medida protecionista emitida pelo governo federal argentino, surgem temores de retaliações brasileiras. Esse é o caso de Córdoba, província que destina ao Brasil 25% do total de suas exportações.

 

Para Raúl Ochoa, economista e ex-secretário do Comércio da Argentina, o governo Dilma terá menos "paciência estratégica" com a Argentina. "Comparado com o governo Lula será menos paciente, já que a Argentina, em vez de dar sinais de reduzir as barreiras, cada vez cria mais medidas.

 

Embate comercial entre os dois países é antigo

 

O protecionismo argentino contra o Brasil tem longa tradição e se confunde com a história do Mercosul. O bloco foi criado em 1991 com a assinatura do Tratado de Assunção. Os empresários argentinos desfrutaram de uma redução gradual de tarifas de importação até 1995, para se adaptar a concorrência do Brasil.

 

O prazo foi concluído, mas os pedidos de proteção continuaram. Em 1997, começaram a surgir as primeiras exigências de medidas contra o Brasil pelos produtores argentinos de suínos, frangos, calçados, móveis, entre outros. O argumento era que "a invasão brasileira destruiria a indústria nacional".

 

Em janeiro de 1999, a maxi desvalorização do real causou irritação em Buenos Aires e uma disparada de alertas sobre uma "iminente avalanche" de produtos brasileiros. Para pressionar o Brasil, o então presidente Carlos Menem deslanchou um intenso flerte com os Estados Unidos, para fechar um acordo bilateral de livre comércio. Na época, falava-se no "fim do Mercosul", mas o bloco sobreviveu.

 

Entre 2000 e 2001 a situação novamente ficou tensa no conturbado governo de Fernando De la Rúa. Enquanto a administração De la Rua aproximava-se de seu final, as medidas protecionistas contra o Brasil cresciam.

 

A pausa nos conflitos ocorreu durante a profunda crise econômica de 2001-2002 e o início da recuperação em 2003. Nesse período, com o país à beira da falência, as importações feitas pela Argentina despencaram.

 

A recuperação acelerada do consumo a partir de 2004 - e o aumento das importações de produtos brasileiros - levaram o presidente Néstor Kirchner a declarar uma ofensiva contra os eletrodomésticos brasileiros.

 


Veículo: O Estado de S.Paulo


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