Empresários reacendem o debate sobre o real forte e pedem proteção contra invasão de importados. Mesmo assim, ainda continuam investindo pesado na produção local
Ao enfrentar a crise que levou a economia mundial à beira do abismo, o governo brasileiro decidiu, em 2008, criar um pacote de incentivos que permitisse à indústria atravessar o período mais difícil que os países avançados conheceram no século 21. A redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a injeção de capital do BNDES e juros convidativos para a compra de bens de capital, garantiram que as previsões mais sombrias sobre a recessão que viria a atingir o Brasil fossem, de fato, a “marolinha” do ex-presidente Lula. A indústria foi o fiel da balança nas tais medidas anticíclicas, que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, pregava três anos atrás.
No fim de 2010 a política anticíclica saiu de cena substituída pelas medidas macroprudenciais. Nesta, a indústria não tem vez. O crédito mais caro e o fim dos incentivos para comprar equipamentos reduziram o ímpeto de outrora. Um levantamento do IBGE, sobre o desempenho da indústria em abril mostrou que o emprego industrial recuou 0,1% sobre março, e o salário, 0,4%. Parece pouco, mas foi o suficiente para que alguns setores começassem a chiadeira. Um deles foi o de vestuário, cuja atividade recuou 3,7% em abril. Na quarta 22, representantes do segmento se reuniram com Mantega para expor suas dificuldades.
Oferta aquecida: a grita dos líderes setoriais contrasta com planos de investir R$ 3,3 tri até 2014
Saíram com o aceno de algumas compensações, como desonerar a folha de pagamento para as indústrias intensivas em mão de obra, mas nada concreto para o que aflige toda a indústria: o dólar fraco. O real valorizado tem sido perverso para a indústria, com o aumento da pressão da concorrência importada. “Custamos 40% a mais, em média, do que a concorrência internacional”, diz José Velloso, vice-presidente da Abimaq, que representa os fabricantes dos bens de capital. A maior ameaça vem dos competidores chineses. “O câmbio chinês está desvalorizado em 40%, e seus produtos chegam custando um terço dos nossos”, diz Velloso.
Ele prevê um crescimento de 30% do déficit na balança comercial do setor este ano, em comparação a 2010, chegando a US$ 20 bilhões. “Há um tsunami de importados porque o real está forte e as outras moedas estão fracas”, diz Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). “Não há inovação nem ganho de produtividade que resolva isso.”
A grita dos empresários, contudo, não inibiu seus planos de investimentos, principalmente devido às perspectivas de crescimento e ganho de renda no ano que vem. A Sondagem Industrial, divulgada na semana passada pelo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas, mostrou que 36% das empresas consultadas tinham como prioridade ampliar a capacidade de produção em 2012. O número é quatro pontos percentuais menor que o de 2010 e bem abaixo dos 50% de 2008. “Mas resultados acima dos 30% indicam que a taxa de investimento deve subir”, diz Aloísio Campelo Jr., coordenador do Ibre.
Em 2010, a taxa de investimento foi de 18,4% do PIB. O BNDES projeta 19,2% para este ano e 20,3% em 2012. Ou seja, mantém o ritmo de crescimento, mas ainda está aquém do que o País já alcançou nos tempos do milagre econômico (24,3%), nos anos 1970, e é muito inferior à taxa praticada por outros países emergentes, como a própria China (45,6%), a Índia (30%), e a Coreia do Sul (29,1%). A Política de Desenvolvimento Competitivo (PDC), a ser lançada neste ano, acena com algumas medidas que compensem o câmbio valorizado e ajudem a taxa de investimento no Brasil a atingir a marca dos 23% em 2014, um compromisso assumido pela presidente Dilma.
Mesmo com essas propostas, os empresários temem a desindustrialização. “A desindustrialização deixou de ser um risco e passou a ser uma realidade”, diz Skaf. O economista-chefe do Bradesco, Octávio de Barros, pondera, contudo, o momento por que passa a manufatura no planeta. “Enquanto houver uma sobreoferta de manufaturados no mundo, me parece precipitado falar em desindustrialização”, afirma Barros. Ele lembra que só no caso da indústria automobilística há 27 milhões de carros encalhados nos pátios das montadoras ao redor do mundo. “No caso de bens duráveis, em geral, o fenômeno é idêntico.”
Barros reconhece que a indústria é o setor mais prejudicado, neste momento, o que tem feito com que muitas empresas busquem uma reinvenção. “A indústria está em busca de um novo modelo que contemple uma maior participação de componentes importados.” A despeito dos contratempos, o certo é que o processo de investimentos a que se refere o economista do Bradesco assumiu proporções sem paralelo na história do País.
Cálculos do BNDES, divulgados no primeiro trimestre do ano, dão conta de que até 2014, a indústria brasileira deverá investir R$ 3,3 trilhões. A metade dessa dinheirama será aplicada na compra de bens de capital. Para um setor supostamente moribundo, a se acreditar na profecia apocalíptica de alguns representantes empresariais, até que os sinais vitais não são de se jogar fora. “Não podemos esquecer que, depois da China, o Brasil é o país com a maior diversidade industrial do mundo emergente”, afirma Barros.
Veículo: Revista Isto É Dinheiro