Governo propõe parcerias para plano de combate à pobreza extrema

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A ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, afirmou, em entrevista ao Valor, que o governo vai estabelecer parcerias com os setores produtivos para garantir a emprego aos beneficiários do programa de combate à miséria extrema - que deve ser lançado ainda no primeiro semestre - e a comercialização dos alimentos produzidos pelos agricultores familiares.

 

Os dois primeiros setores procurados foram os supermercadistas e a construção civil. A intenção é que esses dois setores utilizem o cadastro do Bolsa Família para preencher suas vagas. A Pasta também quer aproveitar as grandes redes de supermercados para comercializar os alimentos produzidos pela agricultura familiar.

 

O ministério fechou uma parceria com a Embrapa para o fornecimento de sementes de melhor qualidade e a capacitação técnica dos agricultores familiares para que possam produzir alimentos de primeira linha.

 

O governo não descarta a possibilidade de criar um selo para esses produtos, para que eles embutam a marca da responsabilidade social. Mas tem o cuidado de não parecer que será um produto de segunda linha. "Queremos fazer um feijão para a classe A e B. E na nossa avaliação, ele tem um valor agregado a mais: o do consumo consciente, porque foi produzido por uma população extremamente pobre. Em qualquer lugar do mundo, teria um valor social importante."

 

Em tempos de risco inflacionário, Tereza Campello diz que o plano de erradicação da miséria poderá diminuir as pressões sobre os preços. Se bem sucedido, diz a ministra, o plano reduzirá o impacto do aumento de preços na construção civil porque estará oferecendo mão de obra para o setor. No caso dos alimentos, o reflexo positivo viria do aumento da oferta e da pressão para baixo sobre os preços das commodities agrícolas. "Mas o nosso esforço é tirar da extrema pobreza esses 16,2 milhões detectados pelo IBGE".

 

Para ela, essa faixa da população é a mais vulnerável: "Nem o crescimento do país nos últimos anos nem os programas de transferência de renda foram suficientes para fazer essas pessoas ascenderem", resumiu. A seguir os principais trechos da entrevista:
"Queremos um feijão com um valor agregado a mais, porque foi produzido por uma população extremamente pobre"

 

Valor: O ministério tem procurado o setor privado para debater o plano de combate à miséria extrema. Com quais setores está havendo negociação?

Tereza Campello: Estamos trabalhando nesse primeiro momento com setores muito específicos. Um deles é a construção civil, que sofre com carência de mão de obra. Nós temos condições de incluir nosso público nesse contexto. Já era um foco de ação do governo no Bolsa Família e nós vamos intensificar daqui para frente.

 

Valor: O governo apresentou o plano a eles?

Tereza: Não. Apenas mostramos que temos um cadastro do Bolsa Família. Eles hoje procuram mão de obra em igrejas, anunciam em paradas de ônibus. Nós temos um cadastro fidelizado, com nome, endereço reconhecido. É um cadastro qualificado.

 

Valor: Quais serão os setores para os próximos passos?

Tereza: Essa foi uma das pautas com os supermercadistas. Eles também estão tendo mais dificuldade para procurar as pessoas. Eles podem usar nosso cadastro e qualificar essas pessoas. Os grandes supermercados já fazem esse tipo de serviço. Eles têm universidades para isso. No caso dos pequenos atacadistas, nós faremos essa qualificação. Isso será um dos principais eixos da inclusão produtiva profissional.

 

Valor: Como funcionará isso?

Tereza: O governo lançou o Pronatec, um programa de bolsas concedidas para as populações carentes nas escolas técnicas federais. O público do cadastro único de transferência de renda é o público do Pronatec. O empreendedor que deseja qualificar seus empregados ou qualificar mão de obra que seja potencialmente um futuro empregado, poderá recorrer ao Fies [programa de financiamento estudantil]. O Fies vai financiar não apenas o ensino superior mas também a qualificação profissional.

 

Valor: Essa foi a única pauta com o setor produtivo?

Tereza: Não. No caso dos supermercados, há uma outra pauta: a compra e aquisição de produtos da agricultura familiar. Nós não estamos procurando o setor supermercadista para pedir doação. É um negócio que vai ser bom para os supermercados porque terão uma oferta a mais de um produto com muita qualidade; bom para o país porque, se essa equação der certo, nós vamos aumentar a produção de alimentos em um momento estratégico, de aumento de preços e falta de alimentos no mundo; e vamos incluir toda uma população que hoje não consegue colocar-se no mercado de trabalho.

 

Valor: Como a proposta aparecerá no plano de combate à miséria extrema?

Tereza: Nós queremos ampliar o acesso ao mercado desta população extremamente pobre. Hoje, nós temos duas grandes modalidades de compra: o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar. Nossa expectativa é passar de um patamar hoje de R$ 675 milhões para R$ 2 bilhões em 2014 só no PAA. Queremos ampliar também as vendas para hospitais, presídios e restaurantes universitários, que hoje não compram da agricultura familiar. Vamos fazer toda uma equação facilitando esse acesso.

 

Valor: Quais são os produtos que serão comercializados nos supermercados?

Tereza: Nesse primeiro momento o que temos à disposição é: feijão, milho, farinha de mandioca e fubá. A ideia é que a gente possa ampliar, em um segundo momento, para pescado e produtos da sócio-biodiversidade, como castanha e açaí. E queremos estabelecer um padrão de qualidades para que essa produção não seja de segunda linha.

 

Valor: O padrão de qualidade será garantido de que forma?

Tereza: A Embrapa vai fornecer as sementes e as mudas, além de nos ajudar com difusão de tecnologia e treinamento de nossas equipes técnicas. Não só teremos uma semente de primeira linha, como será uma semente adaptada para o semiárido. E nós estamos falando em transferência de tecnologia para esse agricultor produzir com qualidade.

 

Valor: Como será feita a distribuição desses produtos?

Tereza: A Conab é nossa parceria na área de distribuição. Ela construiu toda uma agenda de inclusão de milhões de pequenos agricultores extremamente pobres no mercado. Ajudou a organizar esses agricultores, muitos não sabiam tirar nota [fiscal], nunca tinham vendido a produção. E a Conab só compra produtos que ela tenha condições de estocar e garantir qualidade.

 

Valor: O governo escolherá algum mecanismo para identificar esses alimentos produzidos pela parcela mais pobre da população?

Tereza: Se os supermercadistas entenderem que um selo identificando esses produtos como derivados do Programa Brasil sem Miséria ajudará, nós estamos dispostos a colocar o selo. O que nós não queremos é que, ao colocar o selo, pareça que esse produto não é um produto de qualidade. Não queremos que seja associado à um produto de segunda linha, para as pessoas falarem: "Eu vou comprar, mas não vou comer esse feijão". Queremos fazer um feijão para a classe A e B. E na nossa avaliação, ele tem um valor agregado a mais: o do consumo consciente, porque foi produzido por uma população extremamente pobre, o que, em qualquer lugar do mundo, teria um valor social importante.

 

Valor: A possibilidade concreta de o país voltar a conviver com uma inflação acima da meta de 6,5% ao ano terá influência na elaboração do plano de combate à miséria?

Tereza: O conceito geral do plano ajudará a amenizar esse quadro. Estamos buscando a inserção de uma parcela da população que até hoje não teve acesso à essas oportunidades. Se a gente for bem sucedido, reduziremos o impacto do aumento de preços na mão de obra. Se aumentarmos a oferta de produtos da agricultura familiar, teremos mais produtos da cesta básica disponíveis, melhoria de oferta de alimentação, o que causa impacto positiva ao controle dos preços.

 

Valor: Mas a volta da inflação não dificulta a implantação de alguns dessas medidas?

Tereza: Certamente, não fazemos um plano de quatro anos sem ajuste nenhum. Mas o nosso ajuste não vai ser de meta. Eventualmente você pode ter ajustes e a necessidade de implementar medidas adicionais se você tiver uma alteração muito grande da conjuntura internacional.

 

Valor: Neste momento, as conversas estão restritas ao setor produtivo?

Tereza: Não, também estamos conversando com os governadores. Estamos construindo uma agenda de complementação de renda, que está bem avançada, principalmente nos Estados mais ricos.

 

Valor: Como seria essa complementação de renda?

Tereza: Nós fizemos um recorte de R$ 70 per capita mensal [renda das pessoas consideradas público-alvo do futuro programa]. Os Estados mais ricos têm complementado isso ou se disposto a complementar. O próprio Rio de Janeiro já anunciou, em parceria conosco, que fará um recorte de R$ 100.

 

Valor: O governo trabalha com algum percentual de crescimento do PIB nesse plano de erradicar a miséria?

Tereza: Trabalhamos com a manutenção das taxas atuais de 2011 [previsão de 4% de crescimento do PIB]. A ideia é poder ajustar o plano e cumprir a meta com uma faixa de crescimento, para cima ou para baixo. Mas o plano não está associado a um cenário de crescimento fixo. O crescimento econômico ajuda a reduzir desigualdades, mas você precisa ter ações e decisões políticas que permitam essa redução de forma mais acentuada.

 

Valor: Pelos cálculos do IBGE, ainda existem 16,2 milhões de pessoas consideradas extremamente pobres.

Tereza: O nosso esforço é para tirar da extrema pobreza esses 16,2 milhões. Na nossa avaliação, esse núcleo da pobreza é o mais resistente. São pessoas que não conseguiram, mesmo com o crescimento econômico, encontrar um emprego melhor, colocar-se melhor no mercado, virar micro empreendedor.

 

Valor: Por quê?

Tereza: São pessoas que têm um nível de escolaridade muito menor, estão há mais tempo sem colocação, têm mais filhos, o que impede que um dos cônjuges trabalhe para ficar em casa cuidando da família. Precisamos melhorar a capacitação dessa população e permitir que tenha acesso aos serviços públicos.

 

Valor: Que serviços?

Tereza: A construção civil faz testes de saúde em seus empregados e os exames para detectar hipertensão e diabetes são tradicionais. Muitas vezes o trabalhador faz a entrevista para o emprego, está qualificado para a vaga, vai fazer o exame e não é empregado porque é hipertenso. O empregador não vai colocar um hipertenso, não medicado, debaixo de sol carregando peso. Essa população, recebendo o remédio para hipertensão ou diabetes pelo Programa Farmácia Popular, tem mais chance.

 

Valor: Existe outro exemplo?

Tereza: Uma colega nossa, que trabalha em Osasco, ministrou um curso ótimo para auxiliar de cozinha e uma parte dos alunos, apesar de estar entre os melhores da turma, não conseguiu se colocar porque não tinha os dentes. Nesse caso, aliaríamos o plano com o Programa Brasil Sorridente.

 

Veículo: Valor Econômico


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