Depois de pressionar a inflação e "obscurecer" o papel da demanda interna no aumento de preços, a redução nas cotações das commodities agrícolas retirou a pressão sobre os alimentos, e, já em março, foram os fabricantes de bens de consumo quem puxaram a alta de preços. O Índice de Preços ao Produtor (IPP) para a indústria de transformação, calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), avançou 0,39% entre fevereiro e março, mas os antigos "vilões", os fabricantes de produtos alimentícios, reduziram seus preços em 0,6% no período.
Pesquisado na "porta de fábrica", segundo o próprio IBGE, o IPP trabalha com os preços cobrados pela indústria antes de impostos e fretes, e antes da venda ao atacadista. Assim, serve de termômetro de preços dos bens que chegarão, na ponta, ao consumidor. A partir do dado de março, divulgado ontem, são fabricantes de bens como têxteis, vestuário, calçados e produtos químicos quem puxam a inflação. Trata-se, segundo os economistas, de uma prévia do que será captado pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) a partir deste mês.
"A inflação brasileira já era puxada pela demanda interna aquecida desde o início do segundo semestre do ano passado, mas como os alimentos ficavam muito mais caros, devido ao contágio externo das commodities, era difícil convencer", diz Thiago Curado, economista da Tendências Consultoria. "Agora, veremos o contrário, quer dizer, serão os alimentos que ajudarão a conter altas mais fortes da inflação", diz.
No primeiro trimestre, o contágio das commodities ainda é muito claro, mas não entre os alimentos. Os fabricantes de produtos têxteis aumentaram seus preços em 9,5% entre janeiro e março, influenciando também o reajuste de 3,1% entre os produtores de vestuário em igual período. Mas boa parte desses reajustes foram consequência da forte elevação nos preços do algodão na Bolsa de Valores de Chicago (EUA), onde as cotações de commodities são negociadas. Nos 12 meses terminados em abril, a cotação do algodão aumentou 135% no mercado internacional.
Outros itens, como calçados e artigos de couro, acumularam alta de 3,9% nos primeiros três meses do ano, puxados principalmente pela elevação de 1,8% entre fevereiro e março.
A Tendências estima que o IPCA registrará avanços mais fracos em maio e junho, de 0,42% e 0,15%, respectivamente, tendo os alimentos como principais "ajudantes" - segundo a consultoria, a variação do item alimentos no IPCA será de 0,35%, em maio, e 0,03%, em junho. "O item alimentos e bebidas só não ficará negativo porque a alimentação fora de domicílio continuará ficando mais cara", avalia Curado, "justamente porque este item depende da demanda, que continua acelerada".
Segundo Tatiana Pinheiro, especialista em inflação do Santander, a queda nas cotações das commodities pode reverberar no IPCA por até cinco meses, o que deve, segundo ela, deixar evidente a influência da demanda por detrás das elevações de preços.
"A despeito da desaceleração encomendada que o IPCA terá entre maio e julho, devido à baixa nos alimentos, a inflação nos 12 meses continuará elevada, porque deixaremos o passado benigno de meados de 2010 para trás", avalia Tatiana. "E as negociações salariais, que em sua maioria repõem a inflação e ainda colocam um ganho real, serão uma injeção no consumo e, consequentemente, uma chancela à indústria, que poderá reajustar seus preços."
A competição com importados, que incomoda menos os fabricantes de bens de consumo não duráveis, como alimentos e bebidas, influenciou os recuos de 0,5% nos bens produzidos pelo setor metalúrgico e 0,6% nos preços de máquinas e equipamentos. O segmento de bens de capital é o segundo que mais importou no ano - US$ 14,4 bilhões, entre janeiro e abril, menos apenas que os US$ 30 bilhões importados em matérias-primas e bens intermediários.
Veículo: Valor Econômico